Edição 13 - 13.02.19
Por ANDRÉ SOLLITTO
Ao visitar a sede da Indigo Agriculture no Brasil, é possível ter uma ideia da velocidade com que a empresa passou de startup promissora para uma das companhias mais disruptivas do mercado, avaliada em mais de US$ 3 bilhões. Com exceção da pequena sala de recepção, decorada com ramos de algodão, a impressão é quase de um acampamento. Caixas estão empilhadas em um canto e os funcionários trabalham, alternando português e inglês, em mesas meio vazias, como se a mudança ainda não tivesse terminado. Em uma das espartanas salas de reunião, as anotações são feitas nas paredes. O crescimento é tão rápido que atividades aparentemente corriqueiras, como terminar a decoração do local, acabam ficando em segundo plano. Mas se o escritório, localizado em um prédio novo na movimentada região da Berrini, em São Paulo, parece inacabado, basta olhar com atenção para o time envolvido nas operações brasileiras que a ambição e a seriedade da Indigo ficam mais claras. Após 33 anos na Syngenta, onde chegou a ocupar o cargo de vice-presidente, o executivo Daniel Bachner resolveu encarar o desafio de presidir no Brasil aquela que é vista como a AgTech mais poderosa da atualidade. Tudo foi feito sem muito alarde. Seu LinkedIn, por exemplo, continua desatualizado, e a presença da empresa no País passou praticamente despercebida pela imprensa antes de Bachner conversar com a reportagem da PLANT PROJECT.
E o que a Indigo faz exatamente? Em breve, será mais produtivo perguntar o que ela não faz. A startup surgiu em 2014, ainda com o nome de Symbiota, nos Estados Unidos, uma criação dos empreendedores David Berry (nomeado um dos 35 maiores inovadores do mundo com menos de 35 anos pela Technology Review do consagrado MIT), Geoffrey von Maltzahn (bioengenheiro com mais de 200 patentes em seu nome) e Noubar Afeyan (fundador da Flagship Pioneering, responsável pelo financiamento de startups ligadas à agricultura e à saúde). É comandada pelo CEO David Perry (quase um homônimo do fundador), um empreendedor serial que é também cofundador da Better Therapeutics e da Anacor Pharmaceuticals, esta última comprada pela Pfizer por US$ 5,2 bilhões. A primeira grande ideia da startup foi analisar sementes de maneira diferente da que é normalmente feita pela indústria química.
Em geral, as empresas farmacêuticas ou agroquímicas costumam estudar um princípio ativo antes de entender de que maneira ele pode ser aplicado a um produto. É um processo longo e caro. A Indigo buscou uma abordagem diferente. Em seu processo, analisa, por exemplo, duas plantas de soja que estão lado a lado, sob as mesmas condições, uma bem desenvolvida e outra com baixa performance. No laboratório, dotado da tecnologia mais avançada no mundo em sua área, os pesquisadores identificam quais microrganismos estão presentes na soja desenvolvida e estão faltando na outra. E então desenvolvem esses microrganismos benéficos para serem aplicados em outras sementes. De certa forma, a ideia é semelhante à que a indústria de alimentos utiliza nos chamados probióticos, produtos enriquecidos com elementos que ajudam o organismo dos consumidores a serem mais saudáveis.
“A grande vantagem desse método é que você consegue colocar algo novo no mercado a cada ano, no máximo a cada ano e meio, em vez dos 10 a 12 anos pelo método tradicional”, afirma Daniel Bachner. Com as informações obtidas com esse método, eles criaram o Indigo Algodão, primeiro produto da startup a chegar ao mercado, em 2016. É o nome dado ao conjunto de tratamentos de semente, com os “probióticos do campo”, oferecidos aos produtores interessados em melhorar a produtividade de suas lavouras. “O produtor escolhe a semente, o nível de germinação, o vigor, e o tratamento químico. Nós trazemos nossos micronutrientes, fazemos o tratamento e entregamos sementes prontas para o plantio”, afirma Bachner.
Além de propiciarem desempenho melhor, a vida do produtor fica mais fácil, já que ele não precisa mais fazer o tratamento em sua fazenda. Basta pegar as sementes compradas, colocar em sua semeadeira e sair plantando. Outra vantagem competitiva da companhia é a de que seus produtos não são classificados como químicos ou defensivos, obtendo liberação mais rápida dos órgãos governamentais. Também na nomeação de seus produtos, inovação e simplicidade andam juntos. As soluções da empresa foram batizadas com a marca Indigo mais a cultura a que são destinados – Indigo Algodão, Indigo Soja, Indigo Trigo etc. Foi uma maneira de garantir a efetividade independente dos micronutrientes utilizados. Se os pesquisadores da empresa descobrirem outros mais eficazes, os antigos serão substituídos, mas o produto continuará tendo a mesma identidade. Hoje, a startup tem opções de tratamento para algodão, soja, milho, trigo e arroz.
O passo seguinte no desenvolvimento da empresa foi criar o programa conhecido como Indigo Research Partners. Lançado em abril de 2017, em menos de um ano após colocar o primeiro produto no mercado, consiste em uma parceria, já comum no Brasil, pela qual os produtores disponibilizam uma parte de suas áreas de lavoura para que a startup estabeleça um campo de testes e ali avaliem diversos resultados. “A única coisa que não levamos são os químicos”, diz Bachner. A startup leva micronutrientes, sementes, fertilizantes e tecnologias para estudar os resultados. Atualmente, a Indigo tem 120 produtores inscritos nessa parceria, com mais de 20 mil hectares disponíveis para experimentos de 100 tecnologias diferentes. O resultado é analisado por algoritmos e torna-se informação preciosa para melhorar a produtividade.
Já com o sistema de sementes e seu programa de pesquisa e desenvolvimento em funcionamento, a Indigo se tornou um unicórnio. Após receber US$ 156 milhões em uma rodada série D de investimentos, em setembro de 2017, menos de seis meses após o lançamento do Indigo Research Partners, a empresa passou a ser avaliada em US$ 1,4 bilhão. Na rodada de série C, quando captou US$ 100 milhões, ela já havia se tornado a AgTech com maior financiamento do mundo, com os maiores valores oferecidos pela Flagship Pioneering de Afeyan.
NOVAS FRONTEIRAS
Os fundadores Maltzahn e Perry: planos revistos a cada três meses
Com os dois pilares estabelecidos nos Estados Unidos, o próprio resultado do tratamento das sementes e das pesquisas feitas com os produtores parceiros deu a ideia à empresa para estabelecer uma terceira linha de atuação. “Começamos a produzir uma soja com mais proteína, um milho com mais amilase, tudo com menos químicos. E isso era comercializado como commodity”, afirma Daniel Bachner. Em uma rodada de investimentos de série E, arrecadou US$ 250 milhões e lançou um marketplace, apelidado de “eBay dos fazendeiros”. No mercado, os produtores podem oferecer suas especialidades, e os compradores podem fazer uma busca por características específicas, como o conteúdo proteico da semente. O valor depende da qualidade da colheita, após uma análise de exemplos enviados a laboratórios. A empresa ganha uma porcentagem de cada transação concluída. E passou a oferecer ainda a possibilidade de contratar o frete imediatamente após a compra, estabelecendo um quarto pilar de atuação. “É um Uber dos caminhões”, diz Bachner.
A atuação da Indigo não está restrita aos Estados Unidos. Lá, a empresa está em sua quarta safra. Começou as operações na Austrália, onde segue para a terceira safra, e também na Argentina, hoje colhendo a terceira safra. No Brasil, está apenas na primeira. Já pensa nos próximos mercados para 2019: Índia e Europa.
Daniel Bachner, presidente da operação no Brasil: ele trocou uma alta posição na Syngenta pelo universo AgTech
E, enquanto ainda está expandindo as atividades pela Terra, a Indigo também está de olho no espaço. Em dezembro de 2018, ela comprou a AgTech TellusLabs, responsável por monitorar a situação de cultivo usando imagens de satélite. Von Maltzahn, um dos fundadores, teve a ideia de recorrer a satélites depois de conhecer o trabalho da bióloga celular Anne Carpenter. Ela criou algoritmos para identificar padrões de doenças em células humanas após ficar horas assistindo a vídeos gravados pelo microscópio. Von Maltzahn decidiu fazer algo semelhante na agricultura, observando os padrões a partir de uma câmera orbitando nosso planeta.
O trabalho da TellusLabs parecia ideal. Inicialmente, a empresa oferecia seus serviços a todo tipo de cliente, mas criou um sistema capaz de aliar as imagens captadas por seus satélites a parâmetros agrícolas e previsões do tempo, tudo em tempo real, para prever a produtividade das fazendas. Em 2017, acertou o resultado da colheita do milho com 99% de precisão, meses antes de o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos chegar à mesma conclusão. Com essa tecnologia a Indigo pode, em breve, transformar todo o planeta em um gigantesco laboratório.
E a compra da TellusLabs tem sido citada como exemplo de uma ainda pequena, porém importante, tendência: AgTechs mais bem financiadas estão comprando outras menores. Normalmente as grandes empresas costumam observar as startups com certo distanciamento, esperando que elas amadureçam antes de comprá-las. Se esse comportamento se intensificar, no entanto, esperar muito pode ser arriscado: ou elas se tornam muito caras ou acabam sendo compradas por outra AgTech, mais ousada e veloz nas aquisições.
UM PILAR DE CADA VEZ
No Brasil, apenas as sementes, o produto inicial da Indigo, estão disponíveis aos produtores. A empresa desembarcou por aqui em abril de 2018 com o objetivo de testar a aceitação de seu tratamento de sementes com foco em soja. Acabou fechando acordo para 70 mil hectares e agora se prepara para entrar na segunda safra. De acordo com Bachner, todos os outros pilares passarão a funcionar por aqui em breve. Ainda em 2019 serão escolhidos parceiros para o Indigo Research Partners, embora o programa, com esse nome, só será lançado oficialmente por aqui em 2020.
O País, no entanto, foi escolhido como mercado inicial do quinto pilar da empresa, focado em financiamento para o produtor. A operação será feita em parceria com a Bart Digital, AgTech criada pelo empreendedor Renato Girotto após uma sessão de hackaton em Londrina, no Paraná. “Não é o financiamento de um banco. Queremos que o produtor use sua commodity, que ele produza e pague com os grãos que são sua especialidade”, diz Bachner. É uma operação de barter, mas o que a Indigo propõe é trazer investidores que não estão acostumados a investir no agribusiness, em vez de recorrer apenas às indústrias químicas ou às tradings.
“As operações de barter no Brasil são morosas e caras”, diz Girotto, que foi procurado pela Indigo antes mesmo de a empresa começar a atuar no Brasil. As conversas ficaram em suspenso por um tempo e foram retomadas apenas há cerca de três meses. “Tínhamos um produto em linha com o pensamento da Indigo. Agora, vamos ajudá-los na formalização de garantias e na digitalização do processo e garantir que as regras de compliance sejam cumpridas, algo muito importante para as empresas de fora, especialmente em relação ao compliance ambiental”, afirma ele.
Inicialmente o projeto prevê o contato com investidores do Brasil, mas a ideia é criar uma espécie de pool mundial capaz de diluir os riscos relacionados ao investimento no agro. “Depois que esse pilar estiver bem estabelecido no Brasil, vamos exportá-lo para outros mercados da Indigo”, diz Bachner. Com a variação geográfica e de culturas, o rendimento fica mais estável.
Hoje, a startup conta com um conselho que inclui executivos importantes, como Mehmood Khan, vice-presidente e diretor científico global de pesquisas da PepsiCo; Robert Berendes, parceiro da Flagship Pioneering; e Ann Simonds, diretora de marketing da General Mills. Com o valor atual, um caminho tido como natural seria buscar uma oferta pública inicial de ações, ou IPO, da sigla em inglês. Mas nenhum dos investidores está com pressa, um sinal importante de que eles veem muito potencial na Indigo. Acompanhando essa trajetória, fica até difícil imaginar qual será o próximo passo da AgTech. Para eles, claramente, nem o céu é o limite.
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