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A agrofloresta das Almeida Braga

24 de abril de 2023

A agrofloresta das Almeida Braga

 

Por Marco Damiani

Fazenda Palmas é tocada por herdeiras sob rígidos critérios de sustentabilidade ambiental e a missão de gerar produtividade e lucros 

Filhas de peixe, “peixinhas” são. Mesmo com a adaptação de gênero, o conhecido ditado popular recai sob medida para uma trajetória de sucesso no campo dos empreendimentos rurais sustentáveis que vai sendo construída, gota a gota, pelas irmãs Joana e Maria de Almeida Braga. Elas são destaques no, digamos assim, Conselho de Administração da Fazenda das Palmas, no interior do Rio de Janeiro. Comprada em 2012 pelo casal Luiza e Antônio Carlos Almeida Braga, o conhecido Braguinha, banqueiro e mecenas dos esportes falecido em 2021, aos 94 anos de idade, o empreendimento tem hoje objetivos bem definidos. A matriarca, é claro, preside o Conselho. 

“A gente atua para ter uma fazenda com produção absolutamente sustentável e sabemos que só vamos conseguir manter isso se gerarmos produtividade, rentabilidade e lucros”, crava a filha Maria, com a concordância tácita da irmã Joana, deixando exposta a gene familiar marcada por bons negócios e boa imagem junto ao público. 

Em seus 170 hectares na região do Vale dos Cafés, no norte fluminense, a Palmas mantém preservada uma área de Mata Atlântica Secundária de 100 hectares. A sede com seus espaços de lazer, com quadras para esportes e piscinas, é aberta para a frequência regular de crianças e jovens estudantes de escolas públicas da região. Uma ideia concretizada por Luiza, atenta à questão da sustentabilidade social. Nos negócios rurais, em lugar de carteiras de ações, apólices de seguro e títulos de valores que fizeram a fortuna de Braguinha com a sua seguradora Atlântica Boa Vista – e depois o grupo Icatu –, agora os produtos e serviços tocados pelas herdeiras são cachaça tipo exportação, café de sombra e recuperação de matas degradadas. Tal qual nos tempos idos, o sucesso já entra pela porteira. 

33 EUROS POR GARRAFA 

Com produção iniciada em 2017, a cachaça Pindorama já está próxima do breakeven, isto é, o momento em que começa a retornar o investimento inicial. Numa “vaquinha” familiar, arrecadou-se R$ 2,5 milhões para o início dos trabalhos, com acompanhamento pessoal do próprio Braguinha em seus últimos anos de vida. Ao atingir o padrão de qualidade desejado pelos empreendedores, as vendas começaram pelo mercado externo para depois alcançar pontos nobres no Brasil, como hotéis cinco estrelas e mercados gourmet. 

A Pindorama é feita a partir da cana-de-açúcar plantada em 6 hectares da fazenda. Uma caldeira especialmente construída para ser movida por energia de biomassa – e não a lenha, como na maioria dos casos – se sustenta com o próprio bagaço da cana local. Premiada com a medalha de prata no International Spirits Challenge, em Londres, em 2019, a aguardente repetiu o feito no Brasil, sagrando-se vice-campeã no V Ranking da Cúpula da Cachaça, em 2022. Lá fora, pode ser encontrada em Portugal, Reino Unido, Áustria, Alemanha e, em breve, Holanda, ao preço de 28 a 33 euros por garrafa de 700 ml.  

A variação se explica porque há dois rótulos, prata e ouro. Este último produto descansa por um ano em barris de amburama. Para compensar a utilização da árvore tipicamente brasileira, a família planta dez destas árvores para cada tonel existente. Nos próximos dois anos, ao chegarem a dez tonéis, a ideia é já terem plantado 100 novas amburanas. Para 2028, a produção deve chegar a 100 mil garrafas, com faturamento mensal previsto em R$ 500 mil. “Aí chega!”, avisa a matriarca, Luiza, atenta à capacidade máxima do atual canavial em fornecer matéria-prima. “Para aumentar a produção, teríamos de transformar floresta em cana, e não iremos fazer isso”, acrescenta. 

Entre os sócios e com presença no Conselho está, com igual entusiasmo, o artista plástico Rafael Deló, casado com a também artista plástica Maria, com quem tem duas filhas. Hoje radicado em Londres, o casal viveu na Fazenda Palmas durante seis anos, quando o sonho da produção sustentável começou a se materializar. “Nossa estratégia de crescimento tanto com a cachaça como com o café passa pela sustentabilidade ambiental e financeira a cada passo que vai sendo dado”, diz ele. Para iniciar a produção da caninha especialíssima, as Almeida Braga e Deló investiram cerca de R$ 2,5 milhões em recursos próprios. Um dinheiro dedicado à formação do canavial, construção da caldeira ecológica, logística para a comercialização e contratação de pessoal como os técnicos especializados Sérgio Olaya, expert em agroflorestas, e Bruno Zille, mineiro craque na produção da popular pinga. 

CAFÉ SINTRÓPICO 

Uma nova frente em termos de produto diferenciado está sendo aberta na Palmas com o plantio de café de sombra, pelo modelo de agricultura sintrópica. Esse método utiliza plantas e raízes para adubar a terra, em lugar de produtos industrializados ou químicos. A ideia veio a Maria durante a vivência na fazenda e o aprendizado em cursos de produção agrícola sob critérios ESG. “Para abrir veios na terra para melhor irrigação e agregar minerais ao solo, plantamos mandioca, que deixa entradas de até 30 centímetros no subsolo”, exemplifica Deló. Um conjunto de dez plantas forma o núcleo dos elementos que são agregados aos 5 mil pés de café existentes na fazenda. “Começamos com 6 mil, mas mil pés não vingaram e essa tentativa e erro nos serve hoje de experiência acumulada”, conta Maria. Em breve, ainda sem marca revelada, o cafezal estará produzindo um tipo que, a exemplo do canavial, deve render um produto diferenciado para exportação. 

Para completar o tripé de sustentação da Fazenda Palmas, os sócios se dedicam à preservação da grande área de Mata Atlântica que possuem e à recuperação de áreas degradadas. “Por onde passamos, queremos espalhar sustentabilidade”, aponta Deló. Neste sentido, a família tem procurado incentivar a formação de consórcios de produtores da região para tornar o Vale dos Cafés um grande polo agrícola de produção sustentável. “Mas não é fácil vencer barreiras culturais que estão aí há séculos”, admite Deló. “Mesmo assim, já temos pelo menos 20 pequenos produtores do nosso entorno que entendem a nossa proposta e estão migrando para modelos produtivos menos agressivos à natureza”, contabiliza. 

O espírito bonachão e colaborativo do patriarca Braguinha está em cada elemento da fazenda que os sócios gostam de chamar de agrofloresta. Luiza, Joana, Maria e Rafael sabem que o sobrenome rico e famoso abre portas para bons negócios, mas igualmente reconhecem que, se as promessas de respeito à natureza não forem cumpridas e os produtos que surgirem dela não forem bons, não há milagre que traga os lucros almejados. ? 

“Procuramos usar da melhor maneira nossas vantagens competitivas”, aponta Maria, logo complementada pelo marido Rafael. “Começamos a exportação da Pindorama por Portugal porque o meu sogro viveu lá por muito tempo e deixou muitos amigos e contatos”, reconhece. “Mas se o nosso produto não fosse verdadeiramente bom e diferenciado, nenhum sobrenome nos garantiria o mercado que estamos conquistando”, completa. Para a filha mais nova de Braguinha, o sucesso de hoje é mais um reconhecimento ao pai. “Ele foi um banqueiro e mecenas muito importante, mas como pessoa, com os princípios e valores que nos passou, foi ainda mais incrível”, diz Maria, lembrando que “até os últimos dias de vida” seu pai saboreou a cachacinha bem feita na Fazenda Palmas. 

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