Edição 36 - 23.05.23
Por Thiago Galante
Lançado há um ano, Plano Nacional de Fertilizantes almeja reduzir a dependência externa do Brasil por esse tipo de insumo. Como o setor se articula para atingir a ousada meta?
Há pouco mais de um ano, em março de 2022, o governo Bolsonaro lançou o Plano Nacional de Fertilizantes (PNF). O contexto da época não poderia ser mais desafiador. Enquanto 90% do mercado brasileiro era dominado por produtos importados, a Rússia, líder global do segmento, entrou em guerra com a Ucrânia, o que poderia afetar diretamente o abastecimento dos fertilizantes usados nas lavouras brasileiras.
Com 18 artigos, o PNF tinha o objetivo de reduzir a dependência externa para cerca de 50% até o ano de 2050. Durante a cerimônia de lançamento, a então ministra da Agricultura, Tereza Cristina, ressaltou que o plano não buscava trazer autossuficiência para o Brasil, mas manter o agronegócio nacional competitivo. “Ele foi feito pensando na segurança que o Brasil precisa ter desse insumo”, disse, na ocasião, a atual senadora pelo estado do Mato Grosso do Sul.
Para chegar à meta dos 50%, Tereza Cristina traçou algumas linhas de atuação. Entre elas, estavam a modernização e reativação de projetos já existentes, a atração de investimentos externos, a ampliação dos centros de pesquisa e a melhoria dos processos de distribuição. “É um plano ousado, mas factível”, diz Bernardo Silva, diretor executivo do Sindicato Nacional das Indústria de Matérias-Primas para Fertilizantes (Sinprifert), que representa quase 95% dos produtores brasileiros. Afinal, o que mudou de um ano para cá?
A boa notícia é que, de fato, houve avanços em diversos segmentos. Em primeiro lugar, deve-se destacar o volume recorde de investimentos. Um balanço feito recentemente pelo Sinprifert entre seus associados aponta que, nos próximos quatro anos, serão desembolsados R$ 21 bilhões na expansão da produção nacional de fertilizantes. “O montante leva em conta tanto projetos atuais, de continuidade e expansão, quanto iniciativas que estão saindo da prancheta”, diz Bernardo Silva.
A operação logística também passará por modernizações. A Companhia Brasileira de Fertilizantes (Cibra) anunciou que implementará no município de Sinop, no Mato Grosso, um sistema que, segundo a empresa, é inovador no mercado brasileiro. Em linhas gerais, ele consiste em um carrinho automatizado para realizar o transporte de fertilizantes. Com isso, o operador passará a desempenhar apenas a função de programar o veículo para que a carga seja direcionada para determinado box. Segundo a Cibra, o processo deverá assegurar maior agilidade na operação.
Não se trata de um caso isolado. No Porto do Itaqui, no Maranhão, foi inaugurada recentemente uma ferrovia para facilitar a distribuição de fertilizantes para a região do Matopiba, que inclui os estados do Tocantins, Piauí e Bahia, além do próprio Maranhão. Existem muitos exemplos. Lançada em 2022, a Caravana Embrapa FertBrasil percorreu 50 cidades do Centro-Sul do País – seus integrantes promovem palestras para a divulgação de tecnologias de fertilização.
Iniciativas como essas precisam de tempo para gerar frutos, mas ao menos os primeiros passos para reduzir a vulnerabilidade do mercado nacional de fertilizantes já foram dados. O cenário atual também é diferente de um ano atrás, quando o Plano Nacional de Fertilizantes foi lançado. Bernardo Silva lembra que os preços retraíram para o patamar pré-guerra, o fornecimento foi normalizado e houve até um leve aumento da produção nacional. “Isso diminui a pressão sobre o Brasil”, afirma o diretor executivo do Sinprifert.
De fato, tudo indica que o pior já passou. O analista da Datagro Paulo Bruno Craveiro destaca que, assim que o conflito bélico eclodiu no Leste Europeu, as incertezas sobre o abastecimento global de fertilizantes fizeram os preços dispararem. “Com isso, além de lançar o PNF, o Brasil buscou novos players do setor, como Canadá, Marrocos e China”, diz Craveiro. A estratégia foi certeira. A inclusão de mais fornecedores de fertilizantes levou, obviamente, à diminuição da dependência dos russos e, por consequência, garantiu maior segurança para os produtores brasileiros.
A medida foi tão certeira que a situação atual permanece sob controle. Agora mais mudanças estão a caminho. Com a transição de governo, o Conselho Nacional de Fertilizantes e Nutrição de Plantas (Confert), órgão consultivo e deliberativo do PNF, foi realocado para o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), que tem o vice-presidente, Geraldo Alckmin, como titular. Para Bernardo Silva, a realocação é relevante, pois indica que o PNF passará a ser discutido sob a ótica da reindustrialização.
Os debates sobre o setor não podem deixar de considerar a questão do gás. Matéria-prima essencial na fabricação dos fertilizantes, o gás natural responde por cerca de 80% dos custos de produção de fertilizantes agrícolas, sobretudo os nitrogenados, que são derivados da amônia, substância obtida a partir da transformação da commodity energética. “O problema do Brasil não é a disponibilidade do gás, é o custo”, pontua o diretor executivo do Sinprifert. Nesse aspecto, é impossível concorrer com os grandes produtores internacionais. No Brasil, a commodity custa entre US$ 14 e US$ 15 o milhão de BTU. “O ideal para viabilizar um projeto é algo em torno de US$ 4 a US$ 7 o milhão de BTU”, diz Bernardo Silva. Uma solução possível seria a substituição dessa matéria-prima por outras tecnologias, como o biogás e o nitrogênio verde, mas isso está longe de ocorrer.
O Brasil precisa ficar atento para não repetir os erros do passado. Nos últimos 30 anos, o desejo de aumentar a produtividade e a qualidade das lavouras causou uma explosão na demanda nacional por fertilizantes. O boom, entretanto, se chocou com um ambiente de negócios desfavorável e os altos custos de logística e energia elétrica. Somado a isso, observou-se a criação de políticas de incentivo à importação e a oneração desproporcional dos produtores nacionais. Em conjunto, esses fatores tornaram o agronegócio brasileiro dependente demais da importação de fertilizantes. Como em todas as áreas de negócios, é preciso equilibrar a equação. Só assim o agro terá segurança para trabalhar sem sustos.