Edição 7 - 03.01.18
Por Nicholas Vital
O empresário Wilson Zaltana faz parte da primeira leva de desbravadores do estado de Rondônia. Nascido no Paraná, ele desembarcou com a família na cidade de Ariquemes ainda jovem, 40 anos atrás, em busca de uma vida nova em uma região praticamente desocupada, porém cheia de oportunidades. No início, trabalhava duro levando bananas produzidas pelos seus vizinhos para a capital, Porto Velho. Na volta, aproveitava o espaço vazio na velha caminhonete para trazer carregamentos de peixes, que eram revendidos no mercado local. Fez isso durante 20 anos, até perceber que a demanda por peixes em Ariquemes era cada vez maior e que o negócio, antes secundário, se tornara muito mais interessante do que a venda de bananas.
Em 2000, decidiu iniciar uma criação de peixes em cativeiro e se dedicar exclusivamente à piscicultura. O empreendimento prosperou rapidamente. Em pouco tempo, a produção na pequena propriedade de 40 hectares chegou a 300 toneladas ao ano, um volume considerável, mas ainda insuficiente para abastecer o mercado crescente. O criador, então, passou a comprar também a produção dos vizinhos e distribuir o produto in natura para todo o Brasil. Ainda assim, não conseguia atender a todos os pedidos.
Em 2006, com a chegada de novos criadores à região, atraídos principalmente pelo clima ameno e pela excelente qualidade da água, Zaltana decidiu que era hora de construir um frigorífico e processar ele mesmo todo o pescado. “Atualmente, temos capacidade para processar até 10 toneladas por dia, mas já estamos estudando a possibilidade de ampliar a fábrica”, afirma o empresário, que hoje emprega cerca de 170 pessoas e abastece com seus produtos
17 estados brasileiros. “A maior produção de tambaqui do Brasil está em Ariquemes. São centenas de produtores na região e um potencial enorme de crescimento para os próximos anos.”
O otimismo de Zaltana tem uma explicação. Se por um lado a crise econômica que se arrasta há quase uma década tem tirado a confiança do empresariado, gerado desemprego e levado vários estados brasileiros ao colapso financeiro, em Rondônia essa realidade é bem diferente. Com uma economia baseada na agropecuária, o estado cresce de forma consistente desde 2011. Em 2016, por exemplo, enquanto o Brasil amargava uma recessão sem precedentes, Rondônia fechou o ano com um aumento de 4,7% no PIB. As perspectivas para os próximos anos são ainda mais animadoras, o que tem atraído empresários dos mais variados segmentos, desde produtores rurais até indústrias processadoras, passando por fornecedores de insumos, logística, serviços e executivos altamente qualificados.
INCENTIVOS NO CAMINHO
“Tudo isso se deve basicamente ao agronegócio. É o motor do estado”, afirma Basílio Leandro de Oliveira, Superintendente de Desenvolvimento Econômico de Rondônia. O estado é dono do quinto maior rebanho bovino no país, com 13,7 milhões de animais, entre gado leiteiro e de corte, e já se consolidou como principal polo de piscicultura do Brasil, com uma produção anual de 90 mil toneladas de peixes (quase 20% do total produzido
no país), mas ainda distante do potencial do estado, estimado pelo governo local em até 1 milhão de toneladas/ano.
O cultivo de café, cacau, soja e milho também tem crescido substancialmente nos últimos anos, sempre de forma sustentável, especialmente através da qualificação de pequenos produtores e da adoção de tecnologias que possibilitam o aumento da produtividade em campo.
Na rota para Rondônia há pacotes de atrativos, como isenções fiscais e logística privilegiada. Existem incentivos para os mais diversos segmentos, que vão da doação de terrenos públicos ao desconto de até 85% do ICMS. “Um exemplo é a linha de crédito especial para pequenos frigoríficos com abate de até 100 cabeças por dia, com juros subsidiados através do Banco da Amazônia. Também há incentivos para o ramo de curtumes, já que hoje quase todo o couro produzido em Rondônia é processado fora do estado”, diz Oliveira.
Até mesmo a pecuária, atividade mais tradicional em Rondônia, vem passando por uma revolução nos últimos
anos. De acordo com estimativas da Embrapa, cerca de 70% das pastagens do estado estão degradadas ou subutilizadas. À primeira vista, essa poderia parecer uma notícia ruim, mas na verdade esses números só comprovam o enorme potencial de crescimento da atividade em Rondônia. O exemplo da Fazenda São Domingos, propriedade de 9 mil hectares localizada no município de Chupinguaia e administrada pela família Sartor, é uma prova de como o investimento em tecnologia pode transformar radicalmente um negócio.
Patriarca da família, o engenheiro agrônomo Maércio Sartor chegou a Rondônia em 1972, atraído pelos incentivos dados pelos militares aos produtores rurais dispostos a desbravar a floresta e povoar a região amazônica. Ao tomar posse de suas terras, foi obrigado a abrir 80% das áreas da fazenda antes de iniciar a criação de gado de forma extensiva – a única possível na época. Informado e fã das novas tecnologias, Sartor trouxe algumas matrizes da raça Nelore de São Paulo e passou a melhorar gradativamente a genética do seu rebanho. A ideia era adotar o sistema de integração lavoura-pecuária já no final dos anos 1970, mas com poucos recursos disponíveis, mão de obra escassa e uma infraestrutura logística precária, que dificultava a chegada de insumos e o escoamento da produção, o plano acabou adiado por quase 30 anos. A história só começou a mudar a partir de 2006.
Com a entrada dos filhos Dudu e Daniel no negócio, Maércio Sartor finalmente conseguiu colocar o seu plano em prática. Dividiu a fazenda em duas partes e atribuiu responsabilidades específicas a cada um dos herdeiros: Dudu ficou responsável pela criação do gado e o confinamento, enquanto Daniel assumiu a área agrícola da fazenda. A estratégia do patriarca se mostrou acertada e em pouco tempo os resultados começaram a aparecer. “Nós triplicamos
a produtividade na fazenda após a adoção da integração lavoura-pecuária. Nos anos 1990, nós produzíamos em média seis arrobas por hectare/ano. Hoje, a produção chega a 18 arrobas por hectare”, afirma Dudu Sartor.
O VALOR DA TERRA
“O maior custo do produtor é a terra. E, para ter uma boa rentabilidade, você precisa produzir mais em menos espaço. Esse é o caminho”, continua o pecuarista, que ainda trabalha para melhorar os índices de produtividade na fazenda. “Não atingimos nem 50% da nossa meta. O objetivo é chegar a 30 arrobas por hectares/ano.”
Atualmente, a Fazenda São Domingos mantém 2,4 mil hectares de lavouras de soja e milho, 6 mil hectares de pastagens e conta ainda com um confinamento para 6 mil animais. Toda a produção de milho é utilizada no confinamento, enquanto a soja é vendida para as tradings da região. “A fazenda virou uma empresa a céu aberto. Hoje ela é toda monitorada, usamos programas de gestão, temos máquinas com GPS… A tecnologia chegou e aumentou muito a renda na fazenda. A nossa rentabilidade hoje chega a 3% ao mês”, revela Dudu.
Assim como a família Sartor, muitos criadores da região têm investido no melhoramento das pastagens em busca de competitividade. De acordo com estimativas da Embrapa, cerca de 85% das propriedades rurais em Rondônia possuem gado, seja de corte (65%), seja leiteiro (35%). No total, são quase 90 mil propriedades. “O pecuarista está vendo isso. Vinte e cinco por cento da área de soja no estado já é feita em fazendas de gado”, afirma Vicente Godinho, pesquisador da Embrapa Rondônia. “O produtor tem feito a rotação da soja com o milho ou com o capim, no mesmo ano agrícola. Em Vilhena, nós fazemos praticamente duas safras por ano. Estamos conseguindo usar a terra de forma muito intensa”, continua o agrônomo, que também produz grãos na região.
Nascido em Minas Gerais, Godinho está em Rondônia há 23 anos e considera o estado uma verdadeira mina de oportunidades. Segundo ele, não existe mais terra barata na região, mas os solos férteis, o bom volume de chuvas durante todo o ano e a facilidade para o escoamento da produção compensam o investimento. “O agronegócio em Rondônia vive um momento muito interessante. A atividade está calcada em cima das pequenas propriedades, por isso a integração é muito grande”, explica o pesquisador. Atualmente, o estado planta 320 mil hectares de soja, pouco se comparado ao Mato Grosso, que cultiva mais de 9 milhões de hectares, mas conta com a logística privilegiada como diferencial competitivo. “Em um ano ruim como este, nós estamos menos ruins do que os outros”, brinca.
Já o milho produzido na região abastece basicamente o mercado interno. Cerca de 15% da produção é utilizada nos confinamentos, para a terminação do gado. Outra parte é destinada à suinocultura – outra atividade que tem crescido em Rondônia – e para a produção de ração para peixes. “O pequeno produtor não tira o milho da propriedade. À medida que fomos aprimorando a agricultura, a pecuária também evoluiu muito. Hoje, o maior problema dos confinamentos é a falta de boi”, afirma Godinho, ressaltando que 90% da agricultura no estado
é feita no sistema de plantio direto, muito mais sustentável.
A CAMINHO DO PACÍFICO
Existem também iniciativas interessantes no sentido de fomentar a cafeicultura na região. O estado, que colhe atualmente 2,1 milhões de sacas de café por ano, tem como objetivo produzir 4 milhões de sacas até o fim de 2018. Para isso, vem subsidiando a substituição de cafezais antigos, cuja média de produtividade é de apenas 20 sacas por hectare, por variedades mais produtivas desenvolvidas pela Embrapa, que podem render até 160 sacas por hectare e se destacam pela qualidade dos grãos. Os resultados já começam a aparecer. Na mais recente edição da Semana Internacional do Café, realizada em outubro, em Belo Horizonte, os cafés de Rondônia ficaram com o segundo e terceiro lugares em qualidade.
“O estado perdeu muito no passado, quando se trabalhava com a monocultura, de acordo com os ciclos. Primeiro foi o ciclo da borracha, depois o do cacau, em seguida o do café, depois o do gado de corte. Quando não remunerava mais, o produtor trocava. Isso atrasou o desenvolvimento do agronegócio na região”, afirma Mary Braganhol, Secretária Adjunta da Agricultura de Rondônia. “No momento em que o produtor começou a diversificar a produção, a situação melhorou. Hoje o estado se destaca no cultivo de café, é líder na criação de peixes e ainda pode melhorar muito na pecuária. Rondônia ainda não explorou nem 70% do seu potencial.”
A localização privilegiada, no entanto, tem despontado como principal diferencial competitivo para a cadeia do agronegócio na região. Com fácil acesso à nova rodovia Transoceânica, que liga o Brasil ao Oceano Pacífico, a rota permite às empresas estabelecidas em Rondônia fácil acesso a mais de 150 milhões de consumidores localizados nos países andinos, como Peru, Bolívia, Chile, Equador, Venezuela, Suriname, todos pouco industrializados e que importam, juntos, cerca de 192 bilhões de dólares por ano – atualmente, o Brasil responde por somente 8,5% dessas importações. “O Brasil é de uma incompetência absurda para abastecer os seus vizinhos. O lado positivo é que existe
um potencial gigantesco para as empresas brasileiras”, completa o economista Valdemar Camata Júnior, Superintendente do Sebrae em Rondônia.
RAIO X
Área total: 23,7 milhões de hectaresÁrea total: 23,7 milhões de hectares
Área plantada: 553 mil hectares
Produção:
Bovinos: 10,005 milhões de cabeças (estimativa 2017)
Peixes: 92 mil toneladas (2016, 10% a mais que 2015)Milho: 795 mil toneladas (estimativa 2017, 21% a mais que 2016)
Soja: 930 mil toneladas (estimativa 2017, 21% a mais que 2016)
Café: 1,938 milhão de sacas (estimativa 2017, 19% a mais que 2016)
Produção agropecuária total: 1,864 milhão de toneladas (estimativa 2017, 18% a mais que 2016)
TAGS: Fronteira, Integração Lavoura-Pecuária, Pecuária, Rondônia