Conquistas em duas frentes

A agricultura regenerativa avança no País ao aliar ganhos de produtividade com a proteção do meio ambiente
Edição: 43
12 de fevereiro de 2025

Por André Sollitto

Aliar desenvolvimento socioeconômico com preservação e sustentabilidade é uma tarefa complexa, mas que pode ser abordada de várias maneiras. Na Vila de Jutaí, localizada no município de Moju, no Pará, a pouco mais de 100 quilômetros de Belém, os produtores que fazem parte da comunidade de 411 pessoas integram um inovador projeto que está fomentando o plantio da palma. Por décadas, a sobrevivência na vila era baseada na pesca e na caça. Com a proibição das práticas na região – uma forma de preservar os igarapés –, foi preciso buscar outras formas de sustento.

Os agricultores passaram a cultivar açaí, pimenta-do-reino e cacau, mas o mercado incerto para esses produtos era um dilema. Desde 2022, no entanto, eles aderiram ao Programa de Agricultura Familiar da Agropalma. Trata-se de um projeto que dá acesso a mudas e insumos necessários, além de garantir a compra de toda a produção proveniente dos 227 hectares lá plantados. “Uma das dificuldades do pequeno produtor de implantar a palma é o período improdutivo”, afirma Raimundo Nonato Gonçalves Pompeu, presidente da Associação dos Agricultores Familiares de Jutaiteua. “São três anos, com custo muito alto para o manejo.” A solução foi melhorar o plantio da mandioca, que fornece a renda necessária nesse período. As outras culturas, como cacau e coco, não são abandonadas, mas passam a fazer parte das boas práticas de agricultura regenerativa que estão sendo adotadas em Jutaí.

Como outros termos e expressões que de tempos em tempos ganham relevância nas discussões sobre sustentabilidade e o futuro do agronegócio responsável, a agricultura regenerativa é a bola da vez para o setor. Não há uma definição precisa ou um conjunto de delimitações que indiquem o que é ou quais técnicas podem ser consideradas parte de um manejo regenerativo. O foco principal, no entanto, está na saúde da terra. “Um solo saudável é como se fosse um coração saudável”, diz Carolina Graça, diretora de Sustentabilidade da Bayer. Ele permite, por exemplo, armazenar carbono – é um indicativo de fertilidade, mas também mostra a capacidade de retirar CO2 da atmosfera. Além disso, potencializa a biodiversidade e gera maior capacidade para enfrentar as inevitáveis mudanças climáticas.

Promover a saúde da terra envolve uma série de práticas. O plantio direto, em que a semente é colocada no solo não revolvido, é uma das principais. Outra, igualmente fundamental, é a cobertura do solo. A rotação de culturas também, e não apenas milho e soja, mas cultivos variados, que ajudam a promover a biodiversidade da terra. A otimização de recursos, como o uso preciso de insumos, é outra eficaz estratégia de fertilização. Juntas, essas técnicas compõem o que se chama de agricultura regenerativa. Os benefícios são vários. A produtividade e o rendimento da lavoura aumentam, enquanto os gastos com fertilizantes e outros insumos diminuem.

A agricultura regenerativa também favorece a biodiversidade, melhora a qualidade dos produtos agrícolas, aumenta o estoque de carbono no solo e ajuda a combater a emissão de gases causadores do efeito estufa. Trata-se, enfim, de uma estratégia fundamental para a preservação do planeta.

Não à toa, há um movimento crescente de empresas do setor que possuem iniciativas voltadas para esse fim. A Agropalma, principal produtora de palma das Américas, criou um projeto que alia o manejo agrícola com elementos sociais e econômicos. “Sabíamos que era preciso ir além da agricultura sustentável”, diz Marco Picucci, coordenador agrícola da empresa. “Tínhamos que melhorar a qualidade do solo, e a palma, uma cultura exótica, tem esse potencial.” Entre as práticas adotadas pela empresa estão o revolvimento mínimo do solo no momento do replantio, a cobertura da terra com leguminosas e a redução do uso de herbicidas. “Temos agora 10% da área, ou 4 mil hectares, sob manejo orgânico certificado. E estudamos a viabilidade de implantação de sistemas agroflorestais”, afirma Picucci.

Os exemplos se sucedem. A Nestlé anunciou um aumento de sistemas alimentares regenerativos em escala, além de algumas metas importantes. Até 2025, a empresa afirma que 20% de seus principais ingredientes serão obtidos por meio de métodos agrícolas regenerativos. Até 2030, o objetivo é alcançar 50% dos principais ingredientes, ou cerca de 14 milhões de toneladas. A norueguesa Yara anunciou recentemente o lançamento da linha YaraAmplix, de bioestimulantes, com formulações que incluem nutrientes minerais tradicionais e substâncias orgânicas que melhoraram a nutrição e tornam as plantas mais resistentes em tempos de alterações climáticas.

Promover mudanças é um processo que encontra barreiras, principalmente ao ir contra práticas há muito estabelecidas. A melhor forma de convencer os produtores mais resistentes de que novas técnicas são benéficas é oferecer referências concretas. O ForwardFarming, programa global da Bayer que conta com 29 propriedades espalhadas por 14 países, quer fazer exatamente isso: provar de forma prática a validade das técnicas. No Brasil, a empresa tem dois parceiros: a fazenda Água Fria, em Goiás, e a Estância, em Pirassununga, no interior de São Paulo, esta última anunciada no início de maio.

São 1.100 hectares dedicados às culturas de soja, milho, sorgo, mandioca e cana-de-açúcar. A fazenda já contava com um histórico de práticas regenerativas, como o plantio direto, realizado desde 2009, e a rotação de culturas, intensificada nos últimos três anos. A família Vick, responsável pela gestão, também tem usado produtos biológicos de forma integrada com defensivos agrícolas modernos e ferramentas como a plataforma da agricultura digital da Bayer, Climate FieldView. “A Bayer fornece lançamentos em primeira mão, mas a administração da fazenda é totalmente independente”, diz a diretora de Sustentabilidade Carolina Graça. “Os agricultores podem escolher se vão usar tudo ou não, ou se vão testar produtos da concorrência.”  

Em um cenário de instabilidade climática na região de Pirassununga, com secas intensas em 2020, excesso de chuvas em 2022 e calor extremo em 2023, os dados da fazenda Estância são argumentos suficientes para comprovar os benefícios da agricultura regenerativa. A propriedade colheu 25% a mais que a média do município, e a taxa de replantio na safra de 2023/24 foi de 3% da área plantada, enquanto propriedades da região tiveram que replantar suas áreas de duas a três vezes. “A compreensão do sistema é a base da agricultura regenerativa”, diz Graça. “Significa ter uma visão ampliada sobre a interação entre meio ambiente e agricultura.”

Agora que integra o programa Forward Farming, a Estância torna-se uma vitrine de boas práticas abertas às visitas de agricultores que querem ver o manejo regenerativo de perto, em uma fazenda operacional. O objetivo é engajar produtores, pesquisadores, iniciativa privada e agências governamentais. “Não é um tema fácil, mas ir a campo, perceber a implicação das tecnologias, os desafios do produtor, tudo isso gera outro entendimento, uma compreensão aprofundada”, afirma Graça. Grupos farão visitas periódicas à fazenda, e a ideia é que diferentes ângulos da produção agrícola sejam explorados de acordo com os temas que interessam aos diferentes interlocutores. “Temos muitos stakeholders que não são do agro. Essa experiência prática dá oportunidade de tornar os diálogos mais produtivos, de melhor qualidade e com empatia”, conclui a diretora.

Investir em agricultura regenerativa é um compromisso de longo prazo – e seus benefícios vão além do aumento da biodiversidade e da qualidade do solo. No caso da viticultura, a adoção de boas práticas tem um efeito nas possibilidades de vinificação. A Quinta de Covela é uma propriedade histórica da região Norte de Portugal que hoje em dia tornou-se referência em práticas agrícolas regenerativas. Foi a casa do cineasta Manoel de Oliveira (1908-2015) até a década de 1980, quando então acabou comprada pelo empresário Nuno Araújo.

Foi nesse período que os primeiros rótulos da vinícola chegaram ao mercado. O negócio naufragou e a propriedade foi a leilão. Em 2009, quase foi arrematada pelo empresário Marcelo Faria de Lima, principal acionista da Metalfrio e do grupo de moda Veste, mas ele perdeu o leilão para o banco BNP. Ainda assim, a vinícola continuou parada. Em 2011, Lima e o sócio Tony Smith conseguiram, enfim, comprar a propriedade do banco. Sob a nova gestão, os vinhos começaram a ser novamente produzidos em 2012, após um extenso trabalho de recuperação dos vinhedos, muitos deles prejudicados pela falta de cuidados. Durante todo esse tempo, o enólogo Rui Cunha participou de cada etapa do processo. Entrou na Covela em 1991, como estagiário, e hoje é o principal responsável pelos vinhos. “Eu tento apenas não estragar as uvas que o Miguel Soares, nosso técnico agrícola, me entrega”, diz Cunha.

Quando ele começou, ainda nos anos 1990, as técnicas agrícolas eram outras. “Naquela época, o agricultor que tivesse um vinhedo com ervas era considerado preguiçoso ou falido, porque não tinha recursos para tratar bem as suas plantas”, afirma Cunha. O antigo proprietário, no entanto, tinha a cabeça aberta e começou a implantar um sistema de agricultura biológica, que começava a ganhar tração na Europa. Foi assim que Miguel Soares entrou na equipe, há sete anos.

Atualmente, ele trabalha em tempo integral na Covela. “Se queremos deixar a quinta para nossos filhos e netos, temos que cuidar dela”, diz Soares. “Olhamos para a vinícola como um ecossistema e entendemos o que pode ser feito para melhorá-lo.” Isso inclui cobertura do solo, uso de produtos biológicos de acordo com a necessidade exata das plantas e de equipamentos dotados de recursos tecnológicos, e cuidando para que a biodiversidade ao redor também esteja saudável. “Agora, posso dizer que a Covela está viva”, afirma Cunha. “Não se vê um pedacinho de terra descoberto. Há cores, pássaros, abelhas, insetos. É um orgulho para quem lá trabalha.”

A boa saúde da vinha faz com que as uvas sejam saudáveis, repletas de compostos fenólicos que dão a sensação de texturas, aromas e sabores associados à boa complexidade do vinho. “Percebemos que a mesma uva plantada em diferentes parcelas tem perfis distintos”, diz Cunha. “Com esse trabalho que fazemos, as diferenças são cada vez maiores.” Agora, o enólogo vem fazendo alguns testes específicos com o objetivo de, no futuro, lançar rótulos de parcelas únicas, que revelam as particularidades do terroir de forma ainda mais precisa.

Apesar dos avanços da agricultura regenerativa nos últimos anos, há desafios pela frente. Muitas vezes, o mercado se empolga com uma nova prática, com uma inovação ou com um discurso que promete revolucionar a agricultura e salvar o planeta das mudanças climáticas. Investimentos são direcionados para aquela área e muito se fala no tema. Em pouco tempo, contudo, a moda passa e muito esforço é desperdiçado. “Para o termo não cair em descrédito, temos que mostrar o resultado com exemplos concretos”, diz Carolina Graça, da Bayer. “Precisamos mostrar com clareza o aumento da saúde do solo, do bem-estar, de todos os parâmetros. Só assim provaremos que não são palavras sem sustentação.”

O Brasil tem tradição em boas práticas agrícolas. Algumas fazem parte do repertório dos produtores há bastante tempo, como o plantio direto, a cobertura de solo e a rotação das culturas. Mas é possível ir além e aprimorar o que já é feito. Se um produtor adota a rotação, dá para ampliar a diversidade de culturas. Se não faz ainda, pode introduzir o manejo. A grande vantagem é que essas mudanças levam a um desempenho econômico melhor. Não se trata apenas de algo para divulgar no relatório de sustentabilidade – as medidas trazem resultados financeiros concretos.

Além disso, muitas empresas adotaram compromissos de net zero, ou seja, buscam zerar suas emissões de poluentes. A agricultura regenerativa, ressalve-se, é o caminho não apenas para alcançar as metas, mas ir além. Ela devolve a saúde do meio ambiente, mas sem deixar a produtividade de lado. No final de 2022, o Fórum Econômico Mundial apontava para o potencial da agricultura regenerativa reverter alguns dos desafios associados ao agronegócio, como o desmatamento e as emissões causadoras do aquecimento global. Desde então, o valor desse conjunto de técnicas só cresceu. A boa notícia é que o Brasil está preparado para liderar essa mudança.

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