Efeito contrário

Guerra comercial deflagrada pelos Estados Unidos impulsiona exportações brasileiras para China e União Europeia, abrindo novas oportunidades que compensam perdas potenciais no mercado americano
Edição: 48
1 de julho de 2025

Por Marco Damiani

Para a pauta exportadora do agronegócio brasileiro, a decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de aplicar uma tarifa de 10% sobre os produtos nacionais pode ter sido um verdadeiro tiro no pé. Na prática, a medida adotada por Trump acelerou negociações comerciais que já estavam em andamento entre o Brasil e outros importantes mercados compradores, especialmente China e União Europeia. Com isso, o que parecia uma penalização se transformou em uma oportunidade lucrativa para os produtores brasileiros.

Um dos segmentos mais afetados pela onda protecionista americana é o da laranja, que também exemplifica claramente como os produtores brasileiros têm buscado alternativas aos portos dos Estados Unidos. “A tarifa de 10% imposta por Trump significa um aumento de custos de US$ 100 milhões para a cadeia produtiva do suco de laranja no Brasil apenas neste ano”, afirma o diretor técnico da CitrusBR, Ibiapaba Netto. “É um jogo em que todos saem perdendo, já que nosso produto ficará mais caro também para o consumidor americano.”

O executivo da CitrusBR afivela malas rumo ao gigante asiático para encontros decisivos com autoridades e empresários chineses. A missão é obter o corte da taxa extra de 20% em vigor sobre o suco brasileiro e nivelar a tarifa a 7,5%. A entrada de uma tonelada de suco de laranja brasileiro no gigante asiático passaria a custar, com a redução, menos de US$ 300, enquanto o mesmo volume exportado para os Estados Unidos, com o adicional de 10% sobre a cobrança atual, já deixa US$ 750 nos cofres do Tesouro americano. Em abril, uma tonelada do produto estava cotada em cerca de US$ 3,5 mil.

De janeiro a março deste ano, a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) registrou exportações totais para a China no valor de US$ 19,8 bilhões, destacando-se vendas de minério de ferro, petróleo bruto, soja e carne bovina. Já as exportações brasileiras de suco de laranja para os Estados Unidos somaram US$ 1,2 bilhão no ano passado. Diante desse cenário, os citricultores brasileiros estão apostando na criação de um novo mercado consumidor na China, país com 1,4 bilhão de potenciais compradores. “Se conseguirmos abrir essa nova rota comercial com os chineses, algo que hoje é pouco significativo para o setor, certamente alcançaremos os patamares históricos que tivemos no mercado americano”, afirma Ibiapaba Netto, diretor técnico da CitrusBR.

Representante do setor que lidera as exportações do agronegócio brasileiro, a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja) vê na tarifa de 10% aplicada pelos Estados Unidos um fator que ajuda a sustentar parcialmente os preços internacionais da soja. Em entrevista à PLANT PROJECT, o presidente nacional da entidade, Maurício Buffon, explicou esse ponto de vista: “As tarifas impostas pelos americanos a produtos de diversos países provocaram um desequilíbrio no mercado internacional, elevando os preços da soja. Isso acabou compensando parcialmente a queda mais intensa que seria provocada pela oferta abundante do grão disponível atualmente”. Buffon refere-se à projeção de uma colheita robusta no Brasil, estimada em 168,7 milhões de toneladas no ciclo 2024/25, além do bom desempenho das safras em outros países produtores.

Maurício Buffon: “Quem esperar mais tempo para vender terá condições de fechar negócios melhores”

De certa forma, as tarifas de 10% impostas aos produtos brasileiros e as de até 104% aplicadas especialmente contra a China estão gerando resultados opostos aos que pretendiam Trump e seus estrategistas. Em vez de enfraquecer os países alvos, as medidas têm levado, em muitos casos, a um processo de fortalecimento e reorganização das rotas comerciais globais. Para o segundo semestre, por exemplo, a Aprosoja projeta que o preço da saca de soja deve subir para cerca de R$ 135, impulsionado pela redução dos estoques internacionais e pelos reflexos da guerra comercial. “Quem tiver condições de esperar mais tempo para vender certamente conseguirá fechar negócios melhores”, afirma Maurício Buffon.

Praticamente todo o mercado asiático, e não apenas a China, está abrindo as portas para a carne bovina industrializada brasileira em 2025. Essa abertura representa uma clara oportunidade para compensar eventuais perdas provocadas por reduções nas exportações para os Estados Unidos. “O Japão e a Coreia do Sul, assim como o Oriente Médio e a própria China, têm demonstrado um aumento consistente no consumo per capita dessa proteína”, afirma Tiago Dahdah, diretor de Financiamento Rural do Ministério da Agricultura e Pecuária. “Para este ano, as perspectivas são bastante positivas, com expectativa de crescimento das vendas para essas regiões.” 

Em nota, a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes manifestou que “o impacto direto das tarifas americanas sobre a carne bovina brasileira ainda está sendo avaliado com cautela”. A entidade sublinha que as exportações de carne para os Estados Unidos aumentaram nos primeiros meses de 2025, “devido à forte demanda causada pela maior baixa do ciclo pecuário americano em 75 anos”. A projeção da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) é de que o setor alcance 400 mil toneladas exportadas para os Estados Unidos em 2025, ante 230 mil toneladas do ano anterior.

No circuito governamental, a diplomacia comercial brasileira intensificou sua atuação após a agitação causada pelas tarifas americanas anunciadas no início de abril. “O agro brasileiro está preparado para atender qualquer país que precise de alimentos, especialmente diante de dificuldades provocadas por essa conjuntura”, afirma Luís Rua, secretário de Relações Internacionais do Ministério da Agricultura e Pecuária. Ele conversou com a PLANT PROJECT durante uma série de reuniões oficiais realizadas em Bruxelas, na Bélgica, no fim do mês passado, com representantes da Comissão Europeia e do Parlamento Europeu. “Estamos derrubando barreiras comerciais e nos aproximando cada vez mais do acordo Mercosul-União Europeia, que abrirá novas perspectivas para o agro brasileiro”, adiantou. “A mudança da conjuntura internacional está favorecendo novos entendimentos.” O secretário contabiliza, nos últimos dois anos, a abertura de 356 novos mercados para produtos do campo brasileiro, e mais uma centena de ampliações de contratos já existentes. 

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