Edição 14 - 21.05.19
Por Romualdo Venâncio
Entre os objetivos de longo prazo estabelecidos no Programa Nacional de Desenvolvimento da Fruticultura (PNDF), lançado em fevereiro do ano passado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), está alcançar, até o ano de 2028, a marca de US$ 2 bilhões em exportações de frutas frescas e derivados. A ambiciosa meta tem como estímulo um fato que provavelmente incomoda os representantes de toda a cadeia produtiva: não alcançar e menos ainda superar o recorde cravado em 2008, quando as vendas do setor para o mercado global somaram US$ 1 bilhão, segundo dados do próprio Mapa. O inconformismo não se baseia apenas nas cifras, mas também no fato de que se tem algo que não falta à fruticultura brasileira é potencial para avançar em quantidade, qualidade e valor agregado.
No ano passado, a distância daquela marca de dez anos atrás até que ficou menor. “Foram US$ 900 milhões em exportações em 2018”, afirma Luiz Roberto Barcelos, presidente da Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas). O tom do comentário feito pelo dirigente não é, necessariamente, de comemoração. “O Chile exporta US$ 4,5 bilhões. Podemos crescer muito em volume e valor”, acrescenta o executivo, que conhece bem esse terreno de oportunidades. Barcelos é proprietário da Agrícola Famosa, empresa localizada em Mossoró (RN), na divisa com o Ceará, que lidera a produção nacional de melão e a exportação de frutas. Cerca de 60% do que a Famosa produz vai para o mercado externo, principalmente Inglaterra, Holanda e Espanha.
O fato de o Brasil ser o terceiro maior produtor mundial de frutas, atrás apenas de China e Índia, amplia o incômodo pela pacata 23ª posição entre os exportadores. Para abrir espaço no mercado internacional, Barcelos diz ser essencial a Análise de Risco de Pragas (ARP), a fim de eliminar as possibilidades de “exportar” algum problema aos clientes. “Também precisamos profissionalizar mais a atividade, criar a cultura exportadora e ter relacionamento com o mercado e autoridades”, sugere o produtor, que também é presidente da Comissão Nacional de Fruticultura da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
Isso já vinha acontecendo após a fundação da Abrafrutas, há cinco anos, exatamente com o intuito de otimizar o aproveitamento da fruticultura nacional e conquistar mais espaço tanto no mercado externo quanto no interno, entre outros motivos. “Começamos com 28 associados e hoje já são 64 empresas que respondem por 85% das exportações brasileiras de frutas”, diz Barcelos. No final de outubro de 2018, a entidade deu um importante passo para aumentar as chances de progressão do setor em diversas direções. Uma parceria formada por Abrafrutas, CNA e o programa Hortifruti Saber & Saúde lançou o inédito relatório Cenário Hortifruti Brasil.
COORDENADAS MAIS PRECISAS
O estudo que apresenta um panorama detalhado sobre os setores de frutas e hortaliças foi construído a partir do cruzamento e do processamento de dados já disponíveis no mercado e de informações coletadas por meio de entrevistas com profissionais da área. O relatório é um ponto de partida para ampliar e melhorar a conversa com diversos segmentos relacionados ao setor de hortifrúti, desde aqueles diretamente envolvidos com o dia a dia dos agricultores até os nem tão participativos, cuja aproximação pode ser benéfica para o setor produtivo. É o caso de autoridades que podem tomar decisões e definir políticas públicas, formadores de opinião, profissionais da saúde (como médicos e nutrólogos) e do consumidor final.
Ao todo, o levantamento abordou 24 cultivos que geram cerca de 37 milhões de toneladas de alimentos por ano, sendo que entre 3% a 5% deste volume vai para exportação. Entre os fatores de destaque, a publicação mostrou o quanto a fruticultura e a olericultura (cultivo de verduras e legumes) são relevantes na geração de empregos no meio rural. De forma geral, os dois segmentos geram, em média, 25 postos de trabalho a cada 10 hectares. Conforme o estudo, são 13 milhões de pessoas empregadas na produção de frutas e verduras, sendo 5,6 milhões de forma direta, que atuam em uma área plantada de 5,1 milhões de hectares. Apenas como fator de comparação, o relatório aponta que a geração de empregos pela cadeia da soja fica abaixo de 3,8 milhões de postos diretos, em uma área superior a 34 milhões de hectares distribuídos de norte a sul do Brasil.
Também chamou a atenção a confirmação do quanto a tecnologia está inserida no setor, sobretudo no que diz respeito ao uso de defensivos agrícolas, fertilizantes e sistemas de irrigação. Ainda mais porque tal cenário independe da quantidade de terras das propriedades. “É importante levar esclarecimento à sociedade sobre esses temas, contribuir para que haja uma visão clara sobre a utilização de soluções como os defensivos”, diz Barcelos, que acrescenta: “Toda hora sai na imprensa alguma coisa negativa sobre o tema, e nosso produto vai do campo para a mesa. Aí acabamos sempre tendo uma postura reativa”. Está aí um ponto que se pretende mudar com informações mais abrangentes, precisas e muito bem apresentadas.
Tal necessidade explica a parceria com o Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB) para a formação do programa Hortifruti Saber & Saúde. “O contato com o CIB veio por conta do trabalho que fizeram com os transgênicos, envolvendo formadores de opinião, não só o consumidor”, comenta Barcelos. Essa relação mais estreita com a sociedade é mais do que necessária. A exemplo do que ocorreu tão logo o Projeto de Lei nº 3200/2015, batizado de PL dos Defensivos Agrícolas, ganhou os holofotes. Enquanto o setor produtivo se entusiasmava com a possibilidade de modernizar o segmento e reduzir entraves burocráticos, parte da população criticava, em alguns casos combatia mesmo, a nova proposta legislativa. O tema ainda exige cautela, mas o presidente da Abrafrutas se mostra otimista com os próximos passos. Ele conta já terem se reunido com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina Corrêa da Costa Dias, para falar deste e de outros assuntos relevantes para o setor, e que a conversa pode ficar ainda melhor. “Vamos eliminar o viés ideológico desse debate”, avalia Barcelos.
Adriana Brondani, diretora executiva do CIB e coordenadora científica do programa Hortifruti Saber & Saúde, destaca que essa argumentação técnica pode ajudar a sociedade a entender melhor os desafios diários dos agricultores. “O clima tropical é propício para o desenvolvimento de insetos, fungos, plantas invasoras e outras pragas que prejudicam a lavoura. Por isso, o uso da tecnologia é uma necessidade”, afirma Adriana. “Isso implica um estudo cuidadoso de clima, solo, culturas e da interação entre esses elementos, além da utilização de técnicas engenhosas de irrigação, máquinas modernas, ferramentas genéticas, fertilizantes para correção de aspectos naturais pouco favoráveis e defensivos agrícolas”, complementa.
EVOLUÇÃO DO CAMPO PARA A MESA
Quanto mais tecnologia se emprega na produção de frutas e verduras, maior tende a ser a eficiência na utilização dos insumos e de todos os recursos naturais. Essa benéfica relação tem reflexos diretos na qualidade e na segurança dos alimentos e, por consequência, no nível de satisfação do consumidor final. O relatório Cenário Hortifruti Brasil traz detalhes sobre o perfil tecnológico dos agricultores por cultura. Os produtores de mamão e melão são os destaques no segmento frutas, pois 80% e 70%, respectivamente, aparecem entre os avaliados com alto nível de uso de tecnologia. No grupo dos olericultores, 53% é o volume de produtores de tomate de mesa e de brócolis que se enquadram na categoria dos mais tecnificados.
Entre as várias conclusões possíveis a partir dos dados da tabela de perfil tecnológico dos produtores de hortifrúti, uma delas reforça o quanto o setor ainda pode evoluir. “É a discrepância de produtividade entre agricultores mais e menos tecnificados”, destaca Adriana, cuja opinião é compartilhada pelo presidente da Abrafrutas. Barcelos cita como exemplo a intensificação da agricultura irrigada no semiárido, inclusive com a tecnologia de gotejamento e a fertirrigação. Em sua propriedade, o dirigente mantém 10,5 mil hectares produzindo frutas com esse manejo. “Sem contar as novas gerações de produtores, mais conectadas às inovações tecnológicas, que estão ganhando espaço nas fazendas”, comenta.
Outro campo frutífero nesse segmento é o do melhoramento genético, pois além da geração de plantas mais produtivas, resistentes e adaptadas às diversas condições climáticas do Brasil, ainda podem ser desenvolvidas com características que atendam demandas específicas dos consumidores, como algo na composição nutricional e até a durabilidade. A ideia é que se consolide um ciclo virtuoso. “O valor agregado da produção permite que haja mais investimentos em tecnologia, e uma coisa vai puxando a outra”, diz Barcelos.
Essa combinação de fatores servirá como plataforma para que a cadeia estimule o crescimento do consumo de frutas, legumes e verduras – grupo de alimentos chamado de FLV – no mercado interno. Segundo Barcelos, hoje esse índice está em 56 quilos por habitante/ano no Brasil, o que dá pouco mais de 153 gramas por dia. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o consumo de pelo menos 400 gramas diários de produtos FLV por pessoa, ou seja, 146 quilos por ano. “Precisamos trabalhar com base nos fatores que fazem o consumidor comprar ou não uma fruta ou hortaliça”, diz o dirigente. A meta definida pelo PNDF é alcançar 70 quilos por habitante/ano até 2028.
Barcelos, da Abrafrutas: foco na exportação
Essa empreitada para estimular o consumo de frutas e hortaliças recebeu como reforço uma publicação digital, cujo título é Viagem pelo Brasil em 15 alimentos regionais, que destaca o valor nutricional e a versatilidade gastronômica desses produtos. O e-book gratuito é uma produção do programa Hortifruti Saber & Saúde e tem a contribuição da nutricionista especialista em Nutrição e Esporte Sueli Longo. Além das diversas informações sobre esses diferentes produtos, o livro traz ainda uma receita de cada região do País: pato no tucupi com jambu, bobó de camarão, galinhada com pequi e quiabo tostado, costelinha com ora-pro-nóbis e bolinho de chocolate com creme inglês de mate.
Para os organizadores do projeto, essa é também uma forma de valorizar o trabalho dos agricultores, pois para que alguém saboreie uma dessas receitas, por exemplo, foram necessárias horas e horas de dedicação de toda uma cadeia produtiva. “Os produtores brasileiros se valem tanto de conhecimentos tradicionais quanto de tecnologia de ponta para conseguir que essa comida esteja à mesa com qualidade e segurança. No campo, convivem lado a lado ensinamentos passados de geração a geração e engenhosas técnicas de irrigação, recentes inovações genéticas e uso responsável de insumos como fertilizantes e defensivos”, analisa Adriana Brondani.
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