Edição 19 - 20.05.20
Em 1975, Pol Pot, o sanguinário ditador do Camboja, tomou uma decisão estúpida. Pot considerou os grãos de pimenta cultivados há séculos no país como um símbolo do colonialismo e obrigou os agricultores a trocá-los por arroz. Enquanto a pimenta cambojana era reconhecida como a melhor do mundo, o arroz local não se diferenciava em nada daquele que era produzido nas nações vizinhas, como Vietnã e Tailândia. Resultado: a agricultura do Camboja perdeu uma de suas principais referências, o que acabou levando milhares de produtores à falência. A partir do final dos anos 1990, quando o regime do Khmer Vermelho perdeu energia – e após ter deixado um saldo de 2 milhões de mortos, num dos maiores genocídios do século 20 –, a pimenta voltou a ser cultivada sem restrições. Agora, ela não só recuperou o brilho de antigamente como aqueceu o mercado agrícola do Camboja, gerando empregos e abrindo novas fronteiras comerciais.
Os cambojanos voltaram às velhas práticas agrícolas que marcaram as famílias durante gerações. As pimentas são plantadas em torno de estacas de 3 metros e depois crescem apoiadas nessas enormes torres. Cada um dos postes deve ser regado com 7 ou 8 litros por dia e a colheita é sempre manual. Tudo é produzido organicamente. Os grãos de pimenta aparecem pela primeira vez em setembro e amadurecem no Ano-Novo. Depois de colhidos, secam ao sol por alguns dias. Segundo chefs de cozinha, a pimenta Kampot cai bem com qualquer tipo de alimento. A preta é usada normalmente para acompanhar carnes vermelhas, a vermelha ressalta o sabor de sobremesas e a branca, de acordo com especialistas, é parceira ideal para peixes, saladas e molhos. Os grãos verdes têm sabor mais sutil e devem apimentar frutos do mar e frango.
Atualmente, o quilo da pimenta do Camboja é vendido, em média, por US$ 20, ou três vezes mais do que a planta produzida no vizinho Vietnã. Vale a pena pagar mais caro? Os especialistas garantem que sim, apostando no apelo duradouro da qualidade superior da pimenta Kampot. “Quando você experimenta a pimenta Kampot, sua boca fica quente no começo”, disse So Sokha, dono de uma rede local de restaurantes, à reportagem da inglesa BBC. “Então, o sabor se acalma e você sente o gosto único na parte de trás da língua.” Diversas fazendas no Camboja oferecem programas de degustação. Algumas delas usam velhos truques. Primeiro colocam na mesa pimentas de baixa qualidade e depois as melhores. Os turistas que participaram da experiência dizem que a comparação é desigual. O efeito das pimentas de baixa qualidade não dura mais do que 40 segundos, enquanto os grãos da Kampot provocam uma sensação de formigamento na boca que permanece por vários minutos.
O maior centro produtor de pimentas no Camboja fica em Kampot, uma cidade com 50 mil habitantes perto do paradisíaco Golfo da Tailândia. Quase um terço da população local tem alguma conexão com essa planta, trabalhando diretamente nas lavouras ou distribuindo o produto para outras regiões dentro e fora do país. Não à toa, a pimenta Kampot está ganhando, especialmente na Europa, status de especiaria. Em 2010, ela recebeu o selo “Indicação Geográfica Protegida (IGP)”, concedido pela Organização Mundial do Comércio para produtos gastronômicos ou agrícolas tradicionalmente produzidos em uma região, como é o caso do champanhe originário da região de Champagne-Ardenne, na França, ou o presunto de Parma, na Itália. Outros prêmios internacionais vieram e a Kampot acabaria se tornando a pimenta mais premiada do mundo.
Em 2019, o Camboja produziu aproximadamente 100 toneladas de pimenta Kampot orgânica, ou cinco vezes mais do que uma década atrás. Mesmo assim, o número é modesto se comparado às 150 mil toneladas de pimenta convencional saídas das lavouras do Vietnã. Ao contrário dos vizinhos, porém, o Camboja foca em qualidade e não necessariamente em volume. Quanto melhor for a excelência do produto, maior será a disposição dos clientes para pagar mais. Atualmente, metade da produção cambojana é exportada para a Europa, principalmente para países como França, Inglaterra e Itália. Nos últimos anos, os americanos aumentaram as suas encomendas, mas o número continua baixo. O problema é que o Camboja perdeu tempo demais com as políticas restritivas do regime Khmer Vermelho. O caminho é longo para recuperar o tempo perdido.
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