O PESO DA REFORMA

Por César H.S. Rezende Agro teme que novas regras tributárias, ainda sem prazo para serem aprovad


Edição 36 - 22.05.23

Por César H.S. Rezende

Agro teme que novas regras tributárias, ainda sem prazo para serem aprovadas, aumentem os custos de produção e encareçam o preço dos alimentos 

 

Reformas no campo político e econômico nunca satisfazem todos os espectros da sociedade. Seja pelo barulho que fazem, seja pelas mudanças que provocam, elas sempre geram algum tipo de incômodo. Foi assim na Constituição de 1988; na implementação do Plano Real, em 1994; no estabelecimento do regime de metas de inflação, em 1999; na reforma trabalhista, em 2017; e na reforma da previdência, em 2019. Como não poderia deixar de ser, a nova reforma tributária não foge à regra. Ela segue empacada no Congresso, mas agora ao menos parece haver disposição dos políticos de Brasília para, enfim, colocar de pé um conjunto de normas capazes de desatar o intrincado nó tributário brasileiro.  

Não é de hoje que o setor produtivo clama por alterações na estrutura de cobrança de impostos. De acordo com dados do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), desde a década de 1990 foram sugeridas 240 reformas tributárias – como se sabe, até agora nenhuma vingou. Entre elas, estão duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC), a 45 e a 110, utilizadas como base para o texto que será apresentado pelo governo. Ambas começaram a ser discutidas na gestão do então presidente Jair Bolsonaro (PL). No entanto, com a pandemia de Covid-19, ruídos políticos e embates com outras instituições, como a própria Câmara dos Deputados e o Supremo Tribunal Federal (STF), o timing para o aprofundamento das discussões pela gestão passada foi perdido. Agora, a nova ministra do Planejamento, Simone Tebet, promete destravar a reforma em até seis meses. 

Mas, afinal, como a mudanças das regras do jogo afetariam o agronegócio. Antes, é preciso dimensionar o peso do setor para as contas públicas. O último dado disponível do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que o recolhimento de tributos pelo agro brasileiro foi de R$ 460,17 bilhões em 2020, o equivalente a 19,3% do total arrecadado na economia. O resultado serve inclusive para desmistificar a tese de que o campo paga pouco imposto. “Quando avaliamos a cadeia produtiva como um todo, vemos que a elevada tributação que existe no Brasil também atinge o agronegócio”, afirma Haroldo Torres, economista e professor da Esalq/USP, uma das principais instituições que compõem o sistema agroindustrial do País. 

As críticas sobre um eventual aumento na taxação recaem sobre o estabelecimento do Imposto Sobre Valor Agregado (IVA). Torres destaca que a instituição de uma alíquota única “pode fazer com que as cadeias menores do agronegócio sejam mais oneradas, o que prejudicaria a competitividade e a rentabilidade do setor”. A Sociedade Rural Brasileira (SRB) corrobora a tese do especialista e acrescenta que os concorrentes do Brasil, especialmente Estados Unidos e Europa, oferecem subsídios aos produtores.  

Para a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), principal braço político do setor no Congresso, a reforma tributária deveria levar em consideração as características únicas do agro nacional e as diferenças de cada segmento de atuação. “É preciso entender as particularidades de cada cadeia e o que isso significaria em termos de um imposto único”, diz Pedro Lupion, deputado do Partido Progressista (PP) e presidente da FPA (leia entrevista completa). “Também é importante lembrar que, entre mais de 100 países que utilizam o IVA, apenas três não têm alíquota diferenciada para alimentos. Será que o Brasil está pronto para tributar alimentos tal como todos os outros bens e serviços? A população irá aceitar isso? Acredito que não.” 

Principal vetor da economia brasileira, o agronegócio teme que a reforma onere o consumidor final. O efeito cascata, segundo o economista Haroldo Torres, levaria a um aumento generalizado de preços e chegaria aos produtos básicos da alimentação, como arroz e feijão: “Aumentar a carga tributária dos alimentos tem implicação direta no aumento da inflação e reduz o poder de compra da população, especialmente a de menor renda.” 

A ideia de uma espécie de cashback na cesta básica para devolver o dinheiro à população de baixa renda também preocupa. O deputado Reginaldo Lopes (PT), que coordena os grupos de discussão sobre a reforma tributária na Câmara, disse em entrevista recente que a devolução tende a deixar o imposto mais progressivo. “Para os mais pobres, era importante uma devolução daquele imposto pago, em especial na cesta básica”, afirmou. “É uma forma de ter um modelo mais distributivo, mesmo na tributação sobre o consumo.” A FPA não vê dessa forma. A entidade acredita que a ideia de um cashback da cesta básica terá impactos negativos no final do processo. “Funcionaria bem na Escandinávia, mas no Brasil é difícil de aplicar”, diz o deputado Pedro Lupion. 

Uma parte significativa dos analistas econômicos e setoriais reforça que não existe uma “bala de prata” capaz de resolver por completo a questão tributária no Brasil. Em um país de dimensões continentais, com problemas locais específicos e interesses divergentes de inúmeros segmentos da sociedade, fazer uma reforma que seja 100% eficaz é uma utopia. Para a Sociedade Rural Brasileira, um bom caminho é a simplificação do sistema, algo já contemplado pela  PEC 46, a chamada “Simplifica Já”. 

A proposta, de autoria do senador Oriovisto Guimarães (Podemos), sugere um modelo de reforma unificadora das leis estaduais e municipais que regem os tributos sobre o consumo, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Serviços (ISS). “Com a unificação, as quase 6 mil legislações existentes hoje em dia serão substituídas por apenas duas de caráter nacional, uma para cada imposto”, afirma o senador. “Essa medida reduzirá o custo das empresas e das administrações tributárias do País.” No fundo, o agronegócio sabe que não existe uma reforma ideal, e sim a possível.