Voar é para poucos

Por Tiago Dupim Em um país de dimensões continentais e com fronteiras agrícolas distantes milhare


Edição 20 - 10.07.20

Por Tiago Dupim

Em um país de dimensões continentais e com fronteiras agrícolas distantes milhares de quilômetros umas das outras, o agronegócio precisa de asas. Insumos precisam chegar às fazendas, que não podem parar de produzir e transportar produtos para as grandes cidades. E mais do que nunca, com todos em casa, a logística é fundamental para garantir o abastecimento durante esse período difícil. Nesse caso, os caminhões conseguem cumprir o papel em boa parte das vezes. No entanto, em outras, a única alternativa ainda é por meio aéreo. Principalmente quando falamos do deslocamento de profissionais que estão nessa cadeia produtiva. A circulação de produtores, técnicos e executivos de empresas do setor pelo Brasil era intensa até meados de março passado, quando as restrições à circulação de pessoas levaram ao cancelamento maciço de voos em todo o mundo. No Brasil, a aviação civil sofreu um baque.

O número de cidades atendidas por operações regulares de companhias aéreas caiu de 106 para 46. Dos 14.781 voos semanais realizados antes da crise, ficaram apenas 1.241 – a preocupação das autoridades brasileiras foi garantir, além da circulação emergencial de pessoas, o transporte de equipamentos e insumos para a área de saúde. Foram mantidos voos em todas as 27 capitais e em mais 19 localidades. Com isso, destinos importantes do agronegócio brasileiro ficaram desassistidos. No Centro-Oeste, por exemplo, foram suspensas as rotas para cidades como Sorriso, Sinop e Alta Floresta, bem no coração da principal região produtora de grãos do País.

No Sudeste, fora as capitais, os voos estão mantidos, embora em número reduzido, nos aeroportos de Campinas, Montes Claros (polo de produção de banana e limão), Uberlândia (destaca-se na cultura de cana-de-açúcar e gado, além de ser um hub importante para o cerrado mineiro, muito forte em grãos) e São José do Rio Preto (importante na plantação de cana-de-açúcar e laranja). Na região Nordeste, estão mantidas cidades como Juazeiro e Petrolina, que são polos de frutas. Ilhéus, forte na plantação de cacau, também está na lista, junto com Imperatriz, que atende aos produtores de grãos do Matopiba. Quem fica mais desassistida é a região do oeste da Bahia (como Barreiras e Luís Eduardo Magalhães), que se destaca em grãos e algodão.

“Nem tudo conseguimos resolver através de videoconferência. Há uma limitação, principalmente quando envolve negociação. Nesse caso é necessário um encontro presencial”, aponta Sergio Pitt, produtor rural que atua no oeste baiano. Pitt relata que viajava ao menos três vezes por mês, utilizando serviços da aviação comercial regular antes da pandemia. Agora, foi obrigado a diminuir a frequência e passou a usar o táxi-aéreo quando necessário. “O impacto é grande”, diz.

No Sul, somam-se às três capitais as cidades de Navegantes, Chapecó, Londrina e Foz do Iguaçu. O Rio Grande do Sul sofreria mais caso não fosse o início do período de entressafra. “Até o final de março estávamos conseguindo operar. Mas agora entraremos num momento de incertezas”, comenta Gabriel Colle, diretor executivo do Sindag (Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola).

NOVOS HÁBITOS

Com a pandemia, a tendência é que alguns fazendeiros mudem o estilo de vida depois que tudo passar. Um grande pecuarista do Mato Grosso, que mora em São Paulo e preferiu não se identificar, diz que viajava ao menos uma vez por semana para Cuiabá. Agora, está em casa. “Mesmo quando a pandemia acabar, irei menos para Cuiabá”, confidenciou. Ele se preocupa, no entanto, com o andamento dos projetos que exigem viagens de técnicos e precisaram ser canceladas. Em várias ocasiões, revela, tem buscado orçamentos para fretamento de aeronaves.

Com a escassez de voos comerciais, o táxi-aéreo virou uma solução rápida. “Com o cancelamento desses voos da aviação comercial e regional, a tendência é crescer a quantidade de operações no táxi-aéreo. E quem já tem aeronave continuará usando. A conexão aérea segue ininterrupta”, comenta Francisco Lyra, presidente da consultoria C-Fly Aviation e do Instituto Brasileiro de Aviação.

Em fazendas ao redor do mundo, os aviões executivos não são um luxo. Mais do que necessidade, funcionam como uma importante ferramenta de trabalho. A maioria daqueles escolhidos para apoiar o agronegócio é capaz de operar nas pistas irregulares que conectam campos e confinamentos, transportando produtores, agrônomos, veterinários e especialistas em culturas para instalações remotas e reuniões a centenas de quilômetros da base. “Acessar lugares remotos e conseguir voltar para casa no mesmo dia acaba sendo um privilégio para esses executivos”, afirma Lyra.

Com a diminuição dos voos comerciais, a tendência é que os empresários do agro também procurem mais a aviação executiva para se locomoverem, sobretudo se precisarem pousar em cidades menores. “A nossa expectativa para os meses de maio e junho é registrar um crescimento nesse setor”, comenta Paul Malicki, CEO da Flapper, empresa de aviação executiva sob demanda que oferece reservas por assento e fretamento de aviões para voos charter.

Em época de pandemia, o táxi-aéreo leva ainda mais uma vantagem. Tecnicamente, a chance de um viajante da aviação executiva contrair o novo coronavírus é menor do que na aviação comercial. Enquanto um passageiro convencional pode contrair a Covid-19 em diversas fases do processo da viagem, no voo privado isso se resume há apenas cinco: transporte de ida e volta (carro) até o aeroporto, o contato com os agentes do FBO (Fixed Base Operator) ou do hangar executivo (geralmente são dois no embarque e outros dois no desembarque) e, por último, o contato com a tripulação.

Hoje, o Brasil conta com uma frota de aproximadamente 12 mil aeronaves privadas. Elas são responsáveis por ligar os mais de 4 mil aeródromos e pistas no Brasil. Dessas, apenas 700 são pavimentadas. Elas estão em cidades pequenas e fazendas, justamente para atender basicamente o setor do agro e o segmento aeromédico. “Com a escassez dos voos comerciais, percebemos um aumento na demanda para esse tipo de voo. Nosso trabalho tem um caráter de personalização. Conseguimos fazer a rota exatamente de acordo com as necessidades do cliente, eliminando imprevistos como atrasos e cancelamentos”, conta Bruna Strambi, diretora superintendente de Manutenção, Fretamento e Gerenciamento de Aeronaves da Líder Aviação.

A unidade de fretamento e gerenciamento de aeronaves da empresa mineira conta com 19 aviões e 5 helicópteros. “O agronegócio é um setor muito importante para o fretamento executivo da Líder. Temos até mesmo contratos de aeronaves destinadas a algumas empresas que realizam o transporte dos funcionários diariamente”, revela Bruna. De forma geral, a empresa mineira experimentou um crescimento de 12% em número de cotação.

O valor médio hoje de um voo executivo com a Flapper, por exemplo, é R$ 25 mil por voo para um avião de seis a oito lugares entre capitais do Sudeste. No agronegócio, por serem rotas geralmente mais longas, o preço fica um pouco mais salgado. Um voo com aeronaves semelhantes, ligando São Paulo a Sinop, por exemplo, custa em torno de R$ 50 mil.  Segundo Malicki, o segmento representa entre 5 e 10% nos negócios da empresa. “Em março, tivemos uma alta de 12% nos pedidos de voos fretados no mercado doméstico. Observamos um movimento interessante entre pessoas que moram nos grandes centros, como São Paulo e Rio de Janeiro, indo para as suas fazendas. São vários pedidos também para Goiás e o interior de São Paulo”, revela Malicki.

Os mais procurados

Os aviões preferidos para o setor do agro são aqueles capazes de operar em pistas não preparadas (terra ou grama). Mas há também os mais abastados, que fretam jatos executivos de médio ou grande portes e conseguem pousar nas suas pistas particulares. As aeronaves mais utilizadas são:

King Air C90GTX: é o modelo mais vendido da consagrada família King Air. É, literalmente, o rei do agribusiness e muito popular na região Centro-Oeste. Esse bimotor turbo-hélice se destaca por operar em pistas curtas e não preparadas. Tem capacidade para até 6 passageiros. Preço: US$ 3,3 milhões

Pilatus PC-24: é o primeiro jato capaz de pousar em pistas não pavimentadas. Com um conceito inovador, ele inaugurou a categoria Super Vesatile Jet. Mescla o luxo e a sofisticação de um jato executivo com a versatilidade e a flexibilidade de um turbo-hélice. Pode acomodar até 8 pessoas e tem um grande espaço para bagagem. Preço: US$ 8,9 milhões

TBM 850: é um monomotor turbo-hélice francês de alto desempenho, com capacidade para um piloto e mais 5 passageiros. Destaca-se pela manutenção relativamente rápida e barata. Preço: US$ 3,1 milhões.

HondaJet Elite: é o jato mais vendido da sua categoria. Pode acomodar até 6 passageiros. Esta versão vem com um pacote de melhorias, que inclui um alcance estendido de 17% em relação ao modelo anterior. Preço: US$ 5,3 milhões.

Grand Caravan EX: é um dos turbo-hélices mais famosos do mundo. Pode pousar e decolar de pistas curtas (apenas 426 m) e não preparadas. Acomoda até 9 passageiros e é muito utilizado também no transporte de cargas. Preço: US$ 4 milhões.