Edição 24 - 14.04.21
O espanhol Ángel León é um dos mais influentes chefs do mundo. Sua curiosidade o levou a ingredientes do fundo do Mar, que ele transformou na marca registrada de sua gastronomia premiada e que colocaram o Aponiente, seu restaurante na cidade portuária de Cádiz, no sul da Espanha, em um endereço cobiçado entre os gourmets. Olhos de peixe cozidos até se transformarem em base para molhos espeços, microalgas que tomam o lugar de claras de ovos, mortadelas feitas com carne de robalos, uma espécie de pururuca da pele de moreias ou um ossobuco da cabeça do atum são algumas de suas especialidades, tão exóticas como saborosas, segundo alguns dos maiores críticos gastronômicos.
León é fascinado pelo mar e as possibilidades que ele pode oferecer a um mundo carente de alimentos. Durante décadas ele pesquisou dezenas de alternativas, até que fechou o foco em uma descoberta: a Zostera marina, uma espécie de alga, comum na sua região, de cuja ponta se pode colher aglomerados de pequenos grãos comestíveis. Uma espécie de arroz marinho, com enorme potencial nutritivo. A partir dessa descoberta, León passou a sonhar com enormes campos cultivados com essa planta que se projeta de dentro do próprio mar.
Há pelo menos três anos ele decidiu fazer do sonho uma realidade. Através de uma parceria com a Universidade de Cádiz, ele iniciou um processo de “domesticação” das algas, de forma a permitir que elas sejam cultivadas. Seria uma dupla conquista. Além de utilizá-las na alimentação, ajudaria na reconstrução econômica e ambiental da região e do mundo. Para os cientistas, as ervas marinhas são um dos ecossistemas mais vitais na luta contra as mudanças climáticas.
“Viramos o mar de cabeça para baixo. Queríamos realmente olhar para o fundo do oceano para ver que segredos ele tinha”, disse León em uma entrevista à revista Time. Seus cardápios comprovam isso. Neles, pode-se encontrar um pouco de tudo o que ele encontrou debaixo d’água e pode comparar aos alimentos tradicionais: peras marinhas, tomates marinhos, alcachofras do mar. Mas foi uma lembrança de sua infância que lhe trouxe uma revelação. Ele recordava de observar vastos campos de arroz ao longo das margens da baía de Cádiz. Percebeu, então, que o pensava, quando criança, ser arroz, era na verdade a Zostera marina, abundante em várias regiões do mundo. Consulton Juan Martín, biólogo residente no seu restaurante, que conhecia a espécie, mas nunca tinha pensado nela como uma planta comestível.
A curiosidade de León o levou a um artigo de 1973, publicado na revista Science. Ali havia o relato de comunidades de coletores mexicanos que se alimentavam de algas semelhantes. Foi o ponto de partida para que seu time passasse a estudar os pequenos grãos, triturando, torrando, cozinhando, processando-os de toda forma possível. As possibilidades estavam postas à mesa. Bastava estudar como transformá-las em produtos comerciais, a partir do cultivo da Zostera. A parceria com a universidade visa a responder essa pergunta, definindo as condições ideais de crescimento: corrente de água, temperatura, salinidade, profundidade, luz solar.
Os primeiros 50 quilos da alga – colhidos da planta ainda selvagem, num estuário de Cádiz – permitiram as análises nutricionais e experimentos na cozinha. Conclusões: uma planta perene, com crescimento exponencial e um perfil nutricional robusto, sem glúten e com alto teor de fibras e gorduras ômega-3. O sabor lembra as sementes de chia.
Os estudos continuam e León está entusiasmado. Ele e os parceiros transplantaram mudas da planta em diferentes áreas da costa espanhola e, no próximo verão europeu, pretendem fazer a colheita em uma área equivalente a 5 hectares. Esperam uma safra de 22 mil quilos do grão. Desses, 3 mil irão para a cozinha do Aponiente. O restante, para a próxima fase do projeto. Apenas na região de Cádiz, a cerca de 5 mil hectares de baías e estuários “cultiváveis”. Mas León olha muito além.
Grandes arrozais surgindo no mar não são um sonho apenas do espanhol. Cultivado em mais de 100 países, o cereal é uma das commodities mais consumidas no mundo. Sua produção ultrapassa as 700 milhões de toneladas anuais, que são a base da alimentação de mais de 3,5 bilhões de pessoas. Em função do intensivo uso de água nas plantações, é também uma das culturas mais desafiadoras – e mais questionadas em um planeta com recursos hídricos limitados, sobretudo quando falamos de água doce.
Por isso, sua produção em água salgada tem sido objeto de pesquisas em vários países. Um projeto internacional chamado Golden Rice, por exemplo, aposta em alternativas como a modificação genética das plantas para permitir seu cultivo em fazendas marinhas. É essa a abordagem da empresa americana Agrisea, que desenvolve uma variedade tolerante ao sal, que pode ser produzida com água dos oceanos, sem o uso de solo ou fertilizantes. Seus cientistas identificaram genes que controlam a expulsão do sal das células e estão trabalhando para que eles se manifestem de maneira a protege-las, preservando assim as plantas. Luke Young, CEO e co-fundador da Agrisea, explicou à revista Forbes: “Nós apenas os encorajamos os caminhos que a natureza formou em plantas que podem prosperar em um ambiente salgado.”
Young afirma que já está em negociações para estabelecer fazendas marinhas em países como Nigéria, China, Vietnã e Bangladesh, Nova Zelândia, EUA, Japão e Chile. Ainda em 2021, algumas delas, voltadas para testes, devem estar funcionando. As suas sementes também poderiam ser lançadas em solos salgados, como regiões costeiras do Japão inundadas por tsunamis. A refeição, assim, teria um sabor ainda melhor.
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