Edição 37 - 03.07.23
Por Paula Pacheco
Nova novela da TV Globo mostra por que o Mato Grosso do Sul se tornou uma das principais referências do Brasil em inovação no campo
As cenas externas, gravadas em fazendas de Dourados e Deodápolis, mostram o papel da tecnologia na rotina dos produtores rurais. Máquinas agrícolas de última geração – filmadas durante operações corriqueiras nas propriedades –, drones trabalhando sem cessar nos céus que emolduram as fazendas e o controle da produção rural por computadores e celulares traduzem o extraordinário patamar tecnológico do agronegócio sul-mato-grossense. A soja é destaque no estado, que também brilha no plantio de milho, cana-de-açúcar e na criação de bovinos, suínos e aves, entre muitas outras atividades ligadas ao campo.
A pujança do agro no Mato Grosso do Sul é o pano de fundo da novela Terra e Paixão, que estreou em maio no horário nobre da TV Globo. Escrita pelo dramaturgo Walcyr Carrasco, ela mostra a rotina de produtores rurais de Nova Primavera, cidade fictícia inspirada em Dourados, em Mato Grosso do Sul. “Meu tio foi missionário em Dourados”, disse Carrasco em entrevista exclusiva à PLANT PROJECT, explicando por que decidiu encarar o projeto. “Quando eu era criança, lembro que fui visitá-lo com a minha mãe. Foi uma viagem inesquecível, que me marcou muito. Foi quando conheci a famosa terra roxa, ou, como também se diz, terra vermelha, conhecida por ser muito fértil. Isso ficou em minha memória.”
A decisão da Globo em focar suas lentes no agronegócio tem razão de ser. Além de ser o principal setor da economia nacional, o agro sempre foi eficaz em fisgar audiência. Exibida em 1990, na extinta TV Manchete, a novela Pantanal, escrita pelo genial Benedito Ruy Barbosa, foi um marco da televisão brasileira, levando milhões de pessoas a acompanhar a trama protagonizada por Juma (interpretada na ocasião por Cristiana Oliveira). Três décadas depois, a Globo decidiu recriar a história, e a nova versão de Pantanal mais uma vez quebrou recordes de audiência.
Agora, a ideia de Terra e Paixão é mostrar como a inovação impulsionou o agro no Mato Grosso do Sul. Superintendente do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar/MS), Lucas Galvan traduz a força local com números. “De 1992 a 2022, a área cultivada em Mato Grosso do Sul aumentou 2,5 vezes, enquanto a produção cresceu 5 vezes”, diz. “Isso foi consequência do avanço de 78% de produtividade no período. A tecnologia e a pesquisa no campo foram os principais impulsionadores da expansão agropecuária no nosso estado.”
A soja é a maior responsável pela melhora na performance do estado, com crescimento do Valor Bruto da Produção Agropecuária (VBP) acima da média nacional. Em 2023, o Ministério da Agricultura projeta que o Mato Grosso do Sul chegue a R$ 75,79 bilhões de VBP, um aumento de 7% em comparação com 2022. Já o VBP nacional deve ser de R$ 1,229 trilhão, o que corresponde a uma alta de 4,7% na mesma base comparativa.
A chuva nos períodos mais esperados pelos sojicultores sul-mato-grossenses contribuiu para a produtividade média ponderada alcançar mais um recorde. Entre a safra 2012/13 e a safra 2022/23, a área plantada aumentou 90,7%, enquanto a produção disparou 148,1%.
Não à toa, o Mato Grosso do Sul passou nos últimos anos a atrair a atenção de produtores de diversas regiões do País. Juliano Schmaedecke, 51 anos, saiu com a família do interior do Rio Grande do Sul aos 4 anos. Seu pai buscava terras mais baratas e as encontrou no Centro-Oeste brasileiro. Com o tempo, os negócios prosperaram. Atualmente, Schmaedecke se dedica ao cultivo de soja e milho em Sidrolândia, num total de 2,5 mil hectares de plantação.
O agricultor viveu diferentes fases na lida com o campo. Há alguns anos, a falta de acesso entre a propriedade e as cidades maiores atrapalhava até as atividades mais simples, como a ida à oficina mecânica para trocar peças dos maquinários. Ele cita ainda a dificuldade na obtenção de crédito entre o final dos anos 1990 e 2000. “Hoje, os tempos são outros”, diz Schmaedecke. Além da infraestrutura logística melhor, o produtor destaca a notável tecnologia embarcada nos equipamentos como um fator decisivo na evolução da atividade agrícola local.
Presidente do Sindicato Rural de Campo Grande, Alessandro Coelho faz parte da quinta geração de produtores rurais de sua família. Formado em Direito, ele chegou a atuar como advogado nas áreas trabalhista e ambiental, até que decidiu se dedicar ao agro – primeiro trabalhando com corretagem, quando a bolsa de mercadorias tinha acabado de se instalar no estado. Depois, foi ajudar o tio no dia a dia da propriedade.
Segundo Coelho, quem trabalha no campo sofre a pressão contínua para acelerar a produtividade. Por isso, a adoção permanente de novas tecnologias – exatamente um dos focos da nova novela global – é o único caminho possível. Ele se dedica à pecuária de corte e de leite, além do plantio de milho, sorgo, soja e feijão, entre outras culturas. De acordo com o presidente do Sindicato Rural, produtores mais velhos enfrentam dificuldades para incorporar recursos da nova era digital, como o uso de aplicativos no acompanhamento da evolução das plantas. Mas ninguém quer ficar para trás.
Nesse contexto, os produtores da região investem milhões de reais em novidades que têm maior aderência ao negócio. “Depois da ciência da Medicina, eu diria que a ciência rural viu mais avanços em termos de tecnologia nos últimos anos”, diz Coelho. “São investimentos gigantescos, mas sabemos que, depois que a tecnologia é adquirida pelo produtor, leva tempo até que haja uma adaptação, inclusive com a preparação dos funcionários. Podem ser necessárias de duas a quatro safras para treinar uma equipe.”
Se hoje quem atua no campo sul-mato-grossense incorporou o que o mercado chama de tecnologia 4.0 – como a agricultura de precisão, uso de plantadeiras com controle de cultura, pulverização com imagens de satélite e drones, entre outros dispositivos –, não vai demorar muito para a tecnologia 5.0 ganhar espaço, com a disseminação de recursos atrelados à inteligência artificial. Na suinocultura, por exemplo, já estão em uso alimentadores automáticos dos animais e até um regulador de temperatura que pode aquecer os leitões. “Uma tecnologia desse tipo reduz as perdas de leitõezinhos de 10% para 1%”, diz Coelho.
A tecnologia é especialmente importante em uma região com características peculiares, como é o caso do Mato Grosso do Sul. “Por ser um estado de grande extensão territorial e com diferentes condições climáticas, as novas tecnologias são indispensáveis”, afirma Lucas Galvan, do Senar/MS. Ele aponta o melhoramento genético como uma ferramenta vital para aproveitar ao máximo as potencialidades produtivas da região. “O desenvolvimento de novas variedades das principais culturas também foi responsável pelos avanços em nosso estado.”
As preocupações ambientais estão igualmente no horizonte dos produtores locais. Em novembro de 2021, o governo de Mato Grosso do Sul oficializou a meta de neutralizar a emissão de gases de efeito estufa (GEE) até 2030 por meio do programa Proclima. A proposta passa pelo agronegócio. Se implementado, o plano vai forçar uma série de mudanças no dia a dia de quem trabalha no campo.
O Proclima prevê que, em um prazo de nove anos, o governo de Mato Grosso do Sul atingirá o estágio de Emissão Líquida Zero (ELZ, ou carbono neutro). Para chegar a essa meta, foram definidas diversas iniciativas. Entre elas, estão o controle da queima de resíduos agrícolas, a restauração de Áreas de Preservação Permanente (APP) e reservas legais, o apoio à produção de energia renovável, o tratamento de resíduos e a criação de processos que estimulem programas de eficiência energética. Ou seja, o Mato Grosso do Sul não quer ser reconhecido apenas como uma região de grande vocação agrícola, mas também se tornar um exemplo de preservação ambiental.
“A AGRICULTURA ME FASCINA”
Em entrevista exclusiva, Walcyr Carrasco, autor da novela Terra e Paixão, diz por que o agro é fonte de inspiração
A lembrança de infância de uma visita a Dourados foi tão marcante para Walcyr Carrasco que, décadas depois, o episódio serviu de inspiração para que escrevesse Terra e Paixão, novela que estreou em maio na faixa nobre das 21 horas, na TV Globo. Na entrevista a seguir, Carrasco fala de seu contato com o campo, do papel da tecnologia no agro e sobre a importância da atividade agrícola no enredo de sua obra.
Por que o ambiente do agronegócio foi inserido na novela?
Nasci no interior de São Paulo, em Bernardino de Campos, e fui criado em Marília. Meus avós vieram da Espanha para trabalhar no campo. A agricultura me fascina e descobrir o nível de tecnologia a que se chegou nos dias atuais foi surpreendente.
Como surgiu a ideia de ambientar Terra e Paixão em Mato Grosso do Sul?
Meu tio foi missionário em Dourados (MS). Quando eu era criança, lembro que fui visitá-lo com a minha mãe. Foi uma viagem inesquecível, que me marcou muito. Foi quando conheci a famosa terra roxa, ou, como também se diz, terra vermelha, conhecida por ser muito fértil. Isso ficou em minha memória.
Como foi o seu contato com a tecnologia?
Voltei ao Mato Grosso do Sul duas vezes e realmente fiquei fascinado pela tecnologia implantada na agricultura nos dias atuais. Subi em uma colheitadeira que, só para chegar na cabine, tinha dois lances de escada. Descobri um computador que monitorava todo o mecanismo da máquina e seus resultados. Foi uma experiência única, que me impactou.
Por que colocar isso na televisão?
Vi um Brasil que eu pouco conhecia e imaginei que seria um bom cenário para a trama dos personagens. Um país que, assim como eu, muitas pessoas não conhecem, porque poucas vezes foi mostrado dessa maneira na televisão.
Qual é a relevância da atividade agrícola na história?
Terra e Paixão fala do amor pela terra. É uma novela clássica, que mostra a força do amor e da superação. O enredo traz uma luta por herança dentro do ambiente agrícola, de uma maneira que não estamos acostumados a ver em novelas. Na trama, Caio (Cauã Reymond) cuida da plantação e apresenta novas tecnologias para o pai, Antônio (Tony Ramos), como o uso de drones. É a face do produtor rural moderno, que acredita na evolução tecnológica e no futuro do agro.