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A escalada do biocontrole

Crescimento expressivo do mercado brasileiro de defensivos biológicos reflete mudanças significativas em toda a cadeia de produção agrícola, especialmente as que ainda estão por vir
Edição: 43
12 de fevereiro de 2025

Por Romualdo Venâncio

O uso de insumos biológicos tem disparado na agricultura brasileira. No período entre 2018 e 2022, esse mercado avançou 62%, segundo pesquisa realizada pela parceria entre a CropLife Brasil e a consultoria S&P Global. Na safra 2021/22, o setor foi estimado em R$ 3,3 bilhões, e a projeção do estudo é de que há potencial para se chegar a R$ 17 bilhões em 2030, em decorrência do crescimento de 23% no ano passado e no anterior. Entre as principais razões para a expansão estão o menor custo, tanto de desenvolvimento quanto de aquisição de soluções, a facilidade de aplicação dos produtos, a preocupação da sociedade com uma produção agrícola mais sustentável e a contribuição para evitar o surgimento da temida resistência aos defensivos por parte de pragas e patógenos das doenças.

Essa é a opinião do pesquisador da Embrapa Meio Ambiente Vagner Bettiol, especialista em fitopatologia e que trabalha com controle biológico desde o final dos anos 1970. Recentemente, Bettiol apresentou novos dados sobre o crescimento do setor de biopesticidas. Durante o simpósio “Trichoderma: o mais importante agente de controle biológico de doenças de plantas”, realizado em fevereiro, na Embrapa Meio Ambiente, Bettiol informou que, nos últimos cinco anos, esse mercado teve crescimento anual de 45%, enquanto os defensivos químicos avançaram 6%. “Apenas na cultura da soja, a área tratada por controle biológico no Brasil saltou de 12 milhões de hectares, em 2020, para 20 milhões em 2023”, afirmou. “Projeções indicam que, em 2028, o mercado mundial de biopesticidas será de US$ 27,9 bilhões.”

O boom dos biopesticidas vem sendo pavimentado há algumas décadas. O artigo “Como o Brasil se tornou o maior produtor e consumidor de produtos de biocontrole”, assinado por Bettiol e pelo pesquisador da Universidade Federal de Lavras Ufla), Flávio Medeiros, relata que, nos anos 1960, foi utilizado o fungo Metarhizium anisopliae para controlar a cigarrinha na cana-de-açúcar, assim como se promoveu o manejo sanitário da doença tristeza dos citros utilizando-se estirpes mais fracas de seu próprio patógeno (Citrus tristeza virus). Desde então, a expansão do mercado de biopesticidas vem sendo favorecida por fatores como a crescente cobrança pautada por sustentabilidade, que motivou transformações relevantes no setor. “Nos últimos tempos houve mudanças nos processos de registro, inclusive criando estímulos com redução de taxas para produtos biológicos”, disse Bettiol. E esse ambiente regulatório ainda pode ser aprimorado.

Um dos desafios do setor é a aprovação de um marco regulatório dedicado aos bioinsumos, segundo avaliação do diretor de Assuntos Regulatórios e Científicos da Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI), Marcos Pupin. “Os biopesticidas são regulamentados pela legislação dos agrotóxicos e por instruções normativas, atendendo aos requisitos do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)”, diz Pupin.

O executivo destaca ainda a importância do lançamento, em 2020, do Programa Nacional de Bioinsumos. “Naquele ano, o número de registros de produtos biológicos no Brasil cresceu 121% em relação a 2019”, afirmou. O avanço mostra como um ambiente regulatório atualizado, que acompanhe os passos do setor em questão, pode ser positivo. “Ainda há previsões na legislação que conferem a possibilidade de registro simplificado para produtos biológicos já aprovados para uso na agricultura orgânica como especificação de referência, acrescenta Pupin.

A movimentação em torno dos biopesticidas se mede em cifras. A demanda pelos insumos biológicos vem acompanhada pelo maior interesse das empresas em atendê-la e, claro, aproveitar o momento favorável. Essa condição aparece claramente no levantamento da assessoria Hand, especializada em fusões e aquisições, que revelou ao menos 80 empresas de defensivos biológicos e nutrição vegetal com potencial para negociação no Brasil.

Para chegar a essa lista, a Hand faz uma triagem nos cerca de 23 milhões de CNPJs ativos no País, selecionando aqueles que fazem parte do setor de insumos biológicos. A partir daí, avalia-se condições de fabricação, características como faturamento anual (entre R$ 10 milhões e R$ 300 milhões) e se já não passaram por esse tipo de operação. É para entender esse cenário que investidores, inclusive estrangeiros, se aproximam da assessoria. “Eles querem compreender o que estamos enxergando”, diz José Venâncio, sócio da área de M&A (Mergers and Acquisitions) da Hand. Para descrever o que ocorre como mercado de biopesticidas, o executivo faz um comparativo com o setor de revendas agropecuárias. “Em 2017, as grandes empresas representavam 17% do segmento e, em 2020, já estavam em 40%.”

A profissionalização do setor atrai a entrada de novos players, tornando-o mais competitivo. No ano passado, a companhia brasileira Biotrop ganhou novos donos. O grupo belga Biobest investiu R$ 2,8 bilhões na empresa, uma das apostas mais expressivas do setor. “A expectativa é estar entre as dez maiores companhias de biológicos do mundo”, afirmou o cofundador e diretor de Inovação, Estratégia e Expansão da empresa, Jonas Hipólito. “E, dentro de cinco anos, teremos uma produção quatro vezes maior do que os 12 milhões de litros alcançados no ano passado.” A infraestrutura já está pronta para a expansão, com três unidades industriais – duas em Curitiba (PR) e uma em Jaguariúna (SP).

As perspectivas também são favoráveis para a Koppert Brasil. Em 2020, o faturamento de sua unidade de biológicos foi de R$ 160 milhões e, naquele ano, a projeção era chegar a R$ 1 bilhão em cinco anos. “Já estamos próximos desse número”, diz Gustavo Herrmann, diretor da Koppert Brasil. “No ano que vem, deveremos ultrapassá-lo.” O market share da empresa foi de 19% na safra 2022/23 e a expectativa é passar de 20% no fechamento do ciclo 2023/24.

Com o avanço dos biopesticidas, é natural que surjam questionamentos sobre como ficam os defensivos químicos. Até por se tratar de um novo momento, é comum haver diferentes opiniões, mas parece sobressair a ideia de que aproveitar o melhor de ambos é a ideia mais coerente. Para o diretor da Biotrop, os químicos não deixarão de ser utilizados, mas os biológicos serão majoritários. “Muita gente fala que o biológico será um acessório do convencional, e há quem diga que haverá lavouras controladas só pelos biopesticidas. O que buscamos é 51% de biológicos”, disse Hipólito, lembrando que ainda há um espaço enorme a ser ocupado.

Uma confirmação de que o mercado caminha em direção ao manejo integrado de defensivos convencionais e biológicos é a elevação das apostas de gigantes de agroquímicos em ambos os setores. A Basf iniciou o desenvolvimento de estudos nessa área entre 2008 e 2009, na Alemanha. Em 2010, começou a apresentar alguns produtos. As intenções de avançar no segmento ficaram mais claras com a aquisição, em 2012, da americana Becker Underwood, empresa que, à época, já tinha dez unidades espalhadas pelo mundo. O investimento de US$ 1,02 bilhão permitiu ampliar o portfólio para biofungicidas e bioinseticidas.

Na América Latina, a Basf injetou 2,5 milhões de euros nos últimos três anos em sua fábrica de Santo Tomé, na Argentina, o que permitiu ampliar em 30% a produção de inoculantes e biológicos. Esta é a única planta da empresa na região que faz formulação de produtos biológicos. “No ano passado, anunciamos investimentos na Alemanha para ampliar a eficiência de fabricação de biológicos, atendendo as próprias necessidades e até de outras empresas”, afirma o vice-presidente de Marketing da Divisão de Soluções para Agricultura na América Latina da Basf, Ademar De Geroni Junior.

O aporte financeiro, comunicado pela empresa no final de outubro, não está restrito à divisão agro, mas engloba a construção de uma fábrica de fermentação para produtos de proteção de cultivos. A unidade deve entrar em funcionamento no segundo semestre de 2025, na cidade de Ludwigshafen, e incluirá o segmento de fungicidas e produtos biológicos para tratamento de sementes. De Geroni está na Basf desde o início dos anos 2000 e tem acompanhado todo o processo de imersão e evolução da empresa no setor de biológicos.

A sinergia entre os negócios também é estratégica para a Syngenta, que criou, no ano passado, uma divisão exclusiva para biológicos, a Syngenta Biologicals. “Continuaremos fortes em proteção de cultivos com agroquímicos e seremos fortes em biológicos”, diz Igor Lyra, líder de Biológicos da Syngenta.”  A empresa não revela investimentos, mas Lyra afirma que a Biologicals já nasceu globalmente robusta, com importantes parcerias e aquisições, seis estruturas e 1.100 colaboradores. Passo importante para chegar a esse ponto foi a aquisição, em 2020, da Valagro, empresa italiana líder em bioestimulante, que já contava com 40 anos de atuação no setor.

Agora, a Syngenta se dedica a ampliar o portfólio também de biocontroles, meta que demanda aumento da base de micro-organismos, com mais bacilos, bactérias, fungos e vírus. Para se manter em evidência em termos de inovação, a companhia tem lançamentos já prontos para os agricultores. “Vamos apresentar um biofungicida para cana-de-açúcar e um bioinseticida para cigarrinha-do-milho, além da tecnologia UHC, que é diferente de tudo o que já está no mercado”, diz Lyra. Trata-se do primeiro inoculante líquido de longa vida para o pré-tratamento de sementes da soja do mercado brasileiro.

O espaço para avançar na área comercial do segmento de biopesticidas tem relação direta com a evolução também no campo da ciência. Prova disso é que a cadeia como um todo ainda tem grandes desafios, como a ausência de herbicidas biológicos. Pelo ritmo e pelo apetite de empresas públicas e privadas em multiplicar as soluções para o agro, o tempo de resposta para essas demandas deverá ser cada vez menor. 

A ciência computacional e os biopesticidas

Como as novas tecnologias deverão impulsionar o setor

A tese de doutorado do pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), Eduardo Corrêa, sobre a criação de uma metodologia computacional que define a ação de compostos e extratos naturais em alvos moleculares da mosca-varejeira, esteve entre os 100 textos mais acessados da área de química da revista Scientific Reports, do grupo Nature, em 2023. O diferencial da pesquisa foi criar uma diversidade de informações que garante maior precisão na aplicação de uma solução biológica para combater o inseto, mostrando inclusive em qual fase do desenvolvimento da praga esses compostos agem. O principal teste foi feito com óleos essenciais do alecrim-do-campo.

Com o apoio da bioinformática, criou-se um banco de dados com 651 compostos em óleos essenciais que ajudou a revelar como agem sobre a mosca. Entre outros atributos, a ferramenta chamada Docking Molecular fez a triagem dos melhores ligantes a cada proteína estudada. A tecnologia computacional garantiu velocidade e precisão no estudo, o que traria resultados ainda mais relevantes em grande escala.

Essa hipótese não deve demorar a ser testada, pois a tese de doutorado de Corrêa já abriu novos caminhos. “Aprovamos um projeto com a Fapemig (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais) para o estudo de compostos que tenham ação contra nematoides-das-galhas que atacam tomateiros e cafeeiros”, diz o pesquisador. “Temos de entregar os resultados em até quatro anos.” Ou seja: a contribuição dos protocolos computacionais para o setor de biopesticidas aumentará consideravelmente no futuro próximo.

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