Edição 25 - 14.06.21
Por Romualdo Venâncio
Se tem algo que não falta no agronegócio brasileiro é profissionais de alto nível, gente que faz a diferença nas mais diferentes subdivisões do setor. Pode ser nas fazendas, nas empresas, em instituições de pesquisa, no segmento acadêmico, na área pública e privada. Inclusive fora do País. Há muita gente agregando valor ao Brasil agro quando se arrisca em diferentes desafios pelo mundo. A PLANT PROJECT traz aqui um pouco da trajetória de quatro profissionais que estão fazendo história em lugares e atividades bem distintas. Para isso, têm enfrentado e superado os obstáculos das diferenças culturais, do próprio idioma, de questões estruturais e governamentais e até a saudade da família e das amizades. Acompanhe.
Criadora de ovinos e digital influencer na Nova Zelândia
“Do balcão do boteco dos meus pais, servindo pinga, cigarro e coxinha, às montanhas tocando meu próprio rebanho em solo estrangeiro. Como cheguei até aqui? Fazendo acontecer.” Este é um trecho do post que Dayanne Almeida fez em seu perfil no Instagram (@canal_sheepnutter), em 23 de abril, ao completar 12 anos na Nova Zelândia. Motivos não lhe faltam para celebrar. Nascida em União da Vitória, cidade paranaense na divisa com Santa Catarina, se formou em zootecnia pela Unesp de Botucatu (SP). Bem antes de concluir o curso, ela já havia optado por trabalhar com ovinocultura, e foi essa escolha que a levou até o outro lado do globo. Mas, no tempo da faculdade, nem sequer pensava em deixar o País. “Nunca tive ambição de fazer estágio fora. Tinha muito os pés no chão, não tinha grana, não falava inglês. Nem criava expectativas para não me frustrar”, diz
Dayanne vive em Gladstone, região sul da Ilha Norte da Nova Zelândia, é casada com o neozelandês Paul Crick e mãe da pequena Isabela, de 4 anos. A Fazenda Glenside, propriedade da família, tem cerca de 4.500 ovinos para produção de carne e lã, 300 cabeças de gado de corte e 700 cervídeos para produção de carne e chifre. Além de produtora rural, a zootecnista é consultora em genética, ou area management and technical lead, pela Zoetis na Ilha Norte.
Ouvir Dayanne contar o que vive hoje na Nova Zelândia é empolgante. Mas acompanhá-la descrevendo sua jornada, desde a saída do Brasil, chega a ser uma diversão. Foi uma amiga de infância, Natália, engenheira química que morava na Alemanha, quem a encorajou – e a apoiou com o inglês – para que fizesse contato com ovinocultores da Nova Zelândia e da Austrália. Após cerca de 500 e-mails enviados, veio a resposta de um produtor que costumava receber mochileiros na fazenda, viajantes que pagavam a hospedagem e a comida com trabalho. “Ele nunca tinha recebido brasileiros, ainda mais com um interesse tão específico em ovinos”, lembra.
Ficou acertado o estágio por um mês, sem remuneração. Era preciso comunicar à família. “Como eu ia explicar para meus pais que encontrei alguém no Google e ia para outro país?”, diz Dayanne. Por fim, contou que conheceu o produtor numa exposição de ovinos em que trabalhava, em São Paulo (SP), e ele a convidou para conhecer a fazenda. “Disse ainda que ele falava português, que eu ganharia um salário e poderia voltar com algum dinheiro. Minha mãe não deve ter acreditado, mas me deu um voto de confiança”, lembra ela, que hoje ri da situação.
Nem bem chegou à Nova Zelândia, Dayanne já sentiu o drama de não falar inglês quando precisou explicar na imigração um visto de visitante
se ia para trabalhar. Foram umas quatro horas até esclarecer tudo e passar o pânico de ter de pegar um voo de volta. “Imagina pagar o mico de retornar ao Brasil e ligar para minha mãe me buscar no aeroporto”, comenta. Não por acaso, Dayanne passou aquele mês agarrada a um dicionário. E ainda pedia às pessoas que anotassem as palavras que ela não entendia para treinar a pronúncia mais tarde.
Também vieram as diferenças de clima, sobretudo o frio intenso, e a saudade da família e dos amigos, que era inviável matar pela única linha de telefone fixo a que tinha acesso. “Minha mãe me ligou uma vez, mas quando viu a conta do telefone não ligou mais”, conta Dayanne. A forma de se relacionar também era outra. “Sou animada, otimista, carinhosa, abraçava as pessoas. E elas não sabiam o que fazer. Me adaptei à cultura deles, mas sem deixar de ser quem eu era.”
Por esses e outros fatores, Dayanne não considerava outra hipótese que não fosse fazer aquela experiência dar certo. Sua dedicação deu resultado. Ao final do estágio, convidaram-na a ficar mais tempo, até setembro, até porque quando chegou já havia terminado o período de reprodução dos ovinos, que era seu principal interesse. “Eu passava o dia cuidando da manutenção da fazenda, no máximo manejava os animais no pasto”, conta a zootecnista. Foram cinco anos nessa propriedade, até que recebeu uma proposta de ir para a Wairere, uma fazenda bem maior, com mais desafios.
Nesse novo emprego, já com acesso à internet, Dayanne se descobriu comunicadora e virou uma digital influencer. Até para ter mais contato com o Brasil, passou a compartilhar sua rotina de trabalho nas redes sociais. Primeiro com postagens e entradas ao vivo no Facebook, depois veio o Instagram e, por fim, o YouTube. Dayanne batizou todo esse canal de comunicação de Sheepnutter. “Ouvi essa palavra logo que cheguei por aqui. Quer dizer ‘fanático por ovelha’, ou, como gosto de dizer, ‘ovelhocólatra’”, explica a zootecnista. Com uma presença muito peculiar nas plataformas digitais, oferecendo conteúdo de qualidade por meio de uma linguagem clara, prática, direta e bem humorada – sendo ela mesma, na verdade –, foi ganhando cada vez mais seguidores em busca de soluções para a ovinocultura.
Logo começaram a surgir consultas e convites para vir ao Brasil fazer palestras. Até que em 2016 aconteceu, e teve início a Maratona Ovinocultura em Foco, com uma intensa programação que passou por vários lugares. Com o nascimento da filha no ano seguinte, Dayanne deu uma pausa, mas retomou o projeto em 2018 e 2019. Ela não cobrou pelas palestras, mas também não seria justo que tivesse despesas, por isso precisava contar com apoiadores. Como a New Zealand Trade and Enterprise (NZTE), agência para o desenvolvimento do comércio internacional da Nova Zelândia, que além de viabilizar sua vinda ao País promoveu o trabalho de Dayanne junto a diversos veículos de comunicação voltados ao agronegócio.
A carência por informações sobre a ovinocultura era tão grande que algumas de suas apresentações passavam de três horas de duração, entre palestras e conversas com a plateia. Dayanne conta que ao perguntar o tempo que tinha de palestra, ouvia que podia ficar à vontade. Então avisava: “Olha, não faz assim, vocês vão se arrepender”. A zootecnista só está aguardando um sinal verde em relação à pandemia da Covid-19 para voltar a realizar sua maratona por aqui. Do lado de lá, a vida já segue normalmente.
O homem da floresta em Gana
O engenheiro agrônomo José Paulo Unterpertinger está prestes a completar nove anos de trabalho com reflorestamento em Gana, na África. Sua chegada ao país, no dia 1º de julho de 2012, foi motivada por um projeto que estava começando, uma nova empreitada de Erling Lorentzen, o norueguês que fundou a Aracruz Celulose (hoje Fibria). “O objetivo era produzir eletricidade a partir de eucalipto”, diz José Paulo. “Há um déficit muito grande de eletricidade em Gana, eu tenho corte de energia umas quatro vezes por dia.” Mas o plano de plantar até 120 mil hectares de eucalipto e construir sete usinas não avançou, até por questões governamentais, e foi necessário recalcular a rota. E é aí que entram as habilidades do agrônomo, principalmente o conhecimento e a experiência com árvores e a paciência com cada situação.
Para falar sobre esses atributos de José Paulo, vale voltar ao início de sua carreira. Natural de Sorocaba, no interior paulista, foi estudar agronomia em Piracicaba, também em São Paulo, na Esalq-USP. Logo que se formou, na turma de 1979, teve a oportunidade de trabalhar na divisão florestal da Shell Petróleo, aqui no Brasil. E em seguida a empresa o convidou para participar de um novo projeto no Uruguai, onde ficou 19 anos. Ao final daquele período, soube por um ex-chefe O homem da floresta em Gana 48 de uma oportunidade na empresa Green Resources, em Moçambique, na África. O agrônomo decidiu apostar e deu certo, foi contratado e atravessou o Atlântico. Mas as coisas não fluíram como esperado e o tempo de sua jornada por ali foi reduzido.
Permaneceu no continente africano por conta do surgimento da African Plantation for Sustainable Development (APSD), o tal empreendimento de Erling Lorentzen. Sem a possibilidade de implementar as sete usinas para geração de energia, passaram a buscar outras utilidades para a madeira e surgiu a ideia de uma fábrica de MDF. “Já estamos começando o processo de certificação pela FSC (Forest Stewardship Council). Acredito que em dois ou três anos esteja funcionando”, diz José Paulo. Segundo ele, já foram plantados 10 mil hectares.
Outra mudança no percurso foi a morte de Lorentzen, em março último, aos 98 anos de idade. “Ele deixou tudo organizado para o filho tomar conta”, afirma José Paulo. O filho, no caso, é Haakon Lorentzen, presidente do Grupo Lorentzen. José Paulo tinha uma boa relação com o empresário e uma grande consideração por ele. O agrônomo conta, inclusive, que essa aproximação o impediu de aceitar propostas para deixar a empresa e retornar ao Brasil. “Ele sempre me tratou muito bem. E eu queria ver isso aqui funcionando, do jeito que o sr. Lorentzen desejava. Não ia abandonar o barco, e agora com a possibilidade de uma nova fábrica quero ficar por aqui.”
A decisão de José Paulo ganha ainda mais importância quando se coloca na balança os desafios que enfrenta para estar trabalhando em Gana. A distância da família, por exemplo, a esposa e o casal de filhos, que chegaram a morar com ele no Uruguai, mas não em Moçambique. “Eu até queria que fossem comigo, mas era muito perigoso, inclusive pelas doenças”, diz o agrônomo, lembrando que já teve malária seis vezes nesses anos que está na África.
“Combinamos, então, de nos encontrarmos em Nelspruit, na África do Sul, e depois fomos conhecer Cape Town (Cidade do Cabo). Eles gostaram da cidade e estão lá até hoje.” De fato, é uma realidade bem diferente, considerando que José Paulo mora em uma área rural, distante de grandes centros. Sua casa fica entre duas cidades – a 10 quilômetros de Kwame Danso e a 25 de Atebubu. Quando precisa fazer compras em um centro comercial, tem de rodar cerca de 170 quilômetros, até Kumasi, a segunda maior cidade do país, atrás apenas da capital, Acra.
José Paulo se comunica com a população local em inglês, ao menos com os que falam inglês, pois existem vários idiomas nativos que o agrônomo não entende. Há ainda outras questões culturais, religiosas e até relacionadas ao ritmo de trabalho, características muito fortes que precisam ser compreendidas e respeitadas para que se preserve o bom relacionamento. “Por isso é importante observar, ouvir, ir mostrando com paciência o que a gente espera. É difícil mudar hábitos em pouco tempo”, diz José Paulo, que prefere olhar para o lado positivo de tudo. “Ou você enlouquece e não consegue fazer nada.”
Por falar em mudanças, José Paulo conta que o trabalho em Gana permitiu implementar melhorias valiosas para a região, como a instalação de uma torre da Vodafone para que tivessem sinal de internet 3G e 4G, o que atendeu duas vilas próximas; a construção de cinco represas para armazenar água da chuva; o plantio de um cinturão verde para que o pessoal cultivasse feijão e milho, o que ainda protege a plantação das árvores de possíveis focos de incêndio. Na verdade, uma cultura protege a outra. Agora, está começando um reflorestamento da região pelo plantio de mudas de árvores nativas. No primeiro ano serão cerca de 500 mil, mas a pretensão é de chegar a 5 milhões.
Do Zebu no Brasil aos camelos nas Arábias
Há oito meses, a médica veterinária Aline Cardoso iniciou uma nova etapa na carreira. Em todos os sentidos. Primeiro, por se tratar de um lugar onde jamais imaginou trabalhar, mas que sempre teve vontade de conhecer: os Emirados Árabes. Indicada por um ex-gerente para uma fazenda, onde cuidaria de bezerros bovinos, teve o campo de ação ampliado e passou a lidar também com camelos. “Adorei os animais, eles são dóceis, calmos, mas é preciso tomar cuidado, pois às vezes mordem. A parte clínica é bem parecida, só exige uma infraestrutura com mais espaço por serem grandes”, conta.
A ida para o Oriente Médio foi uma excelente oportunidade, até pelo momento profissional que Aline vivia no Brasil. Ela vinha trabalhando com preparação de gado para o circuito de eventos como leilões e exposições, um dos pouquíssimos segmentos do agronegócio interrompido por causa da pandemia da Covid-19. A médica veterinária é formada pela Unicastelo (atual Universidade Brasil), na unidade de Descalvado, no interior de São Paulo, a 40 quilômetros de sua cidade natal, São Carlos. Sempre trabalhou com bovinos, principalmente gado de corte, foi jurada auxiliar da ABCZ (Associação Brasileira de Criadores de Zebu) e teve experiência clinicando e com laboratório de FIV (fertilização in vitro).
Aline chegou a Al Fujayrah, a cidade onde está, com um contrato de três meses de experiência, que foi prorrogado por mais três e agora já passou para três anos. O objetivo inicial era cuidar apenas dos bezerros, mas logo surgiu uma chance de integrar a equipe de reprodução. “Vieram três mulheres dos Estados Unidos para cuidar dessa área, mas uma teve de voltar e fiquei no lugar dela”, conta. Como o laboratório estava instalado no setor dos camelos, Aline foi se aproximando, bastante atraída pelos experimentos recém-iniciados com FIV. “Ao perceberem que eu estava interessada, me perguntaram se não queria participar, acompanhar mais de perto. Foi aí que comecei a fazer o manejo de campo com os bezerros dos camelos. Como os veterinários são egípcios, até aprendi um pouco de árabe.”
O idioma também foi um desafio para a veterinária, pois quando chegou o inglês não estava tão afiado. “Eu conseguia me comunicar, mas às vezes faltava alguma palavra, havia muitos termos técnicos. Precisava me virar e aprendi rápido, até porque era responsável por treinar as equipes”, diz Aline. Naquele início, quando ainda morava na fazenda, havia uma boa chance de falar em português, pois tinha um gerente brasileiro, mas por causa da jornada de trabalho acabaram convivendo pouco. E o pouco que puderam conviver não foi uma experiência amistosa. Aline lembra que recebia um tratamento bem rude, tornando aquele período bastante árduo. Felizmente, a situação mudou.
A veterinária conta ser muito respeitada no dia a dia do trabalho. “Sou a única mulher na fazenda e me tratam muito bem, não há nenhum preconceito Do Zebu no Brasil aos camelos nas Arábias 50 por gênero nem pela nacionalidade, os salários são iguais para homens e mulheres. Sou mais respeitada aqui até do que no Brasil”, afirma Aline, que também se surpreendeu com a valorização da profissão. “Temos o mesmo reconhecimento dos médicos que tratam das pessoas, e de fato somos médicos. Há muitas oportunidades na área, pois são várias fazendas grandes de gado de leite, tem muita produção de iogurte, outras propriedades de criação de camelo, hospital veterinário. Além disso, há apenas uma universidade de medicina veterinária em Al Ain, então é pouca gente nova entrando no mercado.”
No entanto, algumas particularidades na rotina de trabalho exigem mais de quem vem de fora. Aline conta que a região é muito quente, com altas temperaturas e muita umidade, chegando a lembrar uma sauna. O manejo dos animais exige muito cuidado com o estresse térmico e o ataque de parasitas, como o carrapato. O que sobra de montanhas, falta de pasto, cenário desafiador para a alimentação dos rebanhos. “Não tem capim e a comida é toda importada. O feno, por exemplo, vem do Paquistão, e nem sempre na melhor condição”, relata. A fazenda tem cerca de 750 camelos, criados para corridas ou produção de leite; aproximadamente 600 bovinos, entre os quais exemplares das raças Gir, Girolando e Nelore, importados do Brasil; umas 2 mil cabeças entre caprinos e ovinos; além de búfalos. Aline só não pode citar nem mostrar nada relacionado ao nome da empresa ou à infraestrutura da propriedade.
Esse controle é ainda mais surpreendente em relação ao cotidiano, fora do dia a dia de trabalho, inclusive. Aline teve – e ainda tem – que dedicar grande esforço para se adequar aos costumes do país, que são bem diferentes dos que temos no Brasil. A entrevista para esta matéria, por exemplo, foi feita por uma chamada de vídeo pelo aplicativo Botim, o único que é liberado por lá. “Tudo é muito rastreado, precisa tomar bastante cuidado com o que pesquisa, como que digita”, afirma. Por mais que tenha pesquisado sobre os hábitos e o comportamento na região, a veterinária ainda fala com certa surpresa sobre diversas regras do país. “Não pode ter demonstração de afeto em público, e se uma mulher engravidar sem que esteja casada ela é presa”, diz. Ela mora a dois quarteirões da praia, no Golfo de Omã, e não pode ter fotos de biquíni. Aliás, desde que foi para lá, sua presença nas redes sociais se tornou bem restrita. “Não tenho muitos amigos por aqui, então sinto muita saudade da família, dos meus amigos, do churrasco no final do dia de trabalho na fazenda”, conta Aline. Ao menos pode se divertir aproveitando os finais de semana em Dubai, que fica a apenas uma hora de sua casa.
Ele é o tradutor do campo na Suíça
Batizado com sobrenome holandês, Michael Daamen nasceu e foi criado em uma fazenda na região de Itapetininga, no sudoeste paulista. A origem no meio rural o levou à faculdade de Engenharia Agrícola, na Unicamp (Universidade de Campinas), que o levou ao mestrado na Universidade de Wageningen, na Holanda. E toda essa jornada fez com que fosse parar em Morges, na Suíça, entre as cidades de Genebra e Lausanne, a poucos quilômetros da fronteira com a França. É lá que está a sede global da Gamaya, empresa que é líder global e pioneira de imagens hiperespectrais na agricultura.
O principal motivo de Michael ter se conectado à Gamaya é a geração de conhecimento para otimizar a produção de cana. O segmento é o principal foco da empresa, especificamente em território brasileiro, e o engenheiro pode ser considerado um veterano do sensoriamento remoto de canaviais. Ainda na Unicamp, Michael fez estágio com sensoriamento remoto voltado ao zoneamento agrícola na Embrapa Meio Ambiente. E sua área de pesquisa do mestrado na Holanda foi a ciência da geoinformação aplicada ao meio ambiente. Esse encontro aconteceu em 2018, quando Michael trabalhava no CTC (Centro de Tecnologia Canavieira), que iniciava uma parceria com a agtech suíça no uso de imagens hiperespectrais feitas por satélite para a identificação e o mapeamento de variedade de cana nos talhões. Ali surgiu o convite da Gamaya para que o engenheiro se mudasse para a Suíça e assumisse o comando do time de desenvolvimento de produtos.
Na região onde a Gamaya está instalada, o francês é a língua predominante, mas como o escritório da empresa mais parece um encontro das nações, com profissionais de dez países diferentes, o inglês é mais comum. Em meio a essa mistura de idiomas, Michael se tornou uma espécie de tradutor da linguagem do campo para a linguagem digital, dos softwares criados pela empresa. A equipe que ele lidera é dedicada a desenvolver soluções para que usinas e fornecedores de cana possam “enxergar” seus canaviais por inteiro, e durante toda a safra, com a ajuda de drones, satélites e avançadas tecnologias de processamento de imagem com base em inteligência artificial e machine learning.
“O grande desafio de uma empresa de tecnologia como a Gamaya, mais orientada para software e hardware, é mexer com a natureza, traduzir os processos agronômicos para os algoritmos”, diz Michael. Ele afirma que sua principal contribuição nesse processo foi ajudar a empresa a falar com esses dois mundos. “O fato de eu conhecer o campo e ter trabalhado sempre com sensoriamento, que é mais ligado com a computação, permitiu que eu me adaptasse bem ao desafio.” Por outro lado, o engenheiro comenta que as companhias de origem agronômica conhecem bem o setor, mas lhes falta a capacidade de processamento. O fato de a cana ser uma cultura muito específica dos trópicos não permite que se aplique soluções genéricas, como no caso do milho e da soja. “Uma usina é um quebracabeça, com várias unidades de manejo diferentes, plantio em datas distintas, variedades diversas. Cada bloco se comporta de maneira muito particular”, explica.
Um dos resultados desse trabalho foi o lançamento, no ano passado, do Canefit, um portfólio de soluções de sensoriamento de canaviais que, a partir da combinação de imagens de drones e satélite, apresenta informações precisas sobre falhas e linhas básicas do plantio, detecção e monitoramento de plantas daninhas, monitoramento dos canaviais e das linhas de colheita. Grande conquista de Michael e de sua equipe é mostrar ao setor o valor do investimento nesse tipo de tecnologia e promover a revisão de alguns preconceitos que impediam essa evolução, como falta de compreensão sobre a relação custo/ benefício. “Podemos mostrar que há ganhos como no direcionamento do trabalho de campo das equipes de qualidade e de controle de pragas e doenças. O monitoramento reduz o gasto com equipes e gera ganhos de eficiência com o trabalho mais efetivo”, comenta o engenheiro. “Além disso, melhora a quantificação do trabalho e as medições são mais precisas. Sem contar o ganho de velocidade na inspeção, acelerando o controle e reduzindo perdas.”
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