Inhotim, o paraíso das artes e da botânica

Por Thiago Cid Se há uma certeza no mundo das artes é a de que o significado da obra quase sempre


Edição 10 - 31.07.18

Por Thiago Cid

Se há uma certeza no mundo das artes é a de que o significado da obra quase sempre transcende aquele que foi concebido pelo artista. O mesmo pode ser dito a respeito do Instituto Inhotim, o híbrido de museu de arte contemporânea e jardim botânico, localizado no interior de Minas Gerais, a 60 km de Belo Horizonte. Em pouco mais de uma década, a extravagância, inicialmente concebida para saciar o apetite estético do empresário Bernardo Paz, tornou-se referência no cenário artístico mundial e conseguiu despertar uma pontada de orgulho patriótico em um país que pouco estimula a criação cultural.

Contar a história de Inhotim exige o uso de jargões artísticos como reinvenção, conflito, contradição. É uma narrativa com toques de realismo mágico, repleta de ambiguidades e licenças poéticas. Inhotim foi financiado com o dinheiro ganho por Paz em atividades historicamente ligadas à degradação ambiental, como a mineração e a metalurgia. Em uma fazenda desmatada, construída dentro de uma cratera deixada pela mineração, Paz começou a construir jardins ornamentais e colecionar obras de arte. Para cada nova peça adquirida, foi necessária a construção de outros jardins para recebê-la. Para novos jardins, foi preciso mais terra, e Paz comprou as propriedades vizinhas. Foi um ciclo que se retroalimentou até chegar ao estado atual, um refúgio de 140 hectares, onde atualmente convivem mais de 4,5 mil espécies de plantas e 700 obras de arte em perfeita harmonia.

Não é preciso ser esteta para compreender que em Inhotim a própria natureza é um elemento de arte. “Aqui a pessoa se reconhece no diferente, percebe que está inserida nesse todo, percebe por cores, formas, texturas, volumes e contrastes”, afirma Lucas Sigefredo, diretor do Jardim Botânico de Inhotim. “Quando ela enxerga essa diversidade reunida, o diálogo da arte com a natureza, entende a importância da biodiversidade e da preservação ambiental.”

Uma das metamorfoses de Inhotim foi sua transformação de jardim ornamental para botânico, chancela obtida em 2010 da Rede Brasileira de Jardins Botânicos. No mesmo ano, o governo federal reconheceu a Reserva Particular do Patrimônio Natural Inhotim (RPPN), em uma área de 250 hectares adjacente ao parque e fechada a visitantes. A criação de toda essa estrutura consolidou a vocação de Inhotim para ser fonte de inovações também no aspecto ambiental. “Apesar de sermos bonitos e estarmos rodeados de arte, temos a responsabilidade de qualquer jardim botânico, que é a pesquisa científica e o armazenamento de material genético, com um carinho especial para os daqui da Serra do Espinhaço”, afirma Sigefredo. “Só que nossa proposta não é simular um bioma, mas sim dispor o nosso acervo de forma paisagística”. O patrimônio abrange 28% das famílias botânicas conhecidas no planeta e reúne a maior coleção de palmeiras tropicais do mundo.

Ainda que indiretamente, Inhotim deve sua existência à Serra do Espinhaço. Considerada a única cordilheira do Brasil, a estreita faixa montanhosa que se estende por mil quilômetros, do centro-sul de Minas Gerais até o sul da Bahia, foi nomeada assim pelo geólogo alemão Wilhelm Ludwig von Eschwege, no século 19, por se assemelhar a uma grande espinha dorsal. A sua formação, há cerca de 500 milhões de anos, trouxe a abundância mineral que deu nome ao estado e fez a fortuna de Bernardo Paz. Não por coincidência, ao longo do Espinhaço estão situadas cidades históricas, como Ouro Preto, São João Del Rey e Diamantina, e também as grandes mineradoras atuais, que extraem da terra ferro, ouro, fosfato, nióbio, bauxita e zinco.

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Devido à súbita variação de altitude proporcionada pela cordilheira, é possível encontrar na RPPN Inhotim diferentes biodiversidades. “Aqui tudo se encontra: arte e natureza. Cerrado e Mata Atlântica. A flora de 700 metros, de mil metros, de 1,3 mil metros de altitude”, afirma Sigefredo. Um dos xodós do parque é a Syagrus macrocarpa, espécie de palmeira nativa de uma pequena faixa entre Minas, Rio e Espírito Santo, e que está seriamente ameaçada de extinção.

As plantas mais tradicionais também têm importância na estratégia de Inhotim de educação ambiental. Nas frequentes caminhadas guiadas pelo parque, o engenheiro agrônomo Juliano Borin, responsável técnico por Inhotim, não deixa de falar do potencial revolucionário da macaúba para os biocombustíveis, ou sobre as possibilidades das plantas alimentícias não convencionais, nem de orientar a população sobre o uso sustentável da palmeira juçara, trocando a colheita do palmito pelos seus frutos, que se assemelham ao açaí. “Inhotim tem a magia de inspirar pela beleza”, diz Borin. “A natureza e a arte ensinam que há outras maneiras de se relacionar com o mundo.”

É de Borin a tarefa de comandar os mais de 50 jardineiros responsáveis pela manutenção dos jardins de Inhotim. Em seus seis anos trabalhando no parque, ele e sua equipe já produziram cerca de 6 milhões de mudas. Suas preocupações são as mesmas de qualquer produtor rural. “Temos de ser eficientes no uso dos recursos porque a área é gigantesca e eu não posso me dar ao luxo de desperdiçar nutrientes, dinheiro ou mão de obra”, diz. Uma adubação química é feita na primavera e outra orgânica no outono e inverno, com a utilização do composto produzido a partir das podas do parque. “Também tenho sob meus cuidados plantas raras ou valiosas, que custam centenas de milhares de reais. O acompanhamento fitossanitário é algo que nunca para”, conta Borin, explicando que alguns dos exemplares de tamareira das canárias (Phoenix canariensis) existentes em Inhotim podem chegar facilmente a R$ 500 mil.

A carga simbólica adquirida por Inhotim como vetor de preservação e transformação pode ser percebida em uma volta pelo parque, de onde é possível avistar no entorno o topo das montanhas devastadas pela mineração. Atualmente, o instituto é rodeado por duas operações de extração de minério e uma de água, considerada uma das maiores jazidas de água mineral do mundo. Se essa contraposição de realidades pode despertar reflexões artísticas nos filósofos de ocasião, em outros pode gerar ideias para negócios sustentáveis.

Um exemplo é o da parceria com o Fundo Clima, mantido pelo Ministério do Meio Ambiente, que financiou o desenvolvimento de um protocolo para sequestro de carbono por meio de recuperação de áreas devastadas pela mineração. Além de reunir conhecimento passível de ser replicado em outras regiões, o projeto gerou um grau de capacitação dos profissionais envolvidos, o que pode ter demanda nos setores de consultoria e prestação de serviços.
Iniciativas como essas estão nos planos para o futuro, segundo o diretor executivo de Inhotim, Antonio Grassi. “Pretendemos explorar todo o nosso potencial artístico e botânico e reverter isso em dinheiro para o instituto, mas Inhotim é muito jovem e é preciso ser muito cuidadoso nesse caminho.”

A questão da sobrevivência e sustentabilidade financeira de Inhotim ganha maior importância diante das polêmicas em torno de seu criador, Bernardo Paz. Condenado a nove anos e três meses de prisão por lavagem de dinheiro em novembro de 2017, Paz deixou a presidência do conselho do instituto poucos dias depois. O objetivo foi se desvincular de Inhotim e impedir que seus problemas jurídicos prejudicassem o instituto.

Não foi suficiente. No fim de abril deste ano, ele transferiu a propriedade de 20 obras de arte para o Estado de Minas Gerais, como forma de pagamento de parte das dívidas fiscais de suas empresas. No contrato, porém, foi determinada a inserção de uma cláusula no estatuto social de Inhotim garantindo que, no caso de sua dissolução, todo o acervo artístico, botânico e paisagístico seja destinado exclusivamente ao Estado de Minas Gerais.

Para Antonio Grassi, o imbróglio pode trazer algo de positivo. “É um marco para a separação dos negócios de Bernardo Paz e de Inhotim, que começou em 2015 com a doação do terreno e das construções para a Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público)”, afirma. “As obras de arte ainda pertencem a Paz, mas estão cedidas em comodato em contratos de 30 anos, facilmente renováveis.” O parque não irá contar mais com o suporte do mecenas, que declarou publicamente ter colocado dinheiro pessoal em Inhotim até 2016.
Para Paz, as coisas talvez possam piorar. Ele ainda tem um débito de R$ 111,7 milhões com a Fazenda Estadual. Em seu acordo com o governo mineiro, foi estipulada multa de 100% do valor devido no caso de irregularidades relativas aos tributos estaduais. A mais recente estocada foi uma reportagem publicada pelo site da revista norte-americana Bloomberg Businessweek no dia 8 de junho, na qual a publicação afirma que parte da fortuna de Paz foi amealhada por meio de desmatamento ilegal, grilagem de terras e trabalho infantil. Seja qual for o desfecho da história do empresário, Inhotim já se firmou como um marco artístico e botânico do mundo.