Por André Sollitto
Houve um tempo em que todas as decisões tomadas pelo produtor em sua propriedade eram baseadas no conhecimento acumulado safra após safra. O que costumava dar certo era repetido, e o que não tinha o sucesso esperado acabava descartado nos anos seguintes. Hoje em dia, o saber empírico de quem passa o dia todo com as botinas na terra continua sendo importante, mas, para potencializar resultados, a tecnologia se tornou um requisito vital. Trata-se do conceito conhecido como smart farming, ou “fazenda inteligente”, em que a adoção de metodologias avançadas e operações agrícolas baseadas em dados são usadas para apoiar as decisões do produtor. O Brasil tem papel de destaque nesse cenário. Um artigo da Universidade de Debrecen, na Hungria, mostra que o país é o terceiro com a maior taxa de adoção de técnicas de agricultura de precisão no planeta, atrás de Austrália e Canadá, e à frente de outras potências agrícolas, como os Estados Unidos. Apesar do bom desempenho, ainda há muito o que fazer.
Para dar o necessário salto rumo à agricultura 4.0, como é chamada a era digital, é preciso ter internet na propriedade. As sedes costumam ter algum tipo de conectividade, mas basta se afastar em direção aos talhões para que o sinal de celular se perca. E esse é o grande problema. Não é possível aproveitar todas as funções de equipamentos conectados sem uma rede eficaz de internet. É por isso que um grupo de empresas, com distintos focos de atuação no setor agropecuário, se reuniu há cinco anos sob a bandeira da iniciativa ConectarAgro.
Na ocasião, faziam parte do projeto as fabricantes de máquinas CNH, Jacto e AGCO, a Nokia, especializada em infraestrutura de telecomunicações, as desenvolvedoras de tecnologia agrícola Climate FieldView, Solinftec e Trimble e a operadora TIM. Em 2019, quando o projeto foi apresentado na Agrishow, uma das principais feiras agrícolas do Brasil e do mundo, a proposta era ampliar a conscientização sobre as vantagens do sinal de celular na propriedade e viabilizar a conexão no campo. Desde então, o papel da associação mudou, assim como a sua composição. Além das fundadoras CNH, Nokia, TIM, Solinftec e AGCO, fazem parte empresas como AWS, Valtra, Fendt e Massey Ferguson. E mudou também o cenário da conexão no campo.
Em parceria com a Universidade Federal de Viçosa (UFV), a associação criou o Índice de Conectividade Rural (ICR), que mede a disponibilidade de serviços de internet em áreas remotas do Brasil. As descobertas são preocupantes. Atualmente, apenas 37% dos imóveis rurais brasileiros têm cobertura 4G e 5G em toda a área de uso agropecuário. E somente 19% do espaço disponível para a atividade agrícola possui cobertura 4G e 5G, com maior concentração no Sul e Sudeste brasileiros. Ou seja, 80% do campo no País ainda não está conectado. “Quando criamos o projeto, sentíamos a necessidade de democratizar a informação sobre as demandas da internet nas propriedades rurais”, afirma Paola Campiello, presidente da ConectarAgro e gerente de Soluções de Conectividade na CNH Industrial. “Hoje em dia, participamos das principais conversas em fóruns sobre o tema e nos articulamos para viabilizar a conectividade principalmente para pequenos e médios produtores”, diz Campiello.
A Fazenda Conectada Case IH é um modelo que ilustra as vantagens de ter internet na propriedade. Localizada em Água Boa, região de alta produtividade agrícola em Mato Grosso, ela pertence a um cliente da Case IH que recebeu conexão 4G da TIM. Até então, a cidade não tinha acesso à tecnologia. Para garantir a chegada da internet de alta velocidade, duas antenas foram instaladas, uma dentro da propriedade e outra no centro de Água Boa. A safra 2022/23, a primeira conectada, foi 18% mais produtiva do que o ciclo anterior e teve uma redução de 25% no consumo de combustível, além de baixar em 5,7% o tempo de motores ociosos do maquinário, o que representa uma diminuição de 10% da emissão de carbono.
Além disso, uma pesquisa feita pela Agricef, empresa especializada em soluções tecnológicas para a agricultura, em parceria com a Unicamp, aponta que a produtividade da Fazenda Conectada foi 7,4% maior do que a observada na região de Água Boa, 7,6% acima do Mato Grosso e 13,4% melhor do que a média do Brasil. Os resultados fortalecem as demandas do ConectarAgro, que começa agora a atuar na Argentina e na Colômbia, outras potências agrícolas da América do Sul, que perceberam que estavam cinco anos atrás do Brasil nas discussões sobre smart farming.
A conectividade tem papel central no debate sobre agricultura inteligente – isso porque, afinal, abre portas para uma série de outras tecnologias. Sensores no solo podem capturar informações em tempo real, o maquinário passa a ser controlado remotamente, com dados atualizados, drones acompanham a propriedade com maior precisão, a saúde dos animais é verificada de forma automática e constante, e todas essas informações são acessadas pelo produtor em qualquer dispositivo móvel, o tempo todo. Portanto, a cadeia interligada torna o setor mais competitivo e produtivo, além de reduzir o desperdício.
A Fazenda Conectada, obviamente, não é o único exemplo dos impactos causadas pela adoção de novos recursos tecnológicos. A própria TIM possui outros projetos importantes na área. Com contratos firmados com 40 grandes grupos do agronegócio, a meta da empresa para o final de 2024 é ampliar em 4 milhões de hectares a região coberta por suas torres, e assim alcançar a marca de 20 milhões de hectares conectados com 4G. Em outubro de 2022, a empresa forneceu conexão de alta velocidade para 11 unidades da BP Bunge, em 5 estados brasileiros, totalizando 3 milhões de hectares conectados – trata-se do maior projeto de cobertura 4G da história da empresa. O objetivo era alavancar projetos de IoT (Internet das Coisas, na sigla em inglês).
As tecnologias inteligentes não são exatamente uma novidade no campo. Na realidade, estão disponíveis há alguns anos, mas passaram a ser adotadas em maior escala com o avanço da agricultura digital. O que chama a atenção agora é a incorporação de elementos de inteligência artificial nas atividades agropecuárias. No ano passado, o projeto Smart Agro, anunciado durante a feira Coopavel, propôs a criação de plataformas de dados analisados por IA. Na Agrishow deste ano, a TIM anunciou uma parceria com a agtech Trapview para oferecer a primeira armadilha do País conectada com NB-IoT, solução que consiste no monitoramento digital de pragas com o uso de IA. Graças aos algoritmos cada vez mais poderosos, o produtor passou a tomar decisões embasadas pelo grande volume de dados.
As novas tecnologias têm papel importante na sustentabilidade da produção agrícola. Máquinas que ficam menos tempo ociosas poluem menos. As aplicações mais precisas de defensivos reduzem o uso desses insumos. O monitoramento de pragas em tempo real dispensa a pulverização total da lavoura. A Usina Santa Adélia, uma das principais agroindústrias do setor sucroenergético do interior de São Paulo, detectou uma redução de aproximadamente 30% do tempo em que as máquinas permanecem ociosas e a diminuição de 5% do consumo de diesel, combustível fóssil causador das emissões de CO2 na atmosfera, devido à maior conectividade 4G.
Os exemplos se sucedem. A unidade Iracema, em Iracemápolis, em São Paulo, propriedade da Usina São Martinho, diminuiu em 20% o tempo de resposta a chamados de combate a incêndios nos canaviais da região. Há ainda um fator social relevante. Em alguns casos, a instalação de torres fornece conexão não apenas para a propriedade, mas para as cidades ao redor. A Fazenda Conectada em Água Boa, registre-se, foi responsável por levar internet de alta velocidade às escolas da região. Se o Brasil quiser avançar e se tornar referência ainda maior no agro, é fundamental desenvolver soluções inovadoras para o campo. E isso só será possível com a adoção cada vez mais abrangente dos recursos tecnológicos.