A trilha sonora da revolução sertaneja

Clássico da música caipira moderna, o álbum Cowboy do Asfalto, de Chitãozinho & Xororó, completa 35 anos como marco da fusão entre o som rural brasileiro e o country americano
Edição: 48
1 de julho de 2025

Por André Sollitto

Se a canção Evidências é, para muitos, o verdadeiro hino não oficial do Brasil, então há motivos de sobra para celebrar um marco da música nacional. Escrita por José Augusto e Paulo Sérgio Valle e eternizada na voz de Chitãozinho & Xororó, a canção integra o álbum Cowboy do Asfalto, lançado em 1990. O disco chegou às lojas em plena efervescência do sertanejo e em um momento decisivo de transição no País, com o Brasil se urbanizando rapidamente. A obra foi pioneira ao dar protagonismo à sonoridade do interior e, ao mesmo tempo, incorporar referências do country americano – uma fusão que, à época, causou estranhamento e atraiu críticas. Ainda assim, conquistou o público, vendeu milhões de cópias e, 35 anos depois, consolidou-se como um clássico incontestável da música sertaneja.

Quando lançaram o LP Cowboy do Asfalto, Chitãozinho & Xororó já acumulavam uma longa trajetória na música. A dupla começou a cantar ainda na infância e gravou o primeiro disco em 1970, quando Xororó tinha apenas 13 anos e Chitãozinho, 16. O sucesso em grande escala viria na década de 1980, com a explosão de Fio de Cabelo, em 1982. A música se tornou um fenômeno nacional, dominando as rádios e ultrapassando 1,5 milhão de cópias vendidas. Com ela, a dupla não apenas consolidou sua carreira como também abriu as portas da televisão para o sertanejo, passando a frequentar os principais programas da época e ajudando a popularizar o gênero em todo o País.

Cowboy do Asfalto, 15º LP da carreira de Chitãozinho & Xororó, marcou uma importante guinada na trajetória da dupla. Recém-saídos da gravadora Copacabana, com a qual trabalhavam desde o início, os irmãos assinaram com a multinacional Polygram, em busca de novos ares e maior visibilidade. O disco simboliza essa transição com um repertório cuidadoso, que vai de clássicos como Gente Humilde, de Chico Buarque, a composições populares como Meus Direitos, de Roberta Miranda, além dos hits Evidências e Nuvem de Lágrimas. A sonoridade também ganhou reforço de músicos talentosos, como o guitarrista Faiska, responsável pelo marcante solo de Evidências.

O disco marcou um momento fundamental da conexão entre a música sertaneja e o country americano. Em meados dos anos 1980, a dupla viajou a Nashville e se encantou não apenas pela sonoridade dos artistas de lá, mas também pelo visual. Xororó trouxe na bagagem um banjo de segunda mão, que mais tarde seria usado na canção Ela Chora Chora, de 1985. “Ficamos muito interessados na maneira deles se vestirem ­– as roupas franjadas, as calças rasgadas e apertadas, uma mistura de rock com country”, disse Xororó em entrevista à Folha de S.Paulo.

Muitos arranjos são influenciados pela música country americana, principalmente pelas guitarras. Há bastante espaço para o sertanejo mais tradicional, com uso de instrumentos como a viola e a sanfona, mas é inegável que a sonoridade é moderna, de inspiração internacional, e com pegada urbana. Essa tendência ganharia ainda mais força em trabalhos posteriores da dupla. É o caso do disco Na Aba do Meu Chapéu, de 1998, gravado em Nashville, capital do country americano, no lendário estúdio Ocean Way. O trabalho está repleto de versões em português para Crying, de Roy Orbison; Not That Different, de Collin Raye; e principalmente Achy Breaky Heart, de Billy Ray Cyrus, com quem tocariam mais tarde.

O visual de Cowboy do Asfalto também ajudou a consolidar a nova fase da dupla, totalmente inspirado no universo dos cowboys americanos. Botas de cano alto, grandes fivelas, chapéus e, sobretudo, jaquetas adornadas com franjas se tornaram elementos marcantes do figurino. Foi nessa época que Chitãozinho passou a usar o chapéu que se transformaria em sua marca registrada. O corte de cabelo também refletia a influência estrangeira: inspirado nos mullets de astros como Rod Stewart, o estilo seria adotado mais tarde por ícones do country como Billy Ray Cyrus, Alan Jackson e Tim McGraw – e, no Brasil, por diversas outras duplas da época. Fotos promocionais de artistas como Zezé Di Camargo, Gian & Giovani e até Daniel mostram a tendência. “Nos anos 1980 e 1990, Chitãozinho & Xororó foram a vanguarda da modernidade sertaneja, com roupas e cabelos entre obrega e o importado”, observa o historiador Gustavo Alonso no livro Cowboys do Asfalto – Música Sertaneja e Modernização Brasileira.

Chitãozinho e Xororó chegaram a tocar com o americano Billy Cyrus, fenômeno mundial da música country

O LP teve papel importante também em retratar, assim como alguns outros trabalhos do mesmo período, a urbanização do país. A mescla de referências do sertanejo tradicional com elementos modernos, urbanos e internacionais é um reflexo de uma das mais profundas transformações na sociedade: o êxodo rural. Somente entre 1970 e 1980, 12 milhões de pessoas deixaram o campo rumo às cidades, o equivalente a 30% de toda a população rural brasileira em 1970. O sertanejo tornou-se a trilha sonora desse movimento.

O lançamento de Cowboy do Asfalto causou estranhamento entre os críticos da época. No Jornal do Brasil, o jornalista Tárik de Souza avaliou o disco com apenas uma estrela, classificando-o como um “sertanejo de aspirações urbanas recheado de pop e baladas românticas”. Para ele, Chitãozinho & Xororó simbolizavam o “joio” da música do interior, sobretudo quando comparados a nomes como Pena Branca & Xavantinho, que naquele mesmo ano lançaram Cantadô de Mundo Afora, um LP de sonoridade mais tradicional e alinhada à raiz da música caipira.

O jornalista e folclorista José Hamilton Ribeiro, autor do livro Música Caipira – As 270 Maiores Modas, foi um dos mais severos críticos da influência country sobre o sertanejo. Para ele, a estética do “caubói de rodeio” representou um golpe profundo na autenticidade da música de raiz. “A influência americana, no contexto do ‘caubói de rodeio’, acabou sendo o dardo mais envenenado a atingir a música de origem rural”, escreveu. Segundo Ribeiro, as festas de peão – com figurinos temáticos, expressões importadas e trejeitos copiados dos shows e rodeios americanos – passaram a ditar tanto o marketing quanto as direções artísticas do que hoje se convencionou chamar de “jovens sertanejos”. “Tudo copiado, tudo de segunda mão, tudo colonizado. Mas é o que vende, o que faz sucesso”, disse o jornalista.

Apesar das críticas iniciais, Cowboy do Asfalto foi um sucesso de vendas. Logo após sair da prensagem, o disco já contabilizava mais de 1 milhão de cópias encomendadas. Com o lançamento em CD, conquistou disco de platina pelas mais de 250 mil unidades comercializadas. Ao longo do tempo, consolidou-se como um marco na trajetória de Chitãozinho & Xororó, ganhando reconhecimento até fora do universo sertanejo. João Gordo, vocalista da banda punk Ratos de Porão, já declarou publicamente ser fã do álbum. Muitas das faixas, como Evidências e Nuvem de Lágrimas, continuam presentes no repertório da dupla até hoje, atravessando gerações.

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