Edição 38 - 25.09.23
Pesquisadores desenvolvem sensor que, ao ser fixado nas folhas das plantas, é capaz de indicar o nível de estresse hídrico delas
Por Evanildo da Silveira
Um minúsculo dispositivo com 3,6 cm de comprimento, 1,1 cm de largura, 0,3 cm de espessura e pesando não mais do que 0,1 grama poderá dar início a uma revolução no monitoramento do estresse hídrico em culturas agrícolas. Trata-se de um sensor “vestível”, que, ao ser fixado nas folhas das plantas, acompanha em tempo real a perda de água delas. Com isso, o pequeno equipamento poderá ajudar na tomada de decisão na agricultura de precisão e tornar possível ações preventivas e corretivas mais eficientes para manter ou recuperar a sanidade das lavouras.
O dispositivo foi desenvolvido no Instituto de Química de São Carlos (IQSC), da Universidade de São Paulo (USP), pela pesquisadora Júlia Adorno Barbosa durante seu doutorado, sob a orientação do químico e professor Renato Sousa Lima. “Nosso principal objetivo foi obter uma plataforma de monitoramento em tempo real, que pudesse servir como instrumento para estudos utilizando plantas como modelo”, afirma Barbosa.
De forma simplificada, o sensor é um eletrodo composto por um filme fino de níquel, obtido por técnicas bem instituídas na indústria de microeletrônica. A fixação é feita com auxílio de um adesivo comercial biocompatível e um potenciostato (equipamento que realiza as medidas elétricas). Segundo Barbosa, o adesivo é comumente utilizado para fazer curativos e se mantém fixado nas plantas por períodos superiores a 30 dias. Todos os dados coletados pelo sensor são transmitidos via Bluetooth. “A plataforma pode ser acessada pela internet, por um computador ou pelo próprio celular, de qualquer lugar e a qualquer momento”, diz a especialista. “Isso possibilita o acompanhamento em tempo real das medidas realizadas.”
De acordo com a pesquisadora, existem atualmente duas formas mais comuns de monitoramento do estresse hídrico nas plantações. Uma delas é a utilização de dispositivos para detectar os níveis de umidade do solo. A outra são análises de imagens obtidas por drones. “Mas nosso sensor possui algumas vantagens em relação a esses dois sistemas convencionais”, diz Barbosa.
A primeira é que seu dispositivo detecta variações de umidade diretamente nas plantas e não no solo. Por sua vez, os sistemas de drones exigem que as alterações fenotípicas sejam identificadas e muitas vezes elas só ocorrem em estado muito avançado de falta de umidade. Com o novo sensor, é possível fazer um diagnóstico precoce em termos de variação de estresse hídrico, uma vez que suas medidas eletroquímicas são extremamente sensíveis.
O novo sensor pode ser utilizado em qualquer cultura na qual o eletrodo possa ser colado à epiderme da planta. De acordo com o professor Renato Sousa Lima, as folhas de soja, por exemplo, têm uma rugosidade considerável tanto pela estrutura quanto pela presença de tricomas (apêndices epidérmicos que atuam de diferentes formas, mas, na maioria das vezes, promovem a proteção do vegetal) na epiderme. Tais características facilitam o uso do equipamento. “No caso das folhas de cana, tivemos um pouquinho mais de dificuldade, por causa da maior espessura das camadas epidérmicas”, afirma Lima. “Isso pôde facilmente ser resolvido, no entanto, aumentando o potencial elétrico aplicado pelo sensor.”
Os testes iniciais mostraram a eficácia do dispositivo. O sensor permaneceu fortemente aderido sobre a superfície das folhas de soja, mesmo diante da alta variação da temperatura e sob condições de ventos intensos. No momento, os pesquisadores estão realizando estudos com intervalos de tempo maiores, de dias a semanas, e também sob condições variáveis da temperatura e da umidade, visando a aplicação do sensor em condições mais controladas, como, por exemplo, em câmeras de cultivos de plantas. “Para aplicação de nosso dispositivo na agricultura extensa, os desafios são outros”, diz Barbosa. “Entre eles, precisaremos levar em consideração a interferência da chuva, o uso de agroquímicos e a radiação solar.”
Diante disso, a previsão da equipe é de que, dentro dois ou três anos, os estudos possam ser concluídos de modo que o sensor seja utilizado no campo. “Uma de nossas maiores dúvidas era se a presença dos eletrodos a longo prazo afetaria as funções biológicas da planta, como o processo de respiração e transpiração, e se alteraria a incidência de luz, afetando a taxa de fotossíntese”, diz Lima. Por isso, foram realizados ensaios de simulação, nos quais havia uma planta que foi exposta à presença do sensor aderido às folhas ao longo de 27 dias.
Para fazer a verificação, os pesquisadores se valeram dos serviços do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), que cedeu seu equipamento que opera em nanorraios X. Entre outros feitos, o dispositivo mapeou a distribuição de nutrientes naquilo que é chamado de veias das plantas. “Com isso, conseguimos observar que todas as estruturas permaneceram inalteradas na região abaixo do eletrodo, não prejudicando a distribuição e o transporte de nutrientes internamente nas folhas nas quais ele estava colado”, diz Barbosa. “Ou seja, o sensor não alterou as funções da planta.” Trata-se de mais uma conquista que mostra a força inovadora do agronegócio brasileiro.