Quanto vale a floresta em pé

Por Romualdo Venâncio, de Tabaporã (MT)* A cena não dura mais que uns poucos minutos. São sufici


Edição 16 - 10.09.19

Por Romualdo Venâncio, de Tabaporã (MT)*

A cena não dura mais que uns poucos minutos. São suficientes para que um operador de motosserra atravesse o tronco de uma cambará e leve ao chão a árvore de aproximadamente 15 metros de altura, que deve ter levado mais de uma década, pelo menos, para alcançar tal medida. Naquele curto espaço de tempo, tudo impressiona: o estridente barulho do equipamento cortante, a habilidade do profissional que o conduz, o estalo da árvore anunciando que é melhor se afastar e, finalmente, a imagem de sua queda. Embora a grande maioria das dezenas de pessoas ao redor, assistindo àquela cena, já esteja familiarizada com a atividade, é visível pelas expressões o quanto a imagem é impactante. Mas o que mais chama a atenção acontece bem antes desse momento. Tudo foi criteriosamente planejado e executado para mostrar que derrubar aquela árvore é o caminho para se manter a mata em pé, fazendo a exploração de madeira em equilíbrio com a preservação e a regeneração da floresta. Ela só foi cortada por estar madura e porque, a partir dali, deixaria de evoluir e logo entraria em um processo de perdas.

A cambará abatida diante de tantos olhares passa uma mensagem poderosa. Seu corte fez parte da programação do Dia na Floresta, um encontro realizado pelo Centro das Indústrias Produtoras e Exportadoras de Madeira do Estado de Mato Grosso (Cipem), na Fazenda Sinopema (Tabaporã-MT), com o intuito de mostrar, em teoria e prática, o que é o manejo florestal sustentável e quais são seus benefícios. Realizado no coração de uma das principais regiões produtoras de grãos do País – e no epicentro de polêmicas ambientais com repercussão internacional – o evento revela como uma alternativa econômica viável ao desmatamento ilegal e criminoso pode ser a chave para gerar desenvolvimento sustentável. A produção legal de madeira é a quarta atividade econômica mais relevante de Mato Grosso, gera cerca de 90 mil empregos, entre diretos e indiretos, e no ano passado movimentou R$ 2 bilhões em vendas de produtos florestais.

Representantes do setor apostam que tal relevância pode ser maior, e que essa cadeia produtiva pode se tornar a terceira ou até mesmo a segunda atividade econômica mais importante do estado. Essa perspectiva está baseada, principalmente, no crescimento do manejo florestal sustentável. E, para que esse ganho ambiental também se transforme em oportunidades comerciais, é preciso que o mercado e a sociedade, dentro e fora do País, reconheçam os benefícios do sistema. Esse é o objetivo do Cipem, que é composto por oito sindicatos do setor madeireiro. Para o Dia na Floresta – organizado em parceria com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema-MT) e o Fórum Nacional das Atividades de Base Florestal (FNBF) – a ideia foi, literalmente, impactar um público qualificado. A cambará caiu diante de cerca de 120 pessoas, entre representantes dos poderes públicos (executivo, legislativo e judiciário), técnicos, produtores, estudantes e imprensa.

Essa iniciativa é a continuidade de um trabalho permanente do Cipem para mudar a imagem do setor madeireiro de Mato Grosso junto à sociedade. Na verdade, a entidade surgiu por esse motivo. “O Cipem foi formado em 2004, quando o estado enfrentou um grande problema ambiental. Com isso, acabamos unindo forças e nos organizando como setor e cadeia produtiva”, comenta Rafael José Mason, presidente da instituição. O “problema” a que se refere o dirigente foi o impacto, no mundo todo, dos índices de desmatamento na Amazônia Legal divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Sobretudo os dados referentes a 2003 e 2004. De acordo com o Inpe, em 2003 a área desmatada em Mato Grosso, dentro da Amazônia Legal, foi de 10.405 km2 e, em 2004, de 11.814 km2. O reflexo foi imediato e bastante negativo para o setor. Blairo Maggi, governador do estado naquele período, chegou a convocar uma coletiva de imprensa para rebater a forma como os números foram divulgados e falar sobre as ações locais para combater e reduzir o desmatamento.

Para o Cipem, houve grande prejuízo à atividade porque aqueles dados não diferenciavam o que era devastação (a exploração predatória), corte raso (quando as árvores são totalmente retiradas para implantação de outra cultura, como grãos ou pastagem), manejo florestal e manejo florestal sustentável. O incômodo e a movimentação do setor naquele período crítico parecem ter dado resultado, pois os índices foram caindo e, em 2010, o relatório do Inpe mostrava um número bem diferente em relação ao desmatamento da Amazônia Legal em Mato Grosso: 871 km2. No ano passado, esse índice foi de 1.749 km2, aumento de 12% sobre 2017.

Agora, o estado tem mais agilidade, precisão e transparência para mostrar o que de fato acontece na base florestal. “Desde o final de 2018, a Sema implantou o Portal da Transparência, que é por onde nos comunicamos com a sociedade de forma ampla. E os dados que fornecemos têm sido levados pelos empreendedores do estado a feiras e demais eventos sobre produção florestal”, explica Mauren Lazzaretti, secretária de Meio Ambiente de Mato Grosso. “Esse tem sido um grande diferencial dessa gestão, promover a aproximação do setor produtivo e dos órgãos de controle”, acrescenta. A secretaria conta, por exemplo, com o monitoramento diário a partir de imagens Planet, captadas por nanossatélites Dove, que têm resolução de 3 metros de qualquer local do planeta. Para a secretária, isso agrega valor ao processo de decisão e gestão do setor.
Mauren afirma ainda que, para atender com eficiência à cobrança mundial de que o Brasil preserve a floresta e gere renda, é preciso haver igualdade social. “Se não for dessa forma, teremos apenas custo para o País”, diz a secretária, que continua: “O Mato Grosso quer mostrar que existem alternativas para manter a floresta em pé, gerar renda e promover essa igualdade social com o manejo florestal sustentável. E esse produto florestal vai para todo Brasil e para o mundo, gerando diversos outros insumos de um recurso natural que é renovável”.

MANEJO SUSTENTÁVEL

Quem visita a Fazenda Sinopema, pela primeira vez, só vai identificar de fato a atividade realizada ali ao chegar em uma das esplanadas, o local de manejo da madeira. É onde as árvores são medidas, cortadas, transformadas em toras e preparadas para o transporte. Mas, de maneira geral, a visão que se tem dos cerca de 52 mil hectares da propriedade é da vegetação nativa espalhada por todo lado, com grande diversidade de espécies de flora e fauna, o que torna difícil imaginar que se trata de uma área de exploração de madeira. Após a retirada das árvores que estão em ponto de colheita, aquela determinada área fica preservada por 25 anos. Durante esse período, ocorre a regeneração da mata e a vegetação cobre totalmente os espaços abertos para manejo e transporte.

O procedimento todo começa com o inventário florestal. Cada árvore com destino comercial recebe uma plaquinha de identificação com a numeração que estará conectada a todos os dados referentes à produção e às autorizações legais. Isso tudo é inserido e processado pelo programa de gestão da fazenda e se torna a base para a cadeia de custódia– a documentação cronológica que abrange, do início ao fim, todas as etapas que envolvem essa madeira, uma exigência legal que assegura a transparência.

As informações no sistema de gestão indicam quais são as árvores prontas para serem colhidas, principalmente o diâmetro. “Se não tem diâmetro mínimo determinado por lei para ser cortada, fica como remanescente”, explica Angeli Katiucia Guterres, engenheira florestal e responsável técnica da Sinopema. Essa identificação é transmitida à equipe de campo. Quando a árvore é derrubada, o operador de motosserra retira a plaquinha, prende-a no toco e anota o número no tronco, que será arrastado até a esplanada. Há um cuidado especial para que o impacto de todo o trabalho seja o menor possível. A queda da árvore, por exemplo, pode ser direcionada dentro de um raio de 90° para evitar que atinja as remanescentes. O percurso todo para o transporte dentro da mata é planejado para que as máquinas entrem e saiam pela mesma via. “Dessa forma a gente mantém a estrutura da floresta”, diz Katiucia.

Luiz Fávero, dono da Fazenda Sinopema

Já na esplanada, a árvore é transformada em três ou quatro toras, dependendo da espécie e do tamanho. Essa matéria-prima é levada em seguida à esplanada central, onde já é preparada para o carregamento final e transportada até a serraria. A saída da árvore é comunicada via rádio ao gerenciamento, que dá baixa no sistema. O controle continua, pois é preciso que chegue até a outra ponta da cadeia.

O presidente do Cipem conta que também procuram estimular o consumidor final a cobrar essa seriedade quando buscam um produto fabricado com madeira. “Incentivamos o consumidor a questionar a origem da madeira, se tem nota fiscal, se há a documentação de liberação dos órgãos ambientais e se as informações são claras. Dessa forma, é possível saber exatamente o que está levando e que não vai destruir a floresta. Pelo contrário, vai ajudar a salvá-la”, acrescenta.

O conceito de sustentabilidade aplicado na base florestal de Mato Grosso também já garantiu parcerias para atrair investimentos internacionais. É o caso da participação, no Dia na Floresta, da IDH, Iniciativa para o Comércio Sustentável, uma fundação holandesa privada que é mantida por investidores europeus interessados no acesso a commodities sustentáveis. Marcela Paranhos, gerente de Investimentos da IDH no Brasil, conta que até 2016 trabalhavam com uma abordagem por setor, mas a partir daquele ano mudaram para o que chamam de paisagem, ou seja, uma abordagem territorial, envolvendo todas as atividades de produção de commodities naquela área. Para Mato Grosso, os recursos disponíveis somam 9 milhões de euros para o período que vai desde aquela alteração até 2020. “A parceria com o Cipem é para mostrar informações do setor de madeira ao mercado global, e assim avançar nesse mercado”, afirma Marcela. A IDH já é parceira do governo estadual para apoiar o plano de Produção, Conservação e Inclusão, o PCI, iniciativa lançada na Convenção do Clima (COP 21), realizada em dezembro de 2015, em Paris, na França.

CONEXÕES E DESAFIOS

Rafael Mason, presidente do Cipem

Luiz Carlos Fávero, proprietário da Fazenda Sinopema, vem de uma família que sempre trabalhou com madeira. Primeiro na Serra Gaúcha, depois no Paraná e, enfim, em Mato Grosso. Bem antes das duas edições do Dia na Floresta, o empresário e sua propriedade já eram referência do setor na região. “Sou madeireiro aqui há 40 anos, cheguei a participar do conselho da Federação [das Indústrias no Estado de Mato Grosso – Fiemt], fui fundador de sindicato, estamos bastante integrados”, comenta. Esse relacionamento com os diversos elos do setor e com os órgãos responsáveis, como ministérios, secretarias e entidades, tem sido de grande ajuda tanto para colocar em prática quanto para divulgar e propagar o manejo florestal sustentável. “Precisamos estar conectados com esse pessoal. E eles com a gente, pois somos o campo técnico, é aqui que a coisa acontece”, comenta Fávero.

Mason faz coro com a opinião do produtor, pois vê na relação com os órgãos públicos um grande desafio para o setor. Segundo o dirigente, em Mato Grosso a questão legislativa até que vai bem, mas reclama da falta de políticas federais mais adequadas e em sintonia com a realidade da base florestal, que além da Sema e do Ibama ainda passa pela fiscalização do Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso (Indea) e da Polícia Rodoviária Federal. “É preciso um olhar nacional para nossas dificuldades”, afirma. Essa atualização da visão sobre a atividade contribuiria, inclusive, para melhorar a relação com a sociedade. “Há um grande preconceito quanto à forma de se fazer a supressão de uma árvore, como se estivéssemos acabando com a natureza. É exatamente o contrário, o manejo sustentável pode manter a preservação de uma floresta a longo prazo. Precisamos dessa floresta em pé para mantermos nossas indústrias ativas e ter sustentabilidade social e ambiental e trabalho em nossa região.”

Mauren Lazzaretti, secretária do Meio Ambiente de Mato Grosso

Isso tudo vai também contribuir para a sustentabilidade econômica da cadeia produtiva de madeira que, segundo Mason, consegue ter lucratividade “considerada normal para a atividade”. Na opinião de Fávero, a maior rentabilidade pode vir de ações do próprio setor. “Nosso mercado tem de se reinventar, o madeireiro precisa agregar valor aos produtos. A tora que sai daqui, por exemplo, vai para a serraria e lá essa madeira bruta já tem outro valor. O mesmo acontece após a transformação, que pode ser para forro, assoalho, deque, madeira especial para construção e arquitetura, o que pode triplicar o valor. Toda a cadeia pode ganhar com isso”, analisa o dono da Sinopema.

O presidente do Cipem destaca também a logística como um dos grandes entraves do setor. Na verdade, é um desafio comum à maioria das atividades do agronegócio, e mais ainda para as voltadas à exportação, como a produção de madeira, grãos e fibras. “Somos um país continental e continuamos a depender muito do transporte sobre rodovias, com caminhões, o que impacta demais em nosso custo”, afirma Mason. A expectativa da passagem de uma ferrovia pela cidade mato-grossense de Sinop, fazendo uma conexão com a Ferrovia Norte-Sul, anima o dirigente, mas sem exageros. “Essa linha férrea será de extrema importância, principalmente para atendermos novos mercados de exportação. Mas como aqui no Brasil as coisas demoram a acontecer e, por enquanto, só temos promessa, nada definido, aguardemos.”

O otimismo fica mesmo pelo balanço do Dia na Floresta. Segundo Mason, a evolução desta edição em relação à primeira foi enorme, em todos os sentidos. Agora a régua aumentou e elevou as expectativas para o ano que vem. “Queremos dobrar, trazer muito mais pessoas, transmitir mais conhecimento e mostrar que estamos de portas abertas para o setor e para o mundo, para verem nossa atividade de uma forma melhor, sem preconceito, e que ajudamos a manter a floresta em pé”, diz o presidente do Cipem. “Nosso trabalho é uma referência e um ponto de reverberação disso tudo.”

A PRODUÇÃO DE MADEIRA EM MATO GROSSO

• 3,7 milhões de hectares – é dessa área de florestas privadas e manejadas que sai praticamente toda a madeira mato-grossense, e a perspectiva é de chegar a 6 milhões de hectares até 2030.

• A produção de madeira no estado agrega mais de 5 mil produtores, 617 companhias que realizam beneficiamento, desdobramento e industrialização de madeira e 389 comércios. Essas empresas geram cerca de 90 mil empregos diretos e indiretos.

• A atividade florestal é a base econômica de 44 municípios mato-grossenses e é a quarta economia do estado.

• Em 2018, a atividade florestal movimentou R$ 2 bilhões em vendas de produtos e arrecadou R$ 53 milhões em ICMS e mais de R$ 23 milhões para o Fethab (Fundo Estadual de Transporte e Habitação).

• As espécies mais comercializadas em Mato Grosso no ano passado foram:

– Cambará (265.892,92 m3);

– Cedrinho (224.494,84 m3);

– Cupiúba (145.074,11 m3);

– Tauari (121.712,04 m3);

– Angelim-pedra (117.274,99 m3);

– Garapeira (104.228,32 m3);

– Ipê (86.605,42 m3);

– Amescla (70.836,21 m3);

– Itaúba (53.634,70 m3);

– Maçaranduba (53.245,57 m3);

– Jatobá (50.369,45 m3);

– Champanhe (37.495,30 m3);

– Cumaru (28.941,55 m3);

– Caixeta (24.965,05 m3);

– Angelim (23.072,41 m3);

– Canelão (20.756,57 m3);

– Maracatiara (18.424,37 m3);

– Angelim-saia (17.330,72 m3);

– Peroba (10.148,97 m3).

Fonte: Cipem e Sema

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