Edição 24 - 12.04.21
Supercomputadores são capazes de processar em horas o que equipamentos convencionais fariam em anos. Isso pode significar algumas safras de vantagem nas tomadas de decisão do agronegócio brasileiro.
No dia 8 de fevereiro, a MercedesAMG Petronas anunciou nas redes sociais a continuidade de uma das parcerias mais vitoriosas da Fórmula 1 para a temporada 2021. O piloto heptacampeão Lewis Hamilton renovou contrato com a equipe, que também é sete vezes campeã pelo mundial de construtores. Sabe o que isso tem a ver com o agro? A ciência que aumenta a probabilidade de novas conquistas. Além de um piloto talentoso e comprometido e de um carro de ponta bem regulado, a equipe é amparada pela supercomputação para processar, com agilidade e precisão, uma enormidade de dados e fazer as projeções necessárias para se construir a melhor estratégia em cada corrida. Se essa tecnologia é tão decisiva para uma equipe da F1, que define o resultado de uma prova em milésimos de segundo, mais ainda para a produção agrícola, que por mais precoce que esteja se tornando precisa respeitar o tempo da natureza.
Os supercomputadores processam em horas o que equipamentos convencionais levariam até anos para realizar. Essas máquinas podem analisar décadas de informações climáticas e projetar possíveis cenários para que o produtor decida, por exemplo, o melhor local para plantar uma determinada variedade de café. Ou apresentar previsões meteorológicas, para um horizonte de dois a dez dias, que auxiliem na programação da aplicação de fungicidas, evitando-se assim dias com excesso de vento e chuva. “O produtor pode escolher uma janela temporal em que as condições sejam adequadas, ou até identificar que não há condições meteorológicas favoráveis à formação da doença e deixar de aplicar o agrotóxico”, comentam os pesquisadores do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), Chou Sin Chan e Ivan Márcio Barbosa, respectivamente, chefe da Divisão de Modelagem Numérica do Sistema Terrestre e coordenador de Infraestrutura de Dados e Supercomputação. Segundo eles, essa precisão contribui até para reduzir o impacto dos defensivos no custo de produção da safra e o risco de contaminação do solo, o que ainda agrega valor às lavouras.
O Inpe é uma unidade do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e desempenha papel fundamental para o País, com atuação em diversas áreas, como ciências espaciais e atmosféricas, previsão de tempo e estudos climáticos, engenharia e tecnologia espacial, rastreio e controle de satélites, entre outras. Foi o instituto, por exemplo, que desenvolveu, em parceria com a Agência Espacial Brasileira (AEB), também órgão do MCIT, o Amazonia 1, primeiro satélite de observação da Terra totalmente projetado, integrado, testado e operado pelo Brasil. Seu lançamento aconteceu agora em fevereiro, no dia 28, no Centro Espacial Satish Dhawan, na cidade de Sriharikota, província de Andhra Pradesh, na Índia.
De acordo com o Inpe, o Amazonia 1 faz parte de um projeto maior, a Missão Amazonia, que prevê mais dois satélites de sensoriamento remoto – Amazonia-1B e Amazonia-2. O objetivo do instituto é observar e monitorar espacialmente o desmatamento na região amazônica e a diversificada agricultura em todo o território nacional, atuando em sinergia com os programas ambientais existentes. Os dados gerados a partir desses equipamentos servirão também para outras opções de monitoramento: região costeira, reservatórios de água, florestas naturais e cultivadas e desastres ambientais. O aproveitamento do potencial de toda essa inovação tecnológica passa pela supercomputação.
VISÃO DE LONGO ALCANCE
O avanço das inovações tecnológicas é um dos fatores mais importantes para o desenvolvimento agrícola no Brasil e para a expansão, em teoria e prática, do conceito de Agricultura 4.0. A supercomputação tem papel fundamental nessa trajetória, tanto pela velocidade quanto pela amplitude no processamento de dados. “Ela é condição necessária para a geração de cenários de mudanças climáticas. Essas simulações numéricas podem ter início no período pré-industrial e ultrapassar o ano de 2100, cobrindo vários cenários de níveis de concentração dos gases de efeito estufa”, afirmam os pesquisadores do Inpe. De acordo com Chan e Barbosa, os prérequisitos dos supercomputadores passam também pela capacidade de armazenamento de todo esse conjunto de dados e pela agilidade para acessá-los. E a infraestrutura dedicada ao equipamento deve ter desempenho compatível, ou pode se tornar um gargalo, como no caso da capacidade de transmissão de dados em rede.
O serviço prestado pelo Inpe em relação a previsões meteorológicas e cenários climáticos envolve um modelo global atmosférico que resolve equações para cerca de 100 milhões de pontos a cada dezena de segundos. “Para calcular até dez dias em menos de duas horas, é necessário uma máquina veloz. Em um equipamento com poucos processadores e baixa performance, essa resolução levaria dias, não gerando precisão útil para tomadas de ação ou planejamento”, afirmam. A estrutura do instituto nessa área é composta pelo sistema de supercomputação Cray XC50, desenvolvido pela Cray Inc., que em 2020 foi adquirida pela Hewlett Packard Enterprise (HPE). Trata-se da mesma fonte onde a Mercedes-AMG Petronas foi buscar essa tecnologia.
A HPE é também fornecedora do sistema de supercomputação da Embrapa Informática Agropecuária, localizada em Campinas (SP). “Há um monitoramento permanente de mudanças climáticas, por exemplo. Fazemos simulações gigantescas com dados de várias fontes, que são processados com a computação de alto desempenho”, diz Silvia Massruhá, chefe-geral da unidade. Ela faz questão, inclusive, de explicar essa terminologia. Segundo a pesquisadora, os supercomputadores são ferramentas utilizadas na computação de alto desempenho, ou high performance computing (HPC).
Entre as muitas atividades desenvolvidas pela Embrapa com o suporte dessa tecnologia está o Zoneamento Agrícola de Risco Climático, um serviço prestado para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). É uma demanda anual que envolve 54 culturas e abrange 5 mil municípios, com dados de janelas de plantio e matriz de risco. A partir dos resultados dessa análise, o Mapa gera portarias de melhor época para plantar. “A tecnologia ajuda o Mapa, que influencia políticas públicas e o crédito rural, que beneficiam o produtor”, cita Silvia, destacando a reação de vantagens em cadeia. “Esse zoneamento foi lançado há 20 anos. Antes era demorado, mas hoje fazemos em horas o que levava dias.”
A chefe-geral da Embrapa Informática Agropecuária comenta que o avanço da computação é uma plataforma essencial para a expansão de outras tecnologias, como IoT, a internet das coisas, que conecta máquinas a pessoas e a outras máquinas, e blockchain. “Se eu faço uma irrigação inteligente, economizo água, mas para isso preciso de muitos sensores, estações pluviométricas, dados de satélite e de drones, e só consigo processar tudo via computação de alto desempenho”, explica Silvia. “O produtor é muito mais tecnológico do que ele mesmo imagina.”
Outra área de grande atuação da Embrapa com a supercomputação é a bioinformática, inclusive com diversos projetos nas áreas de biotecnologia. É o caso dos estudos de genoma, melhoramento genético, bioquímica molecular, bactérias e doenças. “Temos um laboratório multiusuário de bioinformática que funciona como facility de armazenamento e processamento, e atende as 43 unidades de pesquisa da empresa”, diz Silvia.
TECNOLOGIA SOB ENCOMENDA
Quando se fala em supercomputação, é natural que se pense em grandes aplicações, em áreas científicas altamente sofisticadas, como a Nasa, a agência espacial dos Estados Unidos. No entanto, essa é exatamente a imagem que a HPE vem tentando desmistificar. “Há soluções menores, a qualidade e o resultado são os mesmos, muda apenas a proporção”, diz Fábio Alves, especialista em Computação de Alto Desempenho e Inteligência Artificial para América Latina da HPE. “Depende muito do problema do cliente, pois pode ser solucionado com um servidor de US$ 10 mil até um supercomputador de US$ 10 milhões.” O mais importante, segundo ele, é entender exatamente qual é a demanda, até porque a solução pode ser desenvolvida em conjunto.
Foi o que aconteceu na parceria entre a HPE e a Basf Global. Em 2017, entrou em funcionamento o Quriosity, o supercomputador que a Basf tem instalado em Ludwigshafen, na Alemanha, país sede da companhia. O equipamento tem capacidade de processamento de 1,75 petaflops (cada petaflop equivale a um quatrilhão de cálculos por segundo). A tecnologia atende a todas as divisões da empresa, globalmente, tanto que tem sido disponibilizada até para pesquisas na busca de novos tratamentos para a Covid-19.
Falando especificamente da agricultura, o Quriosity pode auxiliar a Basf Global a otimizar a combinação de moléculas para o desenvolvimento de novas soluções em proteção de culturas, processo que geralmente leva dez anos, do início das pesquisas até seu lançamento. “Antes de um novo princípio ativo chegar ao mercado, são realizados até 300 estudos para testar sua segurança e eficácia. Já numa fase inicial do desenvolvimento desses ingredientes, utilizamos modelos informáticos para prever especificamente seu comportamento, sob uma vasta gama de condições ambientais, e para identificar potenciais riscos”, informa a empresa. “Com o Quriosity, essas complexas simulações ambientais podem ser calculadas para mais de 400 mil cenários em apenas algumas horas, o que levaria anos em computadores convencionais.” Futuramente, o Quriosity poderá até ajudar os produtores com dados que podem ser incorporados ao xarvio FIELD MANAGER, plataforma de agricultura digital da Basf.
Um dos objetivos da HPE, segundo Fábio Alves, é democratizar o uso da computação de alto desempenho, oferecendo o máximo de soluções que os clientes necessitam. Até mesmo para utilização de dados em nuvem, a exemplo do Green Lake, área que entrega a computação como serviço. “É a nuvem dentro do ambiente do cliente, da empresa. E sempre de acordo com a necessidade do cliente. Às vezes precisa de mais memória, como é o caso da área de genoma do arroz, que é mais complexo do que o humano”, diz o especialista. A atuação da HPE vem crescendo muito no segmento de supercomputação, mais ainda após a aquisição da Cray Inc. Para se ter ideia, a empresa tem 43 supercomputadores na 56ª edição no ranking Top500, publicado em novembro do ano passado – 36 estão entre os 100 primeiros.
BRASIL ENTRE OS TOP 500
Dois supercomputadores instalados no Brasil aparecem no ranking Top500. Um deles é o Santos Dumont, que está na posição 273. Fabricado pela francesa Atos/Bull, está instalado no Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), em Petrópolis (RJ). Com capacidade de 5,1 petaflops, o equipamento atua como nó central do Sistema Nacional de Processamento de Alto Desempenho (Sinapad), rede de centros de computação de alto desempenho instituída pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). O segundo é o Ogbon, que aparece na posição 431 do ranking e está instalado no Centro de Supercomputação do Senai Cimatec, em Salvador (BA). O equipamento, que tem capacidade de processamento de 1,6 petaflop, resulta de uma parceria entre o Cimatec e a Petrobras e tem aplicação direcionada para pesquisas em geofísica, geologia, engenharia de reservatórios e outros setores estratégicos de óleo e gás.
TAGS: Agronegócio, Carros, Computação, Computadores, StartAgro, Tecnologia