Por Lucas Bresser
Apoio: Agropalma e CMPC

Em novembro, Belém do Pará será o centro do mundo – do que já existe e do que ainda pode ser. Pela primeira vez, a Amazônia sediará uma Conferência das Partes da ONU sobre mudanças climáticas, a COP30, reunindo líderes, cientistas, empresários e representantes da sociedade civil para decidir os rumos da transição climática global. Mais do que simbólica, a escolha do Brasil como anfitrião coloca no palco um país que é, ao mesmo tempo, potência agrícola e guardião da maior floresta tropical do planeta. O encontro deve girar em torno de dois eixos inseparáveis: proteger o meio ambiente, em especial a Amazônia, e repensar o papel do agronegócio no enfrentamento da crise climática.
Os desafios são urgentes. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), 2024 marcou um ponto histórico: pela primeira vez, a temperatura média global ficou mais de 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais durante um ano completo, ultrapassando o limite estabelecido pelo Acordo de Paris. O dado reforça uma tendência alarmante: os dez anos mais quentes da história ocorreram desde 2015. Até então, esse patamar havia sido alcançado apenas em períodos curtos, mas nunca de forma contínua ao longo de 12 meses. A Organização Meteorológica Mundial estima em 70% a chance de que a média dos próximos cinco anos também supere esse nível. Isso, contudo, não significa que a meta do Acordo de Paris esteja oficialmente rompida, já que a média de longo prazo segue entre 1,34 °C e 1,41 °C, a depender do método de cálculo. Mesmo assim, estudos recentes sugerem que o planeta já entrou em uma fase de duas décadas em que a temperatura global deverá permanecer de forma consistente maior do que 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais.

“Estamos nesse patamar há praticamente três anos e cada décimo de grau acima disso tem impactos em cascata no sistema climático, afetando chuvas, secas, ondas de calor e extremos em todo o planeta”, diz Marina Hirota, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e integrante do comitê científico ad hoc da COP30, que assessora os líderes da conferência. Para a especialista, a presidência brasileira terá a responsabilidade de recolocar a meta de 1,5 ºC no centro das negociações, mas com uma mudança fundamental: não basta zerar emissões líquidas, será preciso começar a remover CO? da atmosfera, em escala, usando tanto soluções tecnológicas quanto soluções baseadas na natureza.

Esse diagnóstico tem implicações diretas para o agro. Segundo os dados mais recentes do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), em 2022, o País emitiu 2,3 bilhões de toneladas brutas desses gases, uma redução de 8% em relação a 2021. Apesar da queda, o valor ainda representa a terceira maior emissão anual desde 2005, ficando atrás apenas de 2019 e 2021. As mudanças no uso da terra, principalmente o desmatamento, foram responsáveis por 48% das emissões, seguidas pela agropecuária, com 27% do total. Ao mesmo tempo, o Brasil possui um dos setores agrícolas mais eficientes do mundo, que alimenta 10% da população global e representará quase 30% do PIB nacional em 2025, segundo estimativas do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Esalq/USP (Cepea). A equação que se apresenta é clara: o futuro climático e o futuro do agronegócio caminham juntos.
Um exemplo dessa interseção entre desenvolvimento socioeconômico e sustentabilidade vem do Pará, onde a Agropalma, maior produtora de óleo de palma sustentável das Américas, conduz o programa Somar de responsabilidade socioambiental. A iniciativa já impactou mais de 10 mil pessoas em 34 comunidades locais, combinando geração de renda, capacitação profissional, empoderamento feminino, infraestrutura, educação ambiental e saúde. A proposta é ambiciosa: garantir que a floresta permaneça em pé ao mesmo tempo que se criam oportunidades concretas para populações vulneráveis. Para a empresa, cada família atendida e cada jovem engajado representam não apenas estatísticas, mas histórias reais de transformação, em linha com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e com a agenda da COP30.
Para Gustavo Castoldi, diretor da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) do Instituto Federal Goiano (IFG), o Brasil está diante da oportunidade de se apresentar como líder global em descarbonização, aproveitando vantagens naturais e tecnológicas. “O principal desafio do Brasil é consolidar-se como um dos países que mais podem contribuir para a descarbonização global, graças a sua diversidade, abundância de recursos naturais e agricultura eficiente”, afirma. “Temas como desmatamento zero, bioeconomia, transição energética e descarbonização do agro devem ser prioridade, sempre pautados na qualidade de vida das pessoas.” Mas ele alerta que não basta alinhar metas: “Será fundamental discutir um modelo integrado de desenvolvimento, que concilie proteção ambiental, prosperidade econômica e justiça social – e que envolva contribuições efetivas de todos os países”, afirma.

Nesse sentido, práticas como Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), plantio direto, recuperação de pastagens degradadas e agricultura regenerativa aparecem como soluções de duplo ganho: aumentam a eficiência produtiva e sequestram carbono no solo, reduzindo a pressão sobre novos desmatamentos. “O sucesso de tais práticas resulta em maior sequestro de carbono no solo, aumenta a eficiência produtiva e reduz diretamente a pressão por novos desmatamentos”, diz Castoldi.
Um exemplo recente desse movimento é o Projeto Reflora, financiado pela CMPC em parceria com a Universidade Federal de Viçosa (UFV) e a Embrapii. A iniciativa, com investimento superior a R$ 7,5 milhões e duração prevista de três anos, visa resgatar o DNA de árvores nativas do Rio Grande do Sul atingidas pelas enchentes de 2024 e replantá-las em seus locais de origem, por meio de clones genéticos. A meta é plantar 6 mil mudas de 30 espécies diferentes em mais de 70 municípios gaúchos onde a companhia atua, incluindo Guaíba, Barra do Ribeiro, Tapes, Rio Pardo, Butiá, Eldorado do Sul e Santa Maria. A metodologia já foi aplicada em Brumadinho (MG), após o rompimento da barragem em 2019, e agora reforça a conexão entre ciência, agro e conservação.

A conferência em Belém também deve marcar o lançamento oficial do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (Tropical Forest Forever Facility – TFFF), proposto pelo governo brasileiro ainda na COP28. O objetivo é captar até US$ 125 bilhões para garantir pagamentos permanentes a países que mantêm suas florestas em pé. Diferente de mecanismos tradicionais, o TFFF pretende mobilizar 80% dos recursos junto ao mercado financeiro, criando um fluxo estável e previsível de financiamento. Se sair do papel, pode ser um divisor de águas para conectar conservação a desenvolvimento, gerando novas fontes de financiamento para projetos agrícolas de baixo carbono e cadeias produtivas sustentáveis.
Segundo Thaise Emilio, professora do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e pesquisadora do Centro de Pesquisa da Biodiversidade e Mudanças do Clima (CBioClima), o TFFF preenche uma lacuna deixada por mecanismos tradicionais, como o REDD+. “Normalmente, o REDD+ financia áreas sob alto risco de desmatamento, enquanto regiões historicamente bem preservadas acabam recebendo pouco apoio, justamente por terem baixa pressão de conversão”, diz. “O problema é que essas áreas, como muitas terras indígenas, por exemplo, mesmo sem risco imediato, são fundamentais para a estabilidade climática e para a biodiversidade.”
O fundo Florestas Tropicais para Sempre pode valorizar e proteger também esses territórios, reconhecendo sua importância para manter serviços ecossistêmicos vitais. Um exemplo é a própria Amazônia: a floresta funciona como uma “bomba de chuva”, reciclando e transportando umidade que sustenta a agricultura em regiões como o Centro-Oeste e o Sudeste. “Ou seja, conservar florestas tropicais não é apenas proteger biodiversidade: é garantir água para irrigação, estabilidade na produção agrícola e segurança energética em todo o País”, diz Thaise.

Patrícia Feliciano, líder de Sustentabilidade da consultoria Accenture na América Latina, avalia que o setor agropecuário chega à COP30 em condição de mostrar avanços e rebater estigmas. “O agronegócio brasileiro muitas vezes foi visto como vilão por operar em fronteiras agrícolas e pressionar o desmatamento, mas o setor evoluiu”, afirma. Segundo a consultora, nas últimas décadas o agro brasileiro incorporou tecnologias que permitem crescer sem abrir novas áreas. “O Código Florestal exige áreas de preservação dentro das propriedades. Práticas como plantio direto e agricultura de precisão reduzem emissões, e a rastreabilidade das cadeias ajuda a assegurar produção livre de desmatamento”, diz.
Esse último ponto deve estar no centro das discussões. O Regulamento Antidesmatamento da União Europeia (EUDR, na sigla em inglês), que passa a vigorar em dezembro de 2025, exigirá comprovação de origem para soja, carne, café, cacau, madeira e borracha importados. Isso pressiona diretamente o agro brasileiro a implementar sistemas de rastreabilidade robustos, capazes de integrar geolocalização por talhão, Cadastro Ambiental Rural (CAR), Guia de Trânsito Animal (GTA), satélites e auditorias independentes. “Quem se antecipa reduz o risco de exclusão de mercados e ganha poder de negociação. Transformar conformidade em prática de gestão é o que pode diferenciar o agro brasileiro”, diz Patrícia Feliciano.

A COP30, portanto, se apresenta também como um palco de oportunidades. Para Castoldi, da Embrapii, um resultado transformador da conferência seria garantir metas globais claras de redução de emissões combinadas com mecanismos de financiamento dos serviços ecossistêmicos. Na prática, isso poderia abrir caminho para maior acesso do agro a crédito verde, reconhecimento internacional de sistemas sustentáveis já aplicados e valorização de produtos brasileiros em mercados exigentes. Marina Hirota, da UFSC, acrescenta que o verdadeiro salto será dado se a conferência conseguir aproximar ciência, setor produtivo e governos em torno de propostas comuns. “Transformador seria sentar na mesma mesa cientistas, pessoas do agronegócio, governo e iniciativa privada, e sair não só com metas, mas com implementação em escala”, afirma a especialista.
Para o agronegócio, isso se traduz em três caminhos principais. O primeiro eixo passa pela redução das emissões diretas ligadas à atividade agropecuária e pela ampliação de práticas de baixo carbono já consolidadas no Brasil. Programas como o Plano ABC+ (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono), do Ministério da Agricultura e Pecuária, têm metas de ampliar o uso de sistemas integrados de produção, como ILPF, plantio direto e recuperação de pastagens degradadas. Essas práticas aumentam a produtividade, sequestram carbono no solo e evitam a expansão sobre novas áreas de vegetação nativa. Ao mesmo tempo, o avanço de mecanismos de mercado – como a precificação de carbono, os créditos de carbono certificados e selos de sustentabilidade – cria a possibilidade de transformar essas iniciativas em receita. Em um cenário de COP30, o desafio será mostrar ao mundo que o Brasil não só produz em larga escala, mas também com responsabilidade climática, gerando valor adicional aos seus produtos.
O segundo caminho é o posicionamento competitivo do agro brasileiro no comércio global. A União Europeia já implementa regulações como EUDR, que exige cadeias de fornecimento livres de desmatamento. Outros mercados, como Estados Unidos e Reino Unido, devem seguir linha semelhante. Para o Brasil, isso significa investir em rastreabilidade completa da produção, desde a fazenda até o consumidor final, com uso de tecnologia de satélites, blockchain e sistemas de certificação. Essa pressão pode parecer restritiva, mas também abre uma oportunidade: transformar a conformidade em diferencial competitivo. Um setor que conseguir provar transparência e sustentabilidade tende a ocupar um espaço estratégico nas negociações comerciais e a consolidar a imagem do Brasil como potência agroambiental.

Por fim, a COP30 pode acelerar um ciclo de inovação e atração de investimentos em práticas sustentáveis no agro. A bioeconomia da Amazônia é um dos pontos que devem estar em evidência, com grande potencial para gerar renda local e preservar a floresta em pé. Além disso, há avanços concretos em biometano como fonte energética renovável a partir de resíduos da agroindústria, reduzindo a dependência de combustíveis fósseis e as emissões de metano. A adoção de inteligência artificial e análise de dados geoespaciais já está transformando o monitoramento ambiental e a gestão de riscos, permitindo identificar áreas de desmatamento ilegal e otimizar o uso de insumos na lavoura. “Há espaço para inovar”, diz Patrícia Feliciano, da Accenture. “Se o setor sair na frente, ampliará o acesso a mercados e melhorará a competitividade.” A COP30, ao estabelecer compromissos internacionais e mecanismos de financiamento climático, pode canalizar recursos para escalar essas soluções, posicionando o agronegócio brasileiro como polo de inovação sustentável.
Entidades setoriais que representam o campo têm se posicionado proativamente. Em documento divulgado em agosto, a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) defendeu que os produtores nacionais sejam reconhecidos como parte da solução climática, e não apenas como emissores. A Abag enfatiza o compromisso em alinhar produtividade à preservação ambiental e ao desenvolvimento social. “Mais do que nunca, é de fundamental importância que a cadeia produtiva do agro reafirme seu papel relevante no cenário global das mudanças climáticas”, afirma o documento. Para isso, a entidade destaca três eixos: adaptação e mitigação – com práticas inovadoras como ILPF, plantio direto e recuperação de pastagens –, financiamento climático, visto como “vital para o setor”, e mercado de carbono, em que o Brasil pode se consolidar como exportador de créditos íntegros. “O agronegócio brasileiro se posiciona como protagonista com alto potencial”, resume a Abag, ao defender a construção de uma agricultura resiliente, competitiva e alinhada à agenda global de baixo carbono.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) também chega à COP30 com a mensagem de que os produtores rurais devem ser reconhecidos como agentes centrais na implementação de soluções climáticas, lembrando que é no campo que grande parte das práticas de mitigação e adaptação acontece. Em documento divulgado no dia 24 de setembro, em Brasília (DF), a CNA pede atenção especial às especificidades da agricultura tropical, destacando que os compromissos globais não podem repetir modelos pensados para realidades temperadas. A Confederação reforça que a agenda climática precisa ser acompanhada de mecanismos de financiamento acessíveis, previsíveis e adequados à realidade produtiva brasileira, permitindo que pequenos, médios e grandes produtores tenham condições de investir em tecnologias de baixo carbono, manejo sustentável e recuperação de áreas. Além disso, a entidade ressalta que a Amazônia deve ser vista não apenas sob a óptica da conservação, mas como um espaço vivo, habitado e produtivo: “A Amazônia é a casa de 30 milhões de brasileiros. É necessário reconhecer que agricultura e segurança alimentar são pilares inseparáveis da agenda climática”.
Em meio aos debates qualificados, uma sombra bem menos técnica e científica paira sobre os potenciais resultados da COP30. Em Belém, as instabilidades geopolíticas globais e os crescentes embates econômicos também mostrarão seu peso. A guerra na Ucrânia, a crise no Oriente Médio e as tensões comerciais entre Estados Unidos e China afetam diretamente cadeias globais de alimentos e energia, tornando a transição para uma economia de baixo carbono ainda mais complexa. Países exportadores de commodities, como o Brasil, passam a ocupar um papel ao mesmo tempo estratégico e delicado nesse cenário, já que precisam garantir segurança alimentar sem renunciar à agenda climática. Esse equilíbrio deverá estar presente nas negociações de Belém, com pressões tanto de países em desenvolvimento, que buscam recursos para financiar a adaptação, quanto de economias centrais, que demandam compromissos mais rígidos de redução de emissões.

No caso específico dos Estados Unidos, as incertezas sobre a condução da política ambiental podem influenciar de forma decisiva o ritmo das negociações. O país é um dos maiores emissores do mundo e desempenha papel central no financiamento climático global, mas enfrenta oscilações a cada ciclo eleitoral. Se por um lado a Lei de Redução da Inflação (IRA) consolidou investimentos bilionários em energias limpas, por outro, há o risco de retrocessos caso a agenda ambiental siga sendo deixada de lado em Washington. Um dos principais entraves envolve o Banco Mundial, responsável por estruturar o TFFF. Como os americanos concentram mais de 30% do poder de voto, as tensões diplomáticas entre Brasília e Washington podem afetar o ritmo de implementação. “O Banco Mundial é parceiro fundamental desde o início e agrega muita confiança dos investidores, mas agora é uma questão política dentro da instituição”, diz André Aquino, assessor especial do Ministério do Meio Ambiente. Para a COP30, isso significa que a diplomacia brasileira precisará navegar em um ambiente de indefinição, buscando costurar compromissos robustos mesmo diante da hesitação dos Estados Unidos, o que pode abrir espaço para o Brasil se projetar como liderança mais estável na construção de consensos.
O pano de fundo desse debate é a própria Amazônia, cuja preservação se tornou tanto uma urgência global quanto uma condição para o futuro do agro brasileiro. A floresta armazena carbono e regula chuvas que irrigam o Centro-Oeste e o Sudeste, sustentando a produção agrícola. Sem floresta, não há agro. E sem agro sustentável, não há legitimidade internacional para o Brasil liderar a agenda climática. Belém, em 2025, será mais do que sede de um evento diplomático. Será o palco onde o Brasil precisará provar, para si e para o mundo, que é capaz de alinhar produtividade, conservação e inovação. Se conseguir, abrirá um caminho em que a agricultura tropical será parte central da solução climática global.





