O Blockchain invade a lavoura

Por Clayton Melo No dia 17 de março de 2017, o Brasil acordou com a notícia de uma grande operaç


Edição 7 - 04.01.18

Por Clayton Melo

No dia 17 de março de 2017, o Brasil acordou com a notícia de uma grande operação, comandada pela Polícia Federal, chamada Carne Fraca. O modo espalhafatoso e desordenado como a iniciativa foi divulgada passou a impressão para a população – e também para parte da mídia internacional – de que o País estava tomado de carne podre. Não era nada disso, como se sabe. A verdade é que havia problemas em menos de 0,5% dos frigoríficos nacionais. Mas, para o setor, o estrago estava feito – e deu um bom trabalho para gerir a crise de confiança e passar a história a limpo.

Entre as tantas lições tiradas desse episódio está a de que, se mecanismos de rastreabilidade de alimentos estivessem amplamente disseminados na indústria da carne, teria sido mais fácil para o setor mostrar rapidamente que aquele pânico todo não fazia o menor sentido. A boa notícia é que a tecnologia está aí para ajudar o agronegócio a se proteger de problemas como esse e, ao mesmo tempo, subir de patamar em competitividade e eficiência. Nesse quesito, uma novidade em especial se destaca: o blockchain.

Uma das novas tecnologias mais promissoras da atualidade, ela é uma solução complexa, difícil de entender, mas que proporciona inúmeros benefícios e, por isso, merece atenção. O blockchain – cadeia bloqueada, numa tradução livre – é uma espécie de “livro de registro” digital, que funciona como um banco de dados descentralizado por meio do qual é possível dividir informações com diferentes agentes envolvidos numa cadeia de produção. Ele confere maior segurança às transações financeiras e permite, por exemplo, o rastreamento de toda a produção de um alimento, do plantio à colheita, passando pela distribuição e comercialização.

Além de fechar a porta para criminosos digitais e fraudadores, o blockchain assegura a veracidade dos dados que circulam numa transação pela internet, possibilitando assim realizar contratos, transferência de valores e todo tipo de acordo comercial. “É uma tecnologia barata que permite armazenar informações publicamente, de forma única, imutável e flexível. Em outras palavras, é uma máquina de gerar confiança, elemento cada vez mais em falta não só no Brasil, mas no mundo”, escreveu o advogado e especialista em tecnologia Ronaldo Lemos, em artigo na Folha de S. Paulo. Muito bom, não? Mas como isso funciona na prática?

Produtos da Sadia em gôndola de supermercado: BRF tem projeto-piloto de rastreabilidade com uso da tecnologia

Imagine, por exemplo, que um lote de carne estragada, no meio de um grande carregamento, tenha sido entregue a alguns supermercados. O blockchain, aliado a códigos de barra, possibilita saber de onde veio o alimento contaminado, para que estabelecimentos foi entregue e até mesmo quantos quilos foram vendidos. A rapidez do processo de verificação impressiona: 2,2 segundos. Foi esse o tempo que o Walmart levou para identificar a fazenda que produziu um lote de frutas num programa-piloto feito no exterior com a IBM, que está testando a aplicação do blockchain em diferentes setores, entre eles o agronegócio e a indústria de alimentos. “Quando um cliente compra em nossas lojas, sabemos que eles esperam ótimos preços e um serviço amigável, limpo e rápido. Mas uma das expectativas é a de que os produtos sejam seguros”, disse Frank Yiannas, vice-presidente de segurança de alimentos do Walmart, em um vídeo explicativo do projeto-piloto, que faz parte de um consórcio internacional com a participação de Unilever e Nestlé, entre outras companhias de alimentos.

RASTREAMENTO

No Brasil, ainda há poucos casos de adoção do blockchain na agricultura. Quem está na dianteira nesse processo é a própria IBM, que já está implementando projetos com essa tecnologia no País com varejistas, companhia de alimentos e do agronegócio. Com a BRF e o Carrefour, por exemplo, o experimento foi lançado em novembro. Pela iniciativa, o lombo congelado da Sadia traz na embalagem um QR Code, que permite ao consumidor verificar pelo smartphone qual a fábrica responsável pelo produto, as datas de produção, quando foi embalado, etapas do transporte e o prazo de validade. Além disso, o sistema possibilita saber se houve alguma irregularidade durante o processo de produção. Um dos problemas que podem acontecer, por exemplo, é o caminhão perder a temperatura de armazenagem. Com a utilização de recursos como a Internet das Coisas e blockchain, sensores avisam os responsáveis pelo controle, que podem então segurar a carga e checar se ela ainda continua em boas condições ou não.

Pelo projeto, o comprador de grãos tem acesso a todas as informações relacionadas ao produto, como características, qualidade e origem. O blockchain faz com que esses e outros dados não sejam alterados de forma irregular, o que evita fraudes, erros de classificação dos grãos e proporciona segurança ao cliente. Em andamento há mais de um ano, o sistema foi testado inicialmente na segunda safra de grãos 2016/17, em Ribeirão do Sul (SP). A iniciativa envolve a gestão de pátio, com a colocação de uma tag de identificação no caminhão a ser utilizado no transporte; e a gestão de qualidade, cujo objetivo é a conservação do produto recebido. Por fim, o gerenciamento do controle, que engloba os aspectos comerciais. Assim, a Belagrícola consegue controlar todo o processo, da fazenda à indústria, incluindo
o armazenamento e a logística, e com a certificação dos armazéns e dos produtos, automação dos processos e procedimentos para evitar erros e dar maior transparência a todo o processo.

USO EMBRIONÁRIO

 

O uso do blockchain na agricultura ainda está no começo, especialmente no País, mas a tendência é de avanço nos próximos anos. Isso se deve a fatores como a mudança de comportamento do consumidor, que começa a se preocupar com a procedência dos alimentos, e também o temor de que escândalos como o da Carne Fraca aconteçam novamente. E a tendência de expansão da tecnologia é global. No exterior também começam a aparecer mais exemplos de utilização do blockchain na agricultura. Maior exportador de grãos da Austrália, o CBH Group fez um acordo com a startup AgriDigital, com sede em Sydney, para um projeto-piloto que usará esse sistema para rastrear a produção de grãos. O objetivo da CBH é, ao proporcionar maior confiança aos compradores finais nas lojas, aumentar as vendas e expandir negócios no mercado internacional, em especial o asiático. Na China, o Alibaba, um dos maiores players globais do comércio eletrônico, criou um consórcio com companhias do setor alimentício para
usar o blockchain na tentativa de reduzir fraudes na cadeia de produção e comercialização.

O que essas primeiras iniciativas apontam é o fortalecimento da agricultura digital, que aos poucos incorpora tecnologias já experimentadas em outros setores da economia, como o próprio blockchain, já utilizado com maior frequência no mercado financeiro, por exemplo. Com essa inovação, o agronegócio brasileiro pode dar um novo salto de qualidade, renovando seus mecanismos de certificação e controle, e se colocando, assim, na vanguarda dessa nova etapa do agronegócio internacional.

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