Edição 11 - 27.09.18
A aldeia de Ambanizana é um dos lugares mais remotos da ilha de Madagascar, na África. Para chegar lá a partir da capital, Antananarivo, é preciso enfrentar quatro horas de voo, duas horas de lancha, 30 minutos de canoa e outros 20 de caminhada. O esforço vale a pena. Encravado entre a floresta e o mar, o lugar tem lindas paisagens, mas se tornou conhecido por outro motivo: o cultivo de baunilha, planta que encontrou nas sombras generosas, na umidade elevada e nas temperaturas moderadas o ambiente ideal para florescer como em nenhum outro lugar do mundo.
Graças a essas características especiais, a baunilha de Madagascar tem sabor e 8 intensidade únicos, típicos da localidade onde é cultivada – mais ou menos como acontece com as melhores regiões vinícolas do planeta. Seu gosto peculiar, parecido com o rum, tem um preço. E ele é alto. Em 2018, o quilo da baunilha da ilha africana chegou a ser vendido a US$ 600, o maior preço já registrado desde que Madagascar se tornou um grande centro produtor, há 50 anos. O valor também equivale a uma pequena fortuna, especialmente em um país com renda per capita média anual de US$ 1.500 e que abriga milhões de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza.
O negócio prosperou tanto que deu origem a uma leva de “baunilhionários”,A fava, a flor e o trabalho manual para a produção da baunilha: 80 mil famílias vivem da planta como são conhecidos os agricultores que fizeram muito dinheiro com a baunilha. Segundo o governo local, 80 mil fazendeiros cultivam as orquídeas trepadeiras onde nascem as favas de baunilha, também chamadas de vagens. Mas apenas uma pequena parcela de agricultores – não mais do que uma centena – produz o suficiente para enriquecer.
O cultivo da baunilha é um processo longo e delicado. Os produtores usam uma vara fina e afiada para erguer a frágil membrana da flor e, assim, polinizá-la manualmente. São necessárias 600 flores polinizadas à mão para produzir apenas 1 quilo de favas de baunilha. Não é só. Depois da meticulosa polinização, as vagens demoram nove meses para amadurecer e, então, serem colhidas. Se chove muito, ou se não chove, o processo fica comprometido, e a lavoura pode ser perdida. Em geral, para cada 100 quilos de favas verdes, sobram só 15 quilos de baunilha seca pronta para ser exportada.
Além das oscilações climáticas, os agricultores enfrentam um inimigo ainda mais perigoso: os assaltantes. Como a baunilha é cara e, portanto, altamente rentável, quadrilhas especializadas em roubá-la surgiram no país, obrigando os fazendeiros a contratar equipes de segurança que passam 24 horas por dia vigiando as plantações. Não são raros no país sequestros de parentes dos agricultores, que só são liberados mediante o pagamento em baunilha. Segundo a polícia local, as quadrilhas têm conexões com grupos exportadores, que vendem a iguaria no mercado negro da Ásia e da Europa.
Se a produção de um agricultor é roubada, ele terá perdido todo o sustento da família durante um ano inteiro. Alguns perdem tudo mesmo – casa, terras – e ficam sem dinheiro até para comer. Num país pobre como Madagascar, não há forças policiais suficientes para defender os trabalhadores. Uma solução encontrada por algumas comunidades tem sido contratar milícias armadas para protegê-las. Os fazendeiros se reúnem e dividem os custos da contratação, mas esse modelo também pode ser arriscado. Há casos de milícias que se voltaram contra os próprios agricultores depois de receberem ofertas mais vantajosas de criminosos.
Não há baunilha no mundo que rivalize com a especiaria produzida em Madagascar. Por isso mesmo, ela é a preferida por restaurantes, pâtisseries e sorveterias da Europa e dos Estados Unidos que prezam pela qualidade de seus cardápios. Como o preço subiu muito nos últimos anos, apenas um seleto grupo consegue oferecer a verdadeira baunilha saída dos rincões da ilha africana. Na verdade, há baunilha por todos os lados – em essências de velas, cupcakes e sobremesas. A questão é que esse cheiro e sabor são, quase que certamente, artificiais. Segundo recente estimativa feita por um grupo de pesquisadores ingleses, menos de 1% das baunilhas consumidas no mundo saem de favas de verdade como as que existem em Madagascar. A versão mais comercializada é a vanilina sintética, composto que tem aroma ligeiramente próximo ao da baunilha pura e original. Ela é 20 vezes mais barata que a real e, obviamente menos saborosa.
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