O tango da safra argentina

O tango da safra argentina  Sob temperaturas de até 45 graus e ausência de chuvas nos últimos qu


Edição 35 - 12.04.23

O tango da safra argentina 

Sob temperaturas de até 45 graus e ausência de chuvas nos últimos quatro meses, país vizinho vê seus produtores de soja e milho perderem mais de 50% da área plantada, com prejuízos estimados em cerca de US$ 10 bilhões. Como isso impacta o mercado? 

Por Marco Damiani

 

O pêndulo da quebra da safra de grãos entre Brasil e Argentina está em pleno movimento mais uma vez. Enquanto no ano passado as maiores dificuldades estiveram do lado dos produtores nacionais de soja e milho, agora não resta dúvida de que os argentinos irão colher um dos piores resultados de sua história recente. O fator principal é o clima, que tem castigado as lavouras do país vizinho com temperaturas de até 45oC e uma ausência de chuvas que perdura desde o início do plantio, em setembro do ano passado. Apenas no final de janeiro, os mapas climáticos apontaram uma possível elevação dos índices pluviométricos para os meses mais próximos das colheitas de grãos na Argentina, a partir de maio, mas essa previsão não é suficiente para animar o mercado local. Em valor de comercialização, as perdas já são estimadas em US$ 10 bilhões para este ano, com mais de 50% da área plantada afetada pela seca e o calor.

 

Com 18 anos de atuação dentro da Cooperativa Agrícola General Paz, no coração rural da Argentina, em Córdoba, o engenheiro agrônomo Maurizio Lattanzi está impactado pela situação. “Nunca vi um quadro de tanta devastação nas lavouras da nossa região e da Argentina como um todo”, disse ele à PLANT PROJECT. Situado no Departamento de Marcos Juárez, Lattanzi presta assistência agrícola para a um grupo de 300 produtores de grãos. “É o pior momento da nossa agricultura”, sentencia.

 

“Além de estarmos este ano sofrendo com a seca e as temperaturas altíssimas, temos também contra nós o câmbio, os impostos e a falta de incentivo do governo à produção do campo”, diz Lattanzi. “Um produtor de soja argentino perde pelo menos 60% por cento de sua safra em taxas, impostos e diferença cambial”, contabiliza. Ele calcula em 50% a quebra da safra de milho em todo o país, mas ainda acredita em uma recuperação da soja, cujo plantio tardio, nesta época do ano, está sendo beneficiado por chuvas que só estão chegando agora. “Já notamos uma diminuição nas temperaturas e melhores condições para as plantas florescerem”, assinala o profissional. “Mesmo assim, enquanto no ano passado tivemos uma média de 11 toneladas de soja por hectare, agora os produtores que obtiveram 6 toneladas por hectare poderão dizer que tiveram sorte”, compara.

 

A Bolsa de Cereais de Buenos Aires vem cortando, semana a semana, as projeções para o tamanho da safra. Das 50 milhões de toneladas previstas em setembro pela entidade para a colheita de milho, o boletim da última semana de janeiro cortou essa projeção para 37,8 milhões de toneladas, considerando o pior cenário. Para a soja, o panorama é igualmente negativo. O índice de lavouras em condições ruins ou muito ruins passou de 56% para 60% em janeiro, com apenas 3% da soja em bom estado. “As chuvas registradas continuam sendo insuficientes para o melhorar o cenário das áreas já semeadas”, aponta o relatório da Bolsa. “A ausência de precipitações junto com as altas temperaturas, desde o início da temporada, afetaram o desenvolvimento das plantas”, acentua o documento.

 

DEVASTAÇÃO NAS LAVOURAS 

 

“O cenário é desolador”, relata o engenheiro agrônomo Cristiano Palavro, diretor da Pátria Agronegócios, especializada em relatórios sobre a produção do campo. Ele realizou este ano uma viagem de 5 mil quilômetros para observar de perto o estado das lavouras ao sul do Rio Grande do Sul e nas principais regiões produtoras da Argentina. Voltou ao Brasil bastante impressionado, negativamente, com o que viu. “Temos, sim, problemas em razão das altas temperaturas no Sul do Brasil, mas nada comparável ao que está acontecendo na produção argentina. Não vi nenhuma lavoura boa, sem exceção, mas sim plantações inteiras com grande dificuldade de floração em razão da estiagem mais grave das últimas décadas”, relata.

 

Palavro passou pelas regiões produtoras de Santa Fé, Entre Rios, Córdoba e Buenos Aires. Em todas elas amealhou lamentos dos produtores argentinos pelo clima desta safra, especialmente, mas também pela falta de socorro por parte do governo local. “Eles terão condições de, no máximo, colher 42 milhões de toneladas de soja”, contabiliza. “A área plantada não aumenta a sete anos, o maquinário está defasado e não há nada da tecnologia aplicada que vemos aqui no Brasil. Em todos os sentidos, a agricultura argentina, que não tem sido incentivada pelo governo, está andando para trás”, define o técnico.

 

Com uma colheita historicamente tardia, a soja argentina pode experimentar uma recuperação se, conforme as mais recentes previsões climáticas, as chuvas voltarem. Isso porque a soja é uma oleaginosa conhecida por sua capacidade de recuperação, o que não é característica do milho. Mesmo assim, no entanto, a perspectiva é mesmo de uma quebra histórica. Entre trigo, soja e milho, a quebra projetada é de 28,5 milhões de toneladas, uma queda de 23% sobre a produção esperada inicialmente, segundo a Bolsa de Comércio de Rosário. Com isso, o governo deixará de arrecadar, de acordo com a mesma fonte, cerca de US$ 3,5 bilhões em impostos, agravando a situação de penúria dos cofres públicos.

 

REFLEXO NO BRASIL 

 

Para o produtor brasileiro, ao contrário do que possa parecer inicialmente, o tango da safra argentina não soa como samba para o mercado nacional, que normalmente repercute as quebras de lá com elevação nos preços nos grãos brasileiros. “O mercado já precificou essa quebra e não se espera nenhum ‘boom’ no valor de comercialização dos nossos grãos”, indica o diretor da Pátria Agronegócios. “Este ano, o volume de vendas antecipadas foi menor do que no ano passado, mas isso também significa que os compradores estão à espera do melhor momento para fazer suas ofertas”, diz ele. “Deveremos ter, no Brasil, uma safra recorde, com excelente desempenho das lavouras de soja em Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e na região Nordeste, o que vai pressionar os preços para baixo, compensando, ao menos em parte, a falta dos grãos argentinos”.

 

Tudo indica que os produtores nacionais estão segurando suas vendas à espera de novos reflexos no mercado das perdas na Argentina. “Ao mesmo tempo, os compromissos financeiros dos nossos produtores começarão a chegar em breve, o que sinaliza que essa retenção tem hora para acabar – e os compradores conhecem bem essa situação”, aponta o especialista Palavro.