A escalada do Tocantins

Estado mais jovem do Brasil vem se colocando também entre os mais destacados do agronegócio brasileiro
Edição: 45
6 de março de 2025

Por Romualdo Venâncio

Há 36 anos, o Tocantins deixou para trás a referência geográfica de “nortão” de Goiás para se tornar, oficialmente, a 27ª Unidade Federativa do País. O mais jovem dos estados brasileiros nasceu grande e vem se agigantando no agronegócio: tem tradição na produção de gado de corte, é o principal produtor de grãos da Região Norte e está entre os dez maiores no ranking nacional. Além disso, avançou nos segmentos de biocombustíveis e piscicultura. Como em toda nova fronteira agrícola, o equilíbrio entre produção e preservação é pauta permanente, ainda mais tendo 9% de seu território dentro do bioma Amazônia e 91% no Cerrado.

A 24ª edição da Feira de Tecnologia Agropecuária do Tocantins (Agrotins), realizada entre 14 e 18 de maio, na capital Palmas, é um termômetro desse crescimento. O evento, que teve a bioeconomia como tema principal, registrou R$ 4,24 bilhões em movimentação financeira, um aumento de 44% sobre o montante do ano anterior, contou com 1.096 expositores e recebeu 232 mil visitantes. Os números refletem, afinal, a expansão e a valorização da produção agropecuária local.

Tal condição já havia sido exposta com a criação, em 2015, do Matopiba, região composta por Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia (o nome é um acrônimo formado pelas primeiras siglas de cada estado). Ao todo, a área soma 337 municípios em 31 microrregiões geográficas e cerca de 73 milhões de hectares.

O avanço não ocorreu por acaso. De maneira geral, o Matopiba oferece condições favoráveis para a agricultura, sobretudo topografia plana e terras com baixo custo, o que atraiu produtores de diversos pontos do País. Em especial, da Região Sul, onde as possibilidades de expansão territorial já eram limitadas. Essa migração ajudou Tocantins a entrar firme na rota do desenvolvimento agropecuário. E acelerar.

A produção de grãos é um dos destaques nas estatísticas sobre o meio rural. Segundo a estimativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), divulgada em setembro deste ano, na safra 2023/24, os agricultores tocantinenses devem colher 7,69 milhões de toneladas, cultivadas em 2,2 mil hectares. Esse volume representa 27,3% da estimativa total da Região Norte e um aumento de 1% sobre as 7,61 milhões de toneladas do período anterior.

O principal item da estatística é a soja, que será responsável por 59,5% da produção de grãos, com 4,57 milhões de toneladas. Embora os dados da Conab indiquem uma queda de 4,9%, na comparação com a safra 2022/23, o otimismo prevalece. “Tocantins já figura há algum tempo entre os principais produtores de grãos”, diz Thadeu Teixeira, engenheiro agrônomo da Secretaria de Agricultura e Pecuária do Estado (Seagro-TO). “Somos o nono maior produtor nacional de soja, que é nosso principal ativo, e em breve deveremos passar a Bahia.”

A motivação para a confiança do agrônomo vem especialmente pela disponibilidade de espaço para as lavouras. “Temos área para avançar, já os produtores baianos não têm muito”, afirma Teixeira. De qualquer forma, é uma posição bastante otimista. Para empatar com a produção baiana de soja, estimada em 7,48 milhões de toneladas para 2023/24, a colheita em Tocantins terá de crescer 63%.

O milho de segunda safra vem logo após a soja entre os principais grãos. E também sofreu por causa das condições climáticas. Diferentemente da oleaginosa, plantada quando a água é mais abundante, o milho é semeado em fevereiro, após a colheita da soja, e seu ciclo vai até junho. Apesar do impacto da combinação de altas temperaturas e tempo seco, a estimativa é de uma safra maior. Conforme os dados da Conab, a temporada 2023/24 deverá somar 2,10 milhões de toneladas de milho em Tocantins, 2,8% a mais do que no período anterior, com 2,05 milhões. Já a área plantada terá 395,2 mil hectares em 2023/24, uma redução de 8,3% em relação aos 440,8 mil hectares da temporada passada, evidenciando os ganhos em produtividade.

Entre os estímulos à produção do grão está o mercado de biocombustíveis. “Duas usinas de etanol de milho estão sendo finalizadas no estado, e uma terceira foi anunciada durante o 34º Congresso Nacional de Milho e Sorgo”, afirma Teixeira. O segmento está em alta. Em 2023, a produção nacional de etanol de milho chegou a 4,4 bilhões de litros, o equivalente a 14,2% da fabricação total do biocombustível. A perspectiva é de que, já no próximo ciclo, essa participação chegue a 20%, com produção acima de 6 bilhões de litros.

Outros dois grãos vêm chamando a atenção na agricultura tocantinense. Um deles é o arroz. “Somos o terceiro maior produtor do grão no País, e podemos crescer muito”, diz a chefe-geral da Embrapa Pesca e Aquicultura, Danielle de Bem Luiz. Apesar do nome, a unidade de pesquisa instalada em Tocantins desenvolve estudos em diversos campos. “Há três tipos de unidades na Embrapa, temáticas, ecorregionais e de produtos. Somos a única com as classificações ecorregional e de produto.”

A expectativa de Danielle quanto à safra de arroz é compartilhada por Teixeira: “Em 2024, teremos um crescimento muito grande, principalmente por causa das condições da La Niña”. O fenômeno tende a provocar mais chuvas, favorecendo o cultivo do grão, feito em condições de várzea. “Devemos ter 40 mil hectares a mais da cultura”, diz o engenheiro agrônomo.

A estimativa do especialista da Seagro bate com a da Conab, que aponta crescimento de área de 88,1 mil hectares (2022/23) para 131,1 mil hectares (2023/24), ou seja, acréscimo de 43 mil hectares. Em termos de produção, o avanço é de 41,3%, passando de 532,5 mil toneladas para 752,6 mil toneladas, na mesma comparação. Esse volume só fica abaixo da estimativa do Rio Grande do Sul (7,16 milhões de toneladas) e de Santa Catarina (1,14 milhão de toneladas).

Parte do desempenho vem pelo melhoramento genético, que garante a disponibilidade de variedades mais adequadas às condições locais. Segundo Teixeira, durante muito tempo, as opções eram as mesmas plantadas no Rio Grande do Sul. “A Embrapa Arroz e Feijão desenvolveu variedades adaptadas à nossa região”, diz. Esse material também é testado pela Embrapa Pesca e Aquicultura, reforçando a validação, assim como ocorre com diversos outros produtos. É o caso do gergelim, a promissora novidade na agricultura tocantinense.

Nos últimos três anos, o grão se destacou como opção para a safrinha. “Diferentemente de outros produtos, não é uma commodity, pois já é cultivado com demanda certa, em especial do mercado externo”, afirma o pesquisador da Embrapa Pesca e Aquicultura, Alexandre Uhlmann. Ele lembra que o gergelim ainda tem a vantagem de ser cultivado em uma janela diferente do milho – portanto, fica menos suscetível à seca.

A produção de gergelim em Tocantins na safra 2023/24 poderá mais do que dobrar em relação à temporada anterior. Ao menos é o que indica a estimativa da Conab, que prevê um salto de 23 mil toneladas para praticamente 50 mil toneladas. A área plantada vai aumentar de 51,6 mil hectares para 87,8 mil hectares. A produtividade ainda é um desafio, segundo o agrônomo da Seagro, pois não chega aos 600 quilos por hectare.

A multiplicação dos grãos em Tocantins tem sido um grande atrativo para a entrada e a ampliação de novos investimentos no setor. Um dos exemplos é a Agronorte, grupo multiempresarial com atuação também no Maranhão e que em 2025 completará 40 anos. Definido por seus proprietários como “ecossistema de negócios”, o grupo abrange oito segmentos – revenda de produtos agropecuários, armazenagem e trade de grãos (mercado interno e exportação), logística, fazendas de pecuária (cria e recria), fabricação de rações, piscicultura, posto de combustível e loja de conveniência. Com crescimento anual entre 20 e 25% e faturamento de R$ 820 milhões em 2023, a expectativa é de chegar a R$ 1 bilhão ainda este ano. “Está puxado, mas se não alcançarmos agora, com certeza conseguiremos em 2025”, afirma o fundador da companhia, Gilmar Carvalho.

Natural de Campinorte (GO), o empresário chegou a Tocantins em janeiro de 1985, após ter passado também pelo Maranhão. Seu primeiro passo nessa jornada foi uma revenda agropecuária em Tocantinópolis. Ali, o empresário percebeu que a demanda dos agricultores ia muito além dos insumos que fornecia. “O pessoal comprava semente comigo, mas depois não tinha para quem vender os grãos”, diz. Surgiu, então, o serviço de trade. “A partir de 1992, entramos com mais força nessa área, buscando grãos em todo o País, principalmente no Paraná”, afirma Carvalho. Segundo ele, não havia milho safrinha na época, e as safras de verão eram intercaladas entre soja e milho. Atualmente, a Agronorte movimenta até 40 mil toneladas de grãos por mês como trade. Em Tocantins, a empresa tem a matriz cerealista, a logística de grãos (com 150 caminhões), um armazém e uma fábrica de rações.

Durante a Agrotins 2024, Carvalho anunciou o investimento de R$ 135 milhões em mais duas estruturas no estado – um armazém em Bom Jesus e uma nova fábrica de rações em Gurupi –, além de um armazém em Açailândia, no Maranhão. Devido a incertezas em relação à disponibilidade do terreno, pode ser que a fábrica de rações não seja instalada exatamente em Gurupi, mas de qualquer forma ficará nos arredores.

A indústria começará a ser estruturada no segundo semestre do ano que vem e deverá entrar em operação em 2026, também na segunda metade do ano. A produção inicial será de 100 mil toneladas por ano, e poderá chegar a 250 mil toneladas. “Escolhemos essa região mais ao sul do estado em função do aumento da produção de peixe em tanques-rede”, afirma Carvalho. “Dentro de três anos, deveremos ter 30 vezes mais peixes do que hoje em dia.”

De acordo com a chefe-geral da Embrapa Pesca e Aquicultura, Tocantins tem potencial hídrico para produzir cerca de 290 mil toneladas de peixe por ano. O estado, registre-se, é favorecido pelas condições climáticas, principalmente a temperatura mais elevada, pois os peixes deixam de se alimentar com o frio. “Se considerarmos um valor médio aproximado de R$ 8,50 o quilo do pescado, poderemos chegar a um faturamento superior a R$ 2,4 bilhões”, diz Danielle.

Apesar do cenário promissor, Tocantins ainda está na 18ª posição da produção nacional de pescados, com 17,5 mil toneladas. A liderança é do Paraná, que produz 213 mil toneladas, segundo o Anuário da PeixeBR, a Associação Brasileira da Piscicultura. Para o presidente da entidade, Francisco Medeiros, as oportunidades de crescimento são reais, ainda mais com a expansão do cultivo de tilápia somando-se à produção dos peixes nativos, como o tambaqui e o pirarucu. O dirigente chama a atenção para os desafios que ainda precisam ser superados.

Segundo Medeiros, mesmo com a criação da Secretaria de Pesca e Aquicultura, em abril de 2023, o que foi um grande passo para o estado, é preciso mais atenção com as questões de licenciamento ambiental e para os pequenos produtores. “A parte empresarial está caminhando em uma velocidade compatível com o setor”, afirma.

É o caso da Tilatins, empresa pioneira em Tocantins na produção de tilápias. Fundada em outubro de 2021, a companha iniciou suas atividades no município de Lageado, no reservatório da Usina Hidrelétrica Luis Eduardo Magalhães, no Rio Tocantins, com produção de 20 mil toneladas por mês. O volume já dobrou e a expectativa é de chegar às 100 mil toneladas no médio prazo.

Para um dos sócios, João Labre, o grande desafio para o crescimento é o crédito. “É o mais difícil, pois a área onde produzimos não serve como garantia”, diz. Por isso, o empresário também busca investidores parceiros. Sem citar investimentos, Labre antecipa que está nos planos da empresa construir um frigorífico: “Já estamos desenhando o projeto. Se processarmos mil quilos de peixe por dia, atenderemos a nossa produção e a dos clientes”.

       Um desafio do agronegócio tocantinense como um todo é a cobrança em relação à preservação ambiental. O status de fronteira agrícola atrai olhares do mundo, que monitora e cobra equilíbrio entre produção e proteção. Um levantamento da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh) mostrou que, considerando os biomas Cerrado e Amazônia, houve redução de 18,29% no desmatamento em julho, comparado ao mesmo mês de 2023. A área desmatada caiu de 135,59 km2 para 110,79 km2.

       No entanto, dados do MapBiomas mostram que, no ano passado, o desmatamento no Tocantins atingiu 230.253 hectares, o que representa um aumento inadmissível de 177,9% em relação a 2022, quando foram desmatados 82.853 hectares. Esse crescimento levou o estado da nona para a terceira posição no ranking dos que têm maior incidência de área desmatada. Seja frente aos consumidores nacionais ou diante dos importadores de produtos agrícolas e derivados, a atenção será cada vez maior sobre a sustentabilidade, e a preservação ambiental está no centro dessa questão.

Rica lavoura

As principais culturas agrícolas do estado (números relativos à safra 2023/24)

                                    Área        Produção

                            (mil hectares)          (mil toneladas)

Soja                         1.456,7            4.575,5

Milho                         395,2            2.180,4

Arroz                         131,1               752,6

Algodão – Caroço      8,5*                 20,7

Algodão – Pluma        8,5*                 13,8

Gergelim                     87,8                 49,9

*A área é igual porque os dois itens se referem à mesma colheita

Fonte: Conab

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