A floresta que dá lucro

No primeiro episódio da websérie Top Sustainable Livestock, a trajetória do Grupo Rovema mostra como a pecuária na Amazônia pode unir eficiência produtiva, geração de renda e preservação do meio ambiente
Edição: 50
17 de outubro de 2025

Por Romualdo Venâncio, de Porto Velho (RO)

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Criar gado de corte na Amazônia tem sido cada vez mais desafiador, ainda que se encontre ali condições favoráveis à atividade. O advento das mudanças climáticas – e suas consequências – tornou os olhares do mundo ainda mais vigilantes sobre o bioma. A cobrança pela preservação das florestas cresceu e se ramificou pelo campo das leis, a exemplo da exigência de proteção de 80% de qualquer propriedade na região, determinada pelo Código Florestal de 2008. Produzir nos 20% restantes e garantir rentabilidade e sustentabilidade demanda mais do que eficiência. No caso da Rovema Agronegócio, empresa do Grupo Rovema, a operação pecuária – sustentada pelo tripé genética, nutrição e gestão – ganhou novo fôlego com a entrada no mercado de crédito de carbono. São 22 mil hectares de mata certificados que rendem até R$ 800 por hectare/ano, ou seja, um faturamento anual de R$ 17,6 milhões para manter a floresta em pé. 

A jornada do Grupo Rovema será destaque no primeiro episódio da websérie Top Sustainable Livestock, iniciativa dedicada a demonstrar como a pecuária pode unir produtividade, rentabilidade e responsabilidade socioambiental. Por meio de exemplos concretos já aplicados no País, a série revela caminhos reais para transformar o setor em um modelo de produção sustentável, provando que preservar e prosperar podem caminhar lado a lado. Ela será veiculada no Canal Terraviva, do Grupo Bandeirantes, e é realizada por PLANT PROJECT em parceria com a Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável, com apoio dos projetos SAFe e ProTS, implementados pela Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH em parceria com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), IDH Transforming Markets, MSD Saúde Animal e ApexBrasil. 

O Grupo Rovema nasceu há 40 anos, com a fundação da empresa Jacto Eletro Diesel pelos primeiros membros da família Ghedin, em alguns casos também grafado como Guidin, que chegaram a Porto Velho (RO). O objetivo era prestar serviços ao setor de garimpo, mas o progresso nas novas terras abriu espaço para a investida em outros negócios, inclusive na pecuária. O rebanho, que começou a ser formado há 25 anos, conta hoje com 10 mil cabeças da raça Nelore, das quais 3 mil são matrizes. 

A atividade de ciclo completo – cria, recria e engorda – é dividida em duas propriedades. A Fazenda Rio Madeira abriga toda a parte de seleção genética. É onde se faz a cria e a recria. Já a engorda e a terminação dos animais que vão para o abate são realizadas na Fazenda Serra Verde, que abriga o confinamento. “Há seis anos, ingressamos também no negócio de grãos, plantando milho e soja. O capim (Brachiaria ruziziensis) entra como cultura intermediária, para soltar o gado”, diz o CEO do Grupo Rovema, Adélio Barofaldi. “São três culturas com a integração lavoura-pecuária. Isso é um ciclo completo que a Amazônia permite fazer com qualidade.” 

A demanda de terras para a agricultura diminuiu o espaço para a pecuária. Mas reduzir o rebanho e a produtividade não era uma opção – pelo contrário, já que os índices do gado aumentaram. “Isso é resultado de investimento, tecnologia, confinamento e da verticalização, movimento crucial para a expansão”, afirma o diretor financeiro do grupo, Gilvan Guidin. Foi nessa toada que surgiu a fábrica de ração, inicialmente para consumo do próprio gado, que foi ampliada para uma indústria de nutrição animal, a Sustennutri, atendendo também o mercado local. 

Confinamento na Fazenda Serra Verde: seleção genética e dieta precisa garantem precocidade para abater 10 mil cabeças por ano

Tudo é planejado e executado às minúcias, otimizando cada etapa e ganhando em tempo e qualidade, fator determinante para a produção sustentável de carne bovina dentro do bioma amazônico. A seleção dos animais é outro ponto fundamental, em um processo que teve início em 1999, com a adoção da inseminação artificial. Em 2002, o rebanho passou a integrar o Programa de Avaliação e Identificação de Novos Touros (Paint), voltado à mensuração das características herdáveis ligadas à produção e à reprodução. O programa permite identificar e selecionar animais com maior potencial genético, favorecendo a evolução do rebanho por meio de maior pressão de seleção, redução do intervalo entre gerações e, consequentemente, maior retorno econômico. A partir dessa avaliação, os touros recebem o Certificado Especial de Identificação e Produção, o Ceip, que funciona como um selo de qualidade. 

Naquele mesmo ano, a Rovema Agronegócio se tornou sócia da Associação Brasileira de Criadores de Zebu (ABCZ), e os animais destinados à reprodução – touros e matrizes – passaram a ter o registro da entidade, uma chancela para os padrões raciais do rebanho. Mais do que isso, é uma credencial para a participação em grandes leilões e a ampliação do alcance do trabalho desenvolvido em Porto Velho, atendendo outros rebanhos. Dessa forma, o melhoramento genético não fica restrito às propriedades do grupo, mas acaba aprimorando os rebanhos da região, gerando uma positiva reação em cadeia. 

Esse modelo de gestão também tem se traduzido em avanços de sustentabilidade. A pressão de seleção genética, associada a uma dieta balanceada e precisa, permite o desmame de bezerros mais pesados, o que se reflete na maior precocidade dos animais e em ganhos expressivos no peso final de abate. “Hoje, o boi sai da fazenda para o frigorífico com 20 a 23 meses. No passado, demorava 48 meses, ou seja, quatro anos. Estamos economizando dois anos de pasto”, diz Barofaldi. 

Os índices tendem a melhorar ainda mais, já que a idade de desmame vem sendo reduzida de oito para cinco meses, o que é resultado da adoção de um novo manejo de bezerros. “Eles saem do pé da mãe e vão para um piquete separado no confinamento, onde começam a receber uma suplementação leve e a ganhar carcaça”, afirma o diretor de Agronegócio, Valdecir Luiz Ghedin. “Tenho a convicção de que poderemos abater o gado com até 19 meses.” Além de todo o ganho durante o ciclo de produção, ainda há o impacto no produto final. “A carne que levamos ao mercado é bem mais saborosa”, diz o médico veterinário Rodrigo Junqueira, responsável pelo rebanho. 

Embora essas estratégias e ferramentas de manejo já colocassem o rebanho da Rovema em posição de destaque no campo da sustentabilidade, ainda havia espaço para avançar. Novas possibilidades surgiram a partir da inspiração no conceito de “ambientalmente correto” aplicado em outra frente de atuação do grupo. Com o objetivo de ampliar as operações da Rovema Bank (antiga UzziPay), fintech do conglomerado, nasceu a iniciativa de preservar uma árvore a cada nova conta aberta. Para dar consistência ao projeto e comunicar de forma mais clara seu propósito, a empresa contou com o apoio de uma consultoria especializada na definição da estratégia. “Separamos uma área da fazenda e mostramos que esse espaço seria dedicado exclusivamente à preservação, e foi aí que a consultoria nos surpreendeu”, diz a diretora institucional do Grupo Rovema, Lediana Ghedin Lopes. “Disseram que estávamos perdendo a oportunidade de utilizar o crédito de carbono daquela área em prol de um bem maior dentro das estruturas das fazendas.” 

No meio da mata: em pé, Adélio Barofaldi, Carolina Brazil, Valdecir Guedin e Gilvan Guidin; agachada, Lediana Lopes

O alerta caiu como uma provocação, e a diretoria do grupo se apressou em saber mais sobre o assunto e entender como poderia ingressar no mercado de crédito de carbono. Naquele momento, entre o final de 2021 e o início de 2022, surge também a figura do desenvolvedor, a empresa responsável por elaborar o projeto, trazendo mais esclarecimentos. Esse processo é longo e complexo. Até chegar à maturação, quando vem o retorno financeiro, há muitas etapas – preparação, certificação, homologação – que representam um custo muito alto, e às vezes até impeditivo. A solução para torná-lo acessível foi buscar parceiros. 

O Grupo Leite e o Grupo Tupá uniram-se à Rovema para reduzir a emissão de dióxido de carbono e conter o desmatamento nas regiões de Porto Velho (RO) e Lábrea (AM). Dessa parceria nasceu o Projeto Rio Madeira REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal) Agrupado, desenvolvido pela Future Climate e integralmente formado por áreas de floresta amazônica. “É um processo burocrático, mas altamente rentável”, afirma Barofaldi. “Estando na Amazônia, preservar já é uma obrigação. Com o projeto de créditos de carbono, porém, conseguimos atribuir muito mais valor à floresta em pé do que deitada.” 

Pelo posicionamento geográfico das fazendas da Rovema Agronegócio, o potencial de geração de créditos de carbono é ainda maior, já que a região apresenta alto nível de supressão florestal. Trata-se de uma área historicamente marcada pelo desmatamento, onde a pressão pela derrubada de árvores permanece intensa. Enfrentar essa realidade exige o engajamento não apenas da empresa, mas também de produtores vizinhos e da comunidade local. Por isso, a Rovema investe na disseminação desse conceito, promovendo informação e conscientização sobre o valor da preservação. “Acabamos sendo um espelho para toda a sociedade”, afirma Gilvan Guidin. 

Na foto, Barofaldi, que se diz o “mascateiro” do crédito de carbono na Amazônia

Para Barofaldi, o trabalho de conscientização é ainda mais valioso porque a ideia não é tão clara. “O crédito de carbono ainda é uma expressão que gera muita desconfiança, pois há poucos projetos aprovados, que estão viáveis comercialmente”, diz o CEO do Grupo Rovema. O executivo aproveita sua posição de liderança no agronegócio rondoniense para multiplicar essa concepção: “Temos feito um trabalho de divulgação muito forte, estamos promovendo reuniões sobre o tema. Eu me tornei o ‘mascateiro’ do crédito de carbono”.  

Segundo o executivo, ainda há obstáculos que limitam a expansão do conceito e a adesão de mais propriedades ao mercado de crédito de carbono. Para superá-los, é necessário avançar na normatização, criar regras mais claras, ampliar os mecanismos de comercialização e, sobretudo, dar maior atenção à regulação fundiária, já que uma das principais dificuldades de Rondônia é a regularização de terras que ainda carecem de documentação. “No entanto, é certo que o crédito de carbono vai se tornar, a médio e longo prazos, importante receita também para pequenos produtores, que precisam ter remuneração para manter a floresta em pé”, diz Barofaldi.  

Na foto, matrizes nelore de alto padrão genético

A confiança do Grupo Rovema na pecuária sustentável e na progressão desse modelo é tamanha que o projeto foi estruturado para atravessar gerações. O contrato inicial do Projeto Rio Madeira REDD+ Agrupado prevê 30 anos de duração, mas, ao longo do processo e das auditorias periódicas, foi firmado um termo de compromisso que estende a preservação da floresta por mais 100 anos. Na prática, trata-se do cultivo de um futuro mais sustentável. “É uma forma de perpetuar a melhoria da qualidade de vida das pessoas e de garantir equilíbrio econômico e social no entorno do projeto”, conclui Lediana. 

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