21.09.18
Um queijo com quase 200 anos de história, mas ainda pouco conhecido dos brasileiros, começa a ser descoberto por consumidores e chefs no Sul do país. O queijo artesanal serrano dos Campos de Cima da Serra e do Planalto Catarinense é um típico alimento de terroir: expressa as características únicas dessas duas regiões – muito altas e entre as mais frias do País, no Norte do Rio Grande do Sul e ao Sul de Santa Catarina – e do modo como é elaborado.
As origens do queijo artesanal serrano remontam aos primeiros tempos da ocupação do território rio-grandense, com a chegada dos colonizadores açoarianos à região, a partir de 1700, época em que portugueses e espanhóis ainda disputavam essas terras. Nasceu como um produto de subsistência dos colonizadores, e se tornou um dos principais itens do escambo praticado pelos tropeiros que transitavam entre a Serra e o Litoral, levando no lombo de suas mulas, além do queijo, charque e pinhão, que eram trocados por insumos e ferramentas.
Desde então, a receita açoriana e as condições de produção se mantiveram praticamente inalteradas, o que confere ao queijo serrano aroma e sabor inigualáveis – razão pela qual os quase 3 mil pecuaristas familiares que se dedicam a essa atividade em 16 municípios gaúchos e em outros 18 em Santa Catarina já estão se organizando para pleitear uma Indicação Geográfica (IG), como as que existem para vinhos, café e cachaça no Brasil.
Além de sua vinculação com a história, a geografia e a cultura típica regionais, o que mais chama a atenção no queijo serrano é que ele é produzido com leite de vacas de corte criadas em campos nativos, em pequena escala, e não é pasteurizado (como os melhores queijos europeus). Em sua elaboração, são utilizados apenas o leite cru, o coalho e o sal, sem o acréscimo de fermento lácteo industrial, corantes ou qualquer outro aditivo. O produto deste saber-fazer tem personalidade única, a ponto de consumidores locais perceberem diferenças no sabor do queijo elaborado em épocas mais frias do inverno, quando alguns pecuaristas familiares precisam cultivar alguma pastagem para suplementar a alimentação de seus animais. O queijo feito com o leite do gado alimentado exclusivamente pela pastagem nativa do verão é incomparavelmente melhor, ouvi de um morador de Vacaria, a principal cidade da região
Essa iguaria já desperta o interesse de grandes nomes da alta gastronomia sulista, sintonizados com o localismo, como o chef Carlos Kristensen, do Um Bar & Cozinha, de Porto Alegre, que utiliza o queijo serrano em suas sofisticadas receitas. E também rendeu um bonito livro, lançado há pouco: Queijo Artesanal Serrano – Identidade Cultural nos Campos de Cima da Serra. O projeto reuniu a veterinária Saionara Araujo Wagner, da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o zootecnista Jaime Eduardo Ries e o veterinário João Carlos Santos da Luz, ambos da Emater-Ascar/RS, o fotógrafo Fernando Kluwe Dias e o jornalista Ricardo Bueno. Com 160 páginas, e ricamente ilustrada, a obra explica o que é e como nasce um alimento premium de terroir.
Infelizmente, por carência de uma regulamentação sanitária específica para produtos artesanais elaborados com leite cru, o queijo artesanal serrano ainda não pode ser comercializado em lojas e supermercados fora dos municípios em que é produzido, o que torna o seu consumo restrito, mesmo no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Para degusta-lo, é preciso subir a Serra. O que não deixa de ser um bom motivo para conhecer uma das regiões mais bonitas do país, com altitudes entre 800 e 1400 metros, invernos gélidos, paisagens deslumbrantes e uma luz natural que não vi em nenhum outro lugar do mundo.
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