Genes que protegem 

O uso da edição genética em microrganismos promete transformar a defesa das plantas e impulsionar a produtividade agrícola
Edição: 50
8 de outubro de 2025

Por Romualdo Venâncio 

O uso da tecnologia de edição gênica CRISPR (Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas) na agricultura nacional voltou a ser notícia. Após o impacto da novidade desenvolvida pelas cientistas Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna, ganhadoras do Prêmio Nobel de Química no início desta década por tal feito, o tema tornou a ganhar destaque no Brasil devido, principalmente, a pesquisas feitas pela Embrapa que buscavam melhorar o desempenho de fungos utilizados no controle biológico de pragas e doenças agrícolas.  

O objetivo dos estudos desenvolvidos com a edição gênica desses microrganismos pela unidade Embrapa Arroz e Feijão, localizada em Santo Antônio de Goiás (GO), é ampliar o leque de soluções que impulsionem o controle biológico de pragas e doenças. E, assim, contribuir para elevar índices de eficiência agronômica, ambiental e financeira das lavouras. O trabalho vem sendo desenvolvido desde 2022, com foco em agentes de controle biológico e promotores de crescimento de plantas.  

O primeiro impacto já no campo veio em 2024, a partir de uma linhagem editada do fungo Trichoderma harzianum, que apresenta potencial superior na produção de melanina, triplicando sua proteção, se comparada à cepa selvagem. Na lavoura, o resultado prático dessa característica é a maior estabilidade do agente biológico ao ser aplicado na parte aérea da planta, sob o sol, para o controle de doenças fúngicas. “O boom dos microrganismos já surgiu há mais tempo, mas faltava algo como o que estamos trabalhando agora”, afirma o pesquisador da Embrapa e coordenador dos estudos, Marcio Côrtes.  

Foto: shutterstock

Um dos grandes avanços nesses estudos é a garantia da autoproteção dos microrganismos à radiação solar, pois sofrem com a temperatura. A edição gênica permite que os cientistas garantam ao agente biológico seu próprio protetor solar, tornando-o mais eficiente e evitando assim o uso de uma opção artificial. “Estamos avançando muito rápido e, em breve, devemos ter algum produto no mercado”, diz Côrtes.  

Segundo o pesquisador, a Embrapa trabalha com um grupo de 12 pesquisadores e um programa de bioinsumos. A empresa ainda aproveita as bases de pesquisas de suas diferentes unidades para usufruir de tudo o que for possível. Os estudos não partem do zero. “O mais importante é que lá na frente o produtor tenha um produto interessante para usar”, diz ele. 

A pesquisa passa por um ponto crucial na transição entre experiência e realidade de mercado, que é o processo de avaliação e aprovação da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) por se tratar de um produto editado e não um transgênico. O resultado deve estar pronto no final deste ano. Essa definição faz toda a diferença para o microrganismo ganhar dimensões comerciais, pois é significativa a resistência do mercado consumidor a alimentos e outros itens transgênicos.  

Um dos grandes avanços nos estudos recentes é a garantia de autoproteção dos microrganismos à radiação solar. Foto: shutterstock.

Para o diretor de Pesquisa e Desenvolvimento e Inovação da Sempre AgTech, Hugo Molinari, os produtos dessa nova geração do melhoramento genético trazem uma combinação de fatores que os tornam bem mais aceitáveis. “Vêm com pegada muito mais inteligente, com modificações pontuais, mais precisas e um apelo bem mais sustentável. São considerados eco friendly”, diz. Segundo o executivo, a edição gênica proporciona um ganho institucional para o agronegócio brasileiro, com olhar para o setor e para as pessoas como um todo. “É a solução de um problema para a sociedade.” 

O avanço, de fato, abre espaço para multiplicar os caminhos e atender mais demandas. “Tem muita gente estudando a fundo o genoma”, afirma Côrtes. A redução do uso de produtos químicos na agricultura está no foco principal. Segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária, o Brasil é líder no uso de bioinsumos, e a produção nacional cresce 30%, enquanto o avanço global é de 18%.  

Para o pesquisador da Embrapa, essa representatividade pode ser até maior, caso o Brasil evolua no desenvolvimento de produtos biológicos que apresentem mais agilidade e eficiência no controle de doenças. Quanto maior a confiança do agricultor nos bioinsumos, maior a possibilidade de diminuir em escala o uso de moléculas sintéticas. “No entanto, o mais importante é fazer um manejo integrado”, diz Côrtes. “Embora já existam relatos de grandes produtores utilizando apenas biológicos, a ideia é oferecer soluções ao produtor, sem uma disputa de mercado.” 

O Brasil já é um dos maiores mercados do mundo em atividades ligadas ao uso da edição genética em microrganismos

A abrangência da aplicação é outro fator favorável à expansão do uso da edição gênica na agricultura. A própria Embrapa tem diferentes pesquisas nessa frente, como a descoberta de um fator que pode potencializar a ação do Beauveria bassiana, fungo usado para o controle biológico de insetos, em especial no café. “Detectamos um fator de virulência que pode ser melhorado geneticamente”, afirma Côrtes. Esse estudo ainda precisa avançar, pois o fungo tem um gene exógeno que pode classificar a edição como transgenia.  

Outra linha de pesquisa é de fixação de nitrogênio para o feijão, que a planta até já realiza de forma natural, mas sem a mesma eficiência da soja. Por isso, acaba sendo feita artificialmente, para chegar aos níveis ideais. O objetivo é cortar caminho para chegar nesse patamar. No caso da Sempre AgTech, a forte aposta na edição gênica é bastante direcionada para o milho, cultura que representa o principal mercado da empresa. E em parceria com a Embrapa.  

O foco é aumentar a eficiência das plantas na utilização do nitrogênio, reduzindo a demanda pelo insumo. “Gramíneas demandam muito nitrogênio, que geralmente é fóssil. Beneficiaremos o produtor e o meio ambiente”, diz Molinari. Diferentemente do que acontece com a soja, o processo é a adição de uma bactéria para que faça a conversão do nitrogênio atmosférico, deixando-o disponível para a absorção pela planta. Também há a edição do milho para que seja mais eficiente.  

A Sempre AgTech trabalha ainda para dar status de sniper à proteção de cultivos por pulverização. A partir de informações de RNA, a empresa procura desenvolver uma molécula biológica que atinja especificamente aquela praga que se pretende combater. “É muito pontual, precisa, vai atacar apenas aquela praga distinta. É uma ferramenta poderosíssima para desligar genes”, diz Molinari.  

O desenvolvimento já está avançado para alguns alvos, principalmente aquelas mais problemáticas. O desafio agora é descobrir como desenvolver a molécula em grande escala com custo baixo. E torná-la mais resistente, com formulações que garantam mais durabilidade nas plantas. O aprimoramento nessa área de edição gênica pode ser uma saída inclusive para problemas regionais, com pragas que atacam um tipo específico de cultura em uma determinada localidade. “A ferramenta democratiza a tecnologia, a ciência, pois não demanda custos tão altos como a transgenia, e já há massa crítica”, analisa Molinari. “É uma evolução silenciosa.” 

O cenário favorece o ritmo das pesquisas nesse campo. O Brasil já é o nono mercado mais procurado para a proteção de patentes relacionadas a CRISPR. E ocupa a 28ª posição na lista dos países desenvolvedores. Ou seja, há muito espaço a ser conquistado. Essas informações são do Radar Tecnológico elaborado pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), em parceria com a Embrapa. Conforme o documento, o Brasil é um importante mercado para as organizações que desenvolvem tecnologias relacionadas ao emprego do sistema CRISPR na agricultura e pecuária.  O país tem tudo para seguir evoluindo nessa área, como centros de pesquisa (públicos e privados), gente capacitada e legislação avançada. Na verdade, quase tudo. “Nosso maior gargalo é financiamento para pesquisa”, afirma Côrtes. “Não basta avançar, precisamos avançar rápido, por isso é importante ter a tranquilidade do financiamento com recurso público, de forma segura, sem interrupções.”  

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