29.10.18
Por Caio Penido
Como Presidente do GTPS, o Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável, estive participando recentemente na Irlanda da GRSB, Global Roundtable for Sustainable Beef, evento global que reúne mesas redondas de pecuária sustentável de muitos países. Percebi que o que move cada país são seus desafios particulares. Enquanto para alguns o problema é a utilização de hormônios e antibióticos, para outros é a falta de regulamentação fundiária; enquanto o problema para alguns é o abate, para outros é a necessidade de diminuir os confinamentos; enquanto para alguns o problema é a falta de uma legislação ambiental, para outros é o bem estar animal…
Percebam que em todos os casos acima o Brasil está em situação privilegiada: nossa produção é majoritariamente a pasto, trazendo bem-estar animal; pelo clima tropical, nossa demanda para o uso de antibióticos é reduzida; e ainda podemos intensificar nossa pecuária de forma sustentável, com a possibilidade do uso da integração da pecuária com a agricultura e destas com a floresta. Já dispomos de um Código Florestal e de mecanismos para mensurar o balanço de carbono das propriedades e do Brasil.
Nosso maior problema, ironicamente, é nossa rica biodiversidade. Pelo risco que existe em sua destruição, mercados se fecham para nossos produtos, preferindo comprar de países que já não têm biodiversidade. Isso acabou deixando confusos os produtores brasileiros, submetidos injustamente à condição de inimigos da natureza: Como não somos reconhecidos como cuidadores da biodiversidade se temos hoje mais de 60% de nosso território nacional coberto com cobertura vegetal nativa? Como o mundo não reconhece esses nossos atributos e não paga mais pelos nossos produtos, sendo que um terço dessa nossa biodiversidade está dentro das propriedades rurais, cuidada e custeada apenas pelo produtor brasileiro?
Na minha opinião a natureza e a produção de alimentos não estão competindo, as duas necessitam de entendimento para colaborarem na superação dos desafios que teremos pela frente:
– Desafio 2050: Existe uma demanda crescente de alimentos devido ao aumento populacional. Seremos 9,5 bilhões em 2050 e outros países, como a China principalmente, estão passando por um processo de enriquecimento da população e sua consequente no mercado consumidor de alimentos. Segundo a ONU e OCDE, caberá ao Brasil, com disponibilidade de terras e tecnologia, contribuir com 40% do aumento da oferta de alimentos, produzindo mais, para todos e para sempre!
– Mudanças Climáticas: Existe o desafio de conservação para que a floresta não seja desmatada e o CO2 não vá para a atmosfera aquecê-la. Através de melhorias contínuas também podemos estimular sistemas produtivos de baixa emissão, como por exemplo a capacidade da integração e intensificação de nossas pastagens neutralizar as emissões entéricas do gado através do aumento do carbono no solo.
O Brasil é uma Potência AgroAmbiental injustiçada, que precisa ser reconhecida e valorizada, a começar por sua própria população. Mas não precisamos por isso abandonar o Acordo de Paris ou nos revoltarmos contra o resto do mundo, que muitas vezes não tem biodiversidade e não reconhece nossos avanços na busca incessante por uma agropecuária sustentável e um moderno aparato legal. Devemos sim liderar esse processo de forma transparente e participativa. Vejo nesta próxima troca de governo a oportunidade de aprimorarmos o Acordo de Paris (ainda incompleto), incluindo estímulos e políticas que valorizem países ricos em biodiversidade, em sua maioria subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.
Nós somos grandes produtores de alimentos e também prestamos, em nossos seis biomas, uma série de serviços ambientais ou ecossistêmicos que tornam a existência no planeta mais fácil e contribuem para a conservação de nossos recursos naturais. O que falta são ferramentas de remuneração por estes serviços que estimulem a conservação e preservação. Essa biodiversidade prestadora de serviços ambientais deve ser uma vantagem competitiva do Brasil. É nítido o sentimento de palestrantes de outros países na reunião da RCSB a que me referi no inicio do artigo em relação a isso. Todos os países querem ter o que nós temos, a capacidade de alimentar o mundo mantendo a maior parte do país com cobertura vegetal nativa rica em biodiversidade.
Infelizmente não conseguimos ainda transformar todas essas virtudes e oportunidades em vantagens competitivas para o Brasil. Ao contrário, esses nossos ativos têm sido usados contra nosso legitimo direito de crescermos e nos desenvolvermos em direção a um país mais próspero e justo. Estamos sendo excluídos de importantes mercados internacionais na forma de barreiras não tarifárias, a pretexto da ameaça de desmatamento associada aos nossos produtos.
Se a floresta deixou de ser uma vantagem competitiva, alguns pensaram que acabar com ela poderia ser a solução. Enquanto isso, o outro lado defende o desmatamento zero a qualquer custo, mesmo desrespeitando o direito de propriedade e se sobrepondo ao código florestal.
Não precisamos polarizar em duas visões unilaterais. Existe outro caminho, um caminho onde todos ganham, onde o proprietário de terra é respeitado, o meio ambiente conservado e o Brasil reconhecido e seus produtos valorizados! Por que um país como o Brasil, com potencial para ser um protagonista para solucionar duas grandes crises mundiais, é visto como um problema e não uma solução? O que pode ser feito?
Devemos educar os consumidores para que reconheçam valor e paguem mais pelos produtos comprovadamente sustentáveis, para recompensar assim quem “faz certo” e motivar os que estão fazendo errado a se acertarem, motivados pela perspectiva real de melhoria da renda.
É hora de buscarmos uma ação mais enérgica e profissional junto à OMC e demais organismos internacionais, para que se avalie se está ocorrendo uma concorrência desleal entre nossos produtos – que carregam o custo ambiental – e produtos de outros países que não gastam nada com o meio ambiente. No âmbito do governo federal, Ministério da Fazenda, criar mecanismos de PSA e tributação de fontes não renováveis. Junto ao Ministério da Defesa, assegurar que a valorização dos nossos ativos ambientais não ameace nossa soberania e integridade territorial. Fortalecer o Ministério do Meio Ambiente no monitoramento de nosso balanço de emissões e do desmatamento, devidamente quantificados e qualificados. No Ministério da Agricultura, reforçar os programas de Agricultura de Baixo Carbono e sistemas sustentáveis de produção. Por fim, uma postura agressiva e bem fundamentada de nossa diplomacia, assessorada por nossos adidos agrícolas, reafirmando nossa condição de produtores de alimentos e grandes respeitadores do meio ambiente.
Como novo presidente de uma Potência AgroAmbiental, este é o momento de defender nossa verdadeira vocação natural de produtores de alimentos, fibra e energia, de uma forma sustentável e inclusiva. Produzir mais agregando valor aos produtos sustentáveis, valorizar o ativo ambiental como estratégia de conservação e estimular o consumo consciente e os sistemas produtivos de baixa emissão! Só assim poderemos nos orgulhar de sermos essa grande potência AgroAmbiental, importante produtora de alimentos e detentores da maior biodiversidade terrestre do mundo!
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TAGS: GTPS, Integração Lavoura-Pecuária, Pecuária Sustentável