Edição 23 - 15.01.21
Por Ronaldo Luiz
Quinta-feira, 19 de novembro de 2020. A data se tornou um marco histórico para a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio). Neste dia, de acordo com a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o volume de Créditos de Descarbonização (CBios), validados na Plataforma CBio, chegou a 15 milhões. Hospedada no Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), a Plataforma CBio é o caminho oficial para validação das Notas Fiscais Eletrônicas dos produtores e importadores de biocombustíveis certificados junto à Receita Federal para fins de utilização como lastro para emissão dos CBios.
Com este volume, garantiu-se a disponibilidade de 14,9 milhões de CBios, montante suficiente para que os distribuidores de combustíveis fósseis (gasolina e óleo diesel), partes obrigadas a adquirir os ativos ambientais negociados na B3 sob o formato de títulos, possam cumprir suas respectivas metas individuais no âmbito do RenovaBio para os anos de 2019 e 2020. Essa marca, destacou, em nota, o Ministério de Minas e Energia (MME), apenas reforçou a credibilidade do programa. Alguns dias antes, no final de outubro, durante a 20ª. Conferência Internacional DATAGRO sobre Açúcar e Etanol, que foi realizada em formato on-line, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, já havia enaltecido o RenovaBio, afirmando que o programa está plenamente incorporado aos instrumentos de planejamento energético do Brasil.
Na oportunidade, o ministro também salientou que os planos de longo prazo para a geração de energia têm como pilares os potenciais benefícios do RenovaBio, que endereçam um cenário promissor, com grandes oportunidades de investimento em energia sustentável. Albuquerque ressaltou, ainda, que com o RenovaBio, a participação dos biocombustíveis na matriz energética brasileira deve crescer para 46% em 2030.
Segundo a B3, já foram emitidos 16,7 milhões de CBios e 10,3 milhões já estão em poder das distribuidoras, montante que corresponde a 70% da meta prevista para o ano de 2020. Além disso, sete distribuidoras já cumpriram todas as metas a que eram obrigadas. “A expectativa é que até o final de 2020, as distribuidoras cumpram suas metas e que o número de CBios emitidos e comercializados supere os 18 milhões”, pontua o diretor técnico da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), Antonio de Padua Rodrigues.
O feito tem ainda mais relevância quando se observa o contexto em que foi obtido. 2020 foi o ano das incertezas – e foi nesse cenário que o RenovaBio viveu seu ano de estreia, superando desconfianças e demonstrando ser um instrumento de capitalização para o setor sucroenergético, ao mesmo tempo que um consolidador do mercado brasileiro de créditos de carbono. Se a pandemia da Covid-19 gerou instabilidade nos preços de commodities (incluindo o etanol) em seu início, a valorização das cotações do açúcar e a recuperação do mercado do biocombustível no segundo semestre permitiram que o balanço do ano para a grande cadeia em volta da cana fosse promissor (leia texto a seguir).
“O fato de o RenovaBio estar sendo bem-sucedido em um ano como este comprova o comprometimento dos produtores de biocombustíveis com a descarbonização e o combate às mudanças climáticas. Trata-se de uma conquista da sociedade brasileira como um todo, com reflexos para todo o mundo”, afirma o presidente da Unica, Evandro Gussi. Padua endossa: “O RenovaBio foi desenhado como resposta prática aos compromissos firmados pelo Brasil na esfera do Acordo de Paris. Temos a matriz energética mais limpa do mundo, com uma a participação de 45% de fontes renováveis, e uma baixa pegada de carbono na mobilidade graças aos biocombustíveis. Poucos sabem que um carro flex movido a etanol tem um padrão de emissão de CO2 menor do que um veículo elétrico à bateria europeu, quando analisado o ciclo de vida, isso porque a energia elétrica lá é majoritariamente produzida a partir de fontes fósseis. O RenovaBio está aí para ampliar esses benefícios, por meio de mecanismos de mercado, ao incentivar a competição pela redução de emissões na produção de biocombustíveis”.
Antonio de Padua Rodrigues, diretor técnico da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica)
A lógica da descarbonização
Implantado em dezembro do ano passado, o RenovaBio tem como objetivo reduzir as emissões de carbono do Brasil por meio do aumento da capacidade de produção de biocombustíveis (etanol e biodiesel) e pela compensação da emissão de dióxido de carbono (CO2) gerada pelos combustíveis fósseis a partir da comercialização dos CBios (1 CBio equivale a uma tonelada de CO2 que deixa de ser emitida na atmosfera).
“Com o avanço deste mercado, os CBios já estão se configurando em um novo ativo financeiro para o balanço das usinas”, sublinha o coordenador de desenvolvimento sustentável da Raízen, André Valente. Para receber a certificação do RenovaBio, produtores de biocombustíveis precisam fazer um levantamento de quanto CO2 emitem em todo o processo produtivo. Feito isso, uma firma inspetora credenciada junto à ANP confere esse levantamento. Após a conclusão da certificação pela agência reguladora, a empresa produtora precisa firmar contrato com o Serpro para enviar suas notas fiscais de venda de biocombustíveis e obter o direito de emissão de CBio para o volume comercializado.André Valente, da Raízen
Os CBios são negociados em ambiente de balcão na B3 e tem seu preço definido pelo livre mercado. Pessoas físicas e jurídicas poderão comprar e vender CBios, mas deverão procurar instituições financeiras que atuem nesse mercado para efetuarem suas compras. Cada CBio tem vencimento no mesmo ciclo em que foi emitido. Para validar a compra de CBios e concretizar a descarbonização da matriz energética, o comprador precisa dar baixa, junto à ANP, no crédito adquirido, o que, na prática, se configura na “aposentadoria” do título, impedindo qualquer negociação futura. Os primeiros CBios, aliás, em um total de 100, foram adquiridos pela DATAGRO Conferences, unidade de conferências da DATAGRO, em junho, por meio de intermediação da trading Sucden.
Crédito para o RenovaBio
Outro destaque da Conferência DATAGRO em relação ao RenovaBio foi o anúncio feito, em primeira mão, pelo chefe do departamento do Complexo Agroalimentar e Biocombustíveis do BNDES, Mauro Mattoso, de que o banco prepara o lançamento de linhas de crédito para o setor sucroenergético vinculadas à Política Nacional de Biocombustíveis. “A iniciativa está sendo desenvolvida em parceria com o Ministério de Minas e Energia e a ANP”, adiantou Matoso, acrescentando “que as empresas interessadas terão que, obviamente, estar certificadas no RenovaBio e terem já passado pelo crivo da RenovaCalc – ferramenta desenvolvida pela Embrapa para comprovação do desempenho ambiental das usinas de biocombustíveis”.
De acordo com o executivo do BNDES, os desembolsos serão feitos de uma vez e não será necessária a apresentação de projeto. “O que iremos considerar como objetivo é a redução de emissões. Ou seja, na época de contratação da linha, checamos o nível de emissão da atividade financiada e depois de um tempo verificamos se houve queda. Em caso positivo, as taxas de juros serão reduzidas.”
Ainda na Conferência DATAGRO, outras lideranças do setor sucroenergético e de distribuidoras de combustíveis avaliaram como positivo este primeiro ano do RenovaBio. O CEO da Raízen, Ricardo Mussa, disse que o programa, como já era de se esperar, viveu a dor do início de qualquer novo mercado, mas que “gradativamente ajustes serão feitos, fazendo com que o funcionamento flua de modo natural”. Com o tempo, acentuou o presidente do Grupo Ipiranga, Marcelo Araújo, os CBios irão se consolidar como um instrumento de mercado indutor da produção de biocombustíveis.
Percalços e desafios
Todavia, como era aguardado, a travessia do RenovaBio em seu primeiro ano de operação não veio sem percalços. O principal, certamente, foi a pandemia da Covid-19, que levou o CNPE a reduzir, pela metade, as metas de descarbonização previstas originalmente. Diante deste quadro, o mercado ficou paralisado por um determinado tempo e com o anúncio das novas metas houve certa corrida das distribuidoras para compra de CBios, o que se refletiu no valor dos títulos.
“Esse processo de redefinição acabou atrasando a aquisição de CBios por parte das distribuidoras, que iniciaram a compra apenas em meados de setembro”, explica a superintendente comercial de Agronegócios Corporate do Santander, Caroline Perestrelo. “Isso fez o preço do CBio se valorizar significativamente, embora já tenha caído, devido à diminuição da procura com o passar dos meses. A preocupação agora é com questões de judicialização em torno do RenovaBio.”
O evento jurídico ao qual Caroline se refere é relativo ao ingresso na Justiça, por parte da Associação das Distribuidoras de Combustíveis (BrasilCom), que solicitou a redução das metas individuais para 2020 de compras de CBios pelas distribuidoras de combustíveis em 25%, considerando os objetivos originais estabelecidos em março, alegando elevados valores para aquisição dos títulos, bem como tempo exíguo para cumprimento das obrigações. A liminar obtida pela entidade das distribuidoras foi derrubada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), embora o assunto não esteja pacificado, com o risco de novas ações de judicialização.
Na avaliação da Unica, o que parte das distribuidoras buscou na Justiça foi uma autorização para poluir mais. “Esperamos que as autoridades constituídas impeçam tais avanços, já que a lei considera ‘infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente’ (art. 70, da lei 9.605/98). Esperamos, ainda, que tais entidades e companhias se apressem para não perder, na próxima parada, o trem da sustentabilidade, que já partiu. Qualquer coisa diferente disso será um inaceitável atentado contra o Brasil e contra os brasileiros”, reforçou, em comunicado, a entidade.
Em mais um capítulo sobre o assunto, a Associação Brasileira do Biogás (ABiogás), que representa empresas produtoras de biometano – biocombustível elegível no RenovaBio – entrou com pedido junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), no dia 26 de novembro, para se manifestar enquanto Amicus Curiae (amigo da corte) no mandado de segurança impetrado pela Brasilcom. Para o advogado Rafael Filippin, que representa a ABiogás por meio do escritório Andersen Ballão, o argumento das distribuidoras de que a cotação dos CBios ficou muito cara, atingindo cerca de R$ 60, não se sustenta, até porque este patamar mínimo de preço na B3 só foi atingido em três dias, 27, 29 e 30 de novembro, recuando, gradativamente, para em torno de R$ 42 em 04 de dezembro – último dado disponível na bolsa até o fechamento desta edição em 08 de dezembro.
De acordo com o presidente da ABiogás, Alessandro Gardemann, a tentativa da Brasilcom de reduzir a meta anual compulsória das distribuidoras afeta diretamente a demanda de CBios no mercado e, consequentemente, ameaça os direitos das empresas associada da ABiogás. “A tentativa de boicote por meio das distribuidoras demonstra um retrocesso em relação a todos os movimentos globais que buscam solucionar a crise climática atual”, afirma.
Tributação
Outra questão que ronda o RenovaBio são as incertezas tributárias sobre os CBios, conforme alertou, na Conferência DATAGRO, o ex-diretor do departamento de Biocombustíveis do MME, Miguel Ivan Lacerda Oliveira, figura-chave para criação da Política Nacional de Biocombustíveis. Segundo Lacerda, a despeito da derrubada do veto presidencial ao artigo da MP do Agro referente ao tema – o qual definiu que o imposto de renda sobre os CBios será, exclusivamente, na fonte com alíquota de 15% – ainda existem outras indefinições fiscais.
Entre elas, a não regulamentação de impostos sobre pessoas físicas que desejam operar no mercado de CBios – o que diminui a atratividade para as partes não obrigadas, enfraquecendo o potencial de um mercado de terceiros -, bem como a tributação incidente sobre as empresas de biocombustíveis que emitem os títulos. “Isso não está claro nem para o emissor tampouco para o operador financeiro”, observa Lacerda, que complementa: “O Governo Federal deveria enviar ainda este ano uma Medida Provisória regulamentando por completo a comercialização de CBios, promovendo as correções tributárias necessárias”.
Um ano de altos e baixos
Pandemia impactou muito mais preços do etanol do que do açúcar
Não poderia ser diferente. O comportamento dos preços do açúcar e do etanol em 2020 foi, obviamente, influenciado pelos impactos provocados pela pandemia do novo coronavírus. Começando pelo etanol, a derrocada dos preços do biocombustível, simbolicamente, teve seu início no dia 11 de março, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou estado de pandemia global para a covid-19. Com o anúncio, medidas de restrição de circulação foram adotadas mundialmente, diminuindo por consequência a necessidade do uso de combustíveis.
Adiante, este quadro, pouco mais de um mês depois, desencadeou uma queda abrupta das cotações internacionais do petróleo e derivados, que, em meados de abril, recuaram para abaixo de zero. Formou-se, então, uma tempestade perfeita para os preços do etanol, que têm relação intrínseca com os do petróleo. “O setor foi do céu ao inferno”, diz o presidente da DATAGRO, Plinio Nastari.
Contudo, já a partir de maio e junho, com o relaxamento gradual das medidas de restrições de circulação, destaca Nastari, iniciou-se a retomada do consumo de combustíveis, com gradual recuperação dos preços do petróleo e da gasolina, o que também começou a se refletir positivamente nos valores do etanol.
De acordo com a Unica, no acumulado da safra atual, as vendas de etanol, porém, sofrem retração de 12,5%, com um total de 19,05 bilhões de litros comercializados até 16 de novembro. O destaque fica para as exportações, que registram crescimento de 40,8% neste período, somando 1,94 bilhão de litros. Em linhas gerais, a redução de consumo de combustíveis do ciclo Otto [gasolina mais etanol] em 2020 deverá ser de 8,8%, estima o presidente da DATAGRO.
Na avaliação da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a expectativa de recuperação dos preços médios do barril de petróleo, para US$ 45 em 2021, de US$ 41 em 2020, e o relaxamento do distanciamento social devem contribuir para elevar a demanda por combustíveis no próximo ano, podendo beneficiar os fluxos de caixa dos produtores e aumentar a competitividade do etanol brasileiro.
Açúcar
O açúcar, por sua vez, sofreu menos que o etanol, diante dos efeitos da pandemia, avalia a pesquisadora do Cepea/Esalq-USP, professora Heloisa Lee Burnquist, que destaca: “Os preços do adoçante nos mercados internacionais atingiram níveis que não observávamos há cerca de dois, três anos”. Heloisa conta que os elevados estoques de açúcar já estavam sendo desovados na maioria dos países consumidores desde o final de 2019. Este quadro, diz a pesquisadora, impulsionou as exportações brasileiras do produto em 2020, que tiveram como principal destino a China. “Além disso, o fator câmbio também contribuiu para um bom retorno com os embarques do adoçante.”
Dados do Ministério da Economia, de fato, revelam que a exportação brasileira de açúcar mostrou excelente desempenho em 2020. Em novembro, por exemplo, o volume embarcado superou três milhões de toneladas, aumento de 60% na comparação com igual período do ano passado.
No mercado interno, Heloisa relata que, em decorrência das medidas de restrições de mobilidade, também houve aumento no consumo do adoçante, com as pessoas utilizando mais açúcar, na preparação das refeições dentro de casa. Para o professor das Faculdades de Administração da USP em Ribeirão Preto, Marcos Fava Neves, com o incremento nas vendas internacionais de açúcar e dólar em patamares elevados, o setor sucroenergético passa por uma boa fase de redução de alavancagem, a qual deve se estender visto as antecipações de vendas já constatadas. “Ano que vem, temos que alocar mais cana para etanol e fazer o mercado de açúcar permanecer firme”, acentua Fava Neves. “O que determina preço no mercado internacional de açúcar é estoque, e se estamos com estoques baixos, a tendência é altista para safra 2021/22”, conclui Helena.
Blockchain com açúcar
Tecnologia poderá ser empregada para contabilização de CBios
A tecnologia de blockchain, usada largamente para registro de transações financeiras, está sendo aplicada em um projeto de pesquisa, conduzido pela Embrapa em parceria com o setor que atua na cadeia produtiva da cana-de-açúcar. A ideia é gerar uma ferramenta que armazene, registre, organize e rastreie os processos e produtos agroindustriais dessa cadeia, garantindo maior confiabilidade e segurança das informações fornecidas ao consumidor sobre a origem das matérias-primas e insumos.
Por meio de cooperação técnica com a Cooperativa dos Plantadores de Cana do Estado de São Paulo (Coplacana), a Safe Trace e a Usina Granelli, a Embrapa iniciou pesquisas para a geração de ativos e soluções tecnológicas baseados em inteligência artificial, rastreabilidade e sensoriamento remoto. Os trabalhos em campo, liderados pela Embrapa Informática Agropecuária (SP), tiveram início este ano. Dois experimentos são conduzidos em conjunto com produtores de Piracicaba e Tambaú; outro é realizado em Charqueada, todos municípios no interior do estado de São Paulo.
“Há uma demanda recorrente na agricultura pela rastreabilidade dos produtos e processos”, conta o chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Informática Agropecuária, Stanley Oliveira. “Em geral, sistemas baseados em blockchain proporcionam uma forma segura e distribuída para fornecer informações no âmbito de uma cadeia produtiva agrícola, ou de quaisquer outros processos agroindustriais, permitindo rastrear informações como a origem do produto e de insumos, o uso de agrotóxicos na lavoura, entre outras, atendendo às exigências dos consumidores”, exemplifica.
O termo em inglês significa cadeia de blocos, ou seja, a tecnologia permite que as informações sejam registradas em uma sequência de blocos, funcionando como um registro público e impedindo alterações ou fraudes nos processos. “Entre as principais vantagens está a invariabilidade das informações para todos os elos, criando assim um caminho confiável de procedência que fortalece toda a cadeia produtiva”, esclarece o pesquisador da Embrapa, Alexandre de Castro.
Com o desenvolvimento de um sistema de rastreabilidade usando blockchain, as embalagens dos produtos da usina parceira vão receber um selo “Tecnologia Embrapa” e um código QR. Assim, será possível disponibilizar todas as informações coletadas, desde a produção no campo até a chegada ao consumidor final, passando pela moagem da cana-de-açúcar, extração na usina, distribuição e comercialização desses produtos.
“A adoção de tecnologia blockchain pelos cooperados da Coplacana vai proporcionar um ganho efetivo de mercado, uma vez que os elos agrícola, industrial, certificador e distribuidor envolvidos na cadeia produtiva passarão a estabelecer uma relação de confiabilidade nos dados compartilhados”, afirma o pesquisador da Embrapa, Fábio Cesar da Silva. “O consumidor também ganha mais transparência, elegendo produtos com uma rastreabilidade confiável, além de maior segurança alimentar e ambiental”, complementa.
O acordo com a cooperativa inclui a geração de processos agropecuários, softwares, modelos, banco de dados e metodologia técnico-científica. Por meio da parceria, ainda será criada uma tecnologia baseada em sensoriamento remoto para organizar, processar e disponibilizar em nuvem imagens de satélite proximais, suborbitais e orbitais, aplicadas a análises de lavouras da cana-de-açúcar, que vão contribuir para apoiar o planejamento e o controle operacional da cultura, tanto na fazenda como em talhões.
Outra novidade é que imagens aéreas de canaviais serão usadas em uma solução tecnológica para detecção de doenças das plantas e pragas daninhas, deficiências nutricionais, estresse hídrico e estimativas de produção de biomassa. O diagnóstico vai permitir aos produtores a adoção de medidas de controle com mais rapidez e eficiência.
“É um novo modelo de trabalho com esses cooperados, que traz segurança e promove maior integração, já que estão participando das pesquisas e do desenvolvimento das soluções e contando com a expertise da Embrapa”, destaca o gerente técnico corporativo da Coplacana, Francisco Severino. Com 71 anos de atuação no mercado, a cooperativa firmou o acordo com a Embrapa no fim de 2019. “É o primeiro investimento da história da Coplacana em pesquisa, a primeira parceria dessa natureza”, comemora.
Rastreabilidade no RenovaBio
A tecnologia blockchain também apresenta inúmeras vantagens com relação à segurança criptográfica de dados. Além de custodiar informações de interesse de consumidores da cadeia produtiva sucroenergética, nos modelos empresa para empresa (B2B, na sigla em inglês) e empresa para consumidor (B2C), o sistema de rastreabilidade que será implantado na Usina Granelli vai armazenar dados primários de custódia da Política Nacional de Biocombustíveis, o programa RenovaBio.
A custódia das informações ao longo do fluxo de produção é considerada crucial para identificar gargalos econômicos e tecnológicos do setor, ajudando na assertividade das medidas corretivas e alavancagem na emissão de CBios. Por isso, a equipe do projeto está trabalhando no desenho dos processos agroindustriais para rastrear os CBios, além de fazer o levantamento de certificações de interesse estratégico do programa.
Uma solução tecnológica de blockchain que será desenvolvida pela Embrapa e pela Safe Trace poderá ser empregada em toda a cadeia produtiva, passando pela produção de matéria-prima, industrialização e comercialização dos CBios. Essa tecnologia será capaz de registrar, armazenar, organizar, rastrear e disponibilizar informações coletadas ao longo da cadeia, desde a implantação no campo até as etapas finais de extração, tratamentos, fermentação e destilação para etanol nas unidades agroindustriais.
“A parceria realizada entre a Usina Granelli, a Embrapa e a SafeTrace será algo primordial e revolucionário no setor sucroenergético. Trabalhos de rastreamento sempre foram vistos na pecuária e no cultivo de grãos, contudo não havia histórico dessa tecnologia na cadeia produtiva da cana-de-açúcar”, lembra a diretora jurídica da usina, Mariana Abdalla Granelli.
Para a executiva, as vantagens da cooperação serão sentidas tanto pelo agricultor e indústria, quanto pelo consumidor, uma vez que a qualidade do produto final será garantida pelo rastreamento feito pela SafeTrace e chancelada pela Embrapa, agregando valor na venda do açúcar mascavo. “O agricultor terá capacidade de avaliar as práticas de manejo de suas terras, possibilitando um controle mais assertivo dos tratos culturais e rendimentos de sua plantação. Já para a agroindústria, essa nova tecnologia permitirá maior comando e gerência sobre os processos industriais, tornando-os padronizados e mais precisos”, diz.
Confiança e transparência em todo o processo
Blockchain é uma tecnologia de registro descentralizado, ou seja, um livro-razão distribuído que utiliza códigos de autenticação criptográfica como medida de segurança. Assim, são atribuídas assinaturas digitais às informações registradas, que garantem imutabilidade e transparência nas transações, substituindo processos manuais de verificação de autenticidade e criando um ambiente de confiança de dados compartilhados entre os participantes de cadeia.
O principal objetivo é trazer mais transparência e confiabilidade ao processo de compartilhamento de informações, beneficiando todos os interessados que atuam na cadeia. “Sistemas de criptografia ainda permitem que os dados trafeguem na rede com mais rapidez e sejam acessados de forma absolutamente segura”, afirma o presidente da Safe Trace, Rodrigo Argüeso. A empresa, em parceria com o CPQD, já emprega a tecnologia na produção de carne bovina, café, frutas, legumes e verduras.
A Embrapa Meio Ambiente (SP) e a Embrapa Informática Agropecuária também estão desenvolvendo outras soluções tecnológicas digitais para aprimorar o processo de certificação do RenovaBio. Pelo potencial impacto que a tecnologia de blockchain pode provocar no setor, algumas empresas já formalizaram interesse em que as pesquisas sejam estendidas às cadeias de etanol de milho e biodiesel de soja, por exemplo.
“É uma satisfação estarmos agora em uma cadeia tão importante como a da cana-de-açúcar, trabalhando em conjunto com a Embrapa. Esperamos que isso se estenda a outras cadeias produtivas. Em conjunto, temos muito a contribuir para a evolução e a sustentabilidade do agronegócio brasileiro”, ressalta o executivo.
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