Um piloto na corrida dos fertilizantes

Ernani Judice deixou as pistas para acelerar no agro com uma inovação na área de nutrientes para


Edição 29 - 01.06.22

Ernani Judice deixou as pistas para acelerar no agro com uma inovação na área de nutrientes para o solo.

A tecnologia certa na hora certa. Ex-piloto de automobilismo e empreendedor carioca, Ernani Judice acredita que tem as condições perfeitas para acelerar um projeto que vem aperfeiçoando há mais de uma década. “Dois aspectos tornam esse momento extremamente favorável: o marcado de fertilizantes com preços em alta e a dificuldade de abastecimento e a necessidade das empresas do agro de se adequarem à agenda ESG”, afirma. “A solução que desenvolvemos na Agrion entra muito forte nessas duas vertentes.”

Judice hoje pilota a Agrion AgriSolutions, empresa que aposta em uma tecnologia proprietária na produção de fertilizantes organominerais. A Agrion foi criada há apenas dois anos, mas o executivo já aposta no setor desde 2009, quando, ao lado de outros sócios, lançou no mercado a ideia de usar resíduos da produção de cana como veículo para a aplicação de fertilizantes nitrogenados (NPK) no solo. A novidade trazida pela nova companhia é o modelo de produção com fábricas descentralizadas, localizadas ao lado de usinas parceiras. Com isso, garante, solucionou alguns dos entraves que emperraram o projeto anterior.

A cronologia dessa inovação ajuda a entender o entusiasmo de Judice. Os fertilizantes organominerais – que, como o nome diz, combinam elementos orgânicos e minerais – são regulamentados já há muitos anos e formam uma categoria ampla, que inclui produtos feitos à base de resíduos vegetais e animais. O empreendedor começou a analisar esse mercado na primeira década do século quando, ao ver as portas da Fórmula 1 se fecharem para ele (que foi campeão brasileiro de Fórmula 3, mudou-se para a Europa e chegou a ter um pré-contrato para a principal categoria do automobilismo), voltou ao Brasil com o sonho de criar seu próprio negócio. “Eu sempre olhei para a cadeia de alimentos, mas acabei desenvolvendo um modelo de aterros sanitários privados, numa época em que uma nova lei tornou esse mercado atrativo”, conta. O empreendimento saiu do papel e ele chegou a vender seus serviços para 12 municípios do estado do Rio de Janeiro. “Mas então percebi que não podia ficar simplesmente enterrando lixo.”

Nessa época, o sogro de Judice liderava um projeto de tratamento de resíduos e o executivo enxergou uma oportunidade paraconstruírem algo juntos. Eles fundaram, então, a Geociclo, com foco no desenvolvimento de fertilizantes organominerais de alta qualidade. O produto era resultado do tratamento da matéria orgânica residual do processo industrial nas usinas de cana, a torta de filtro. Submetido a um processo químico de bioestabilização – uma espécie de compostagem acelerada por bactérias e fungos –, esse material se torna base para receber os fertilizantes, macro e micronutrientes. “Temos uma tecnologia proprietária para fazer esses minerais entrarem nos poros da matéria orgânica, que cria uma barreira física e encapsula o NPK”, diz Judice.

O resultado são pequenos grãos, de dureza bastante elevada, e que podem ser aplicados no solo com muitos benefícios em relação aos fertilizantes convencionais. A barreira física proporcionada pelo material orgânico faz com que a liberação do NPK seja mais controlada, evitando que ele se perca muito rápido pela ação do solo, da chuva e do calor. “Boa parte dos fertilizantes foi desenvolvida para clima temperado”, afirma o executivo.  “Mais de 60% se perde muito rápido no nosso clima tropical. O nosso produto, não. Ele vai se degradando e liberando os nutrientes aos poucos. Assim, o produtor consegue aplicar menos e a planta vai absorver mais, gerando uma produtividade maior.”

A própria matéria orgânica, ao se dissolver, é incorporada pelo solo, deixando-o mais rico. Além disso, o processo permite que sejam adicionadas outras substâncias benéficas necessárias para determinado terreno. Outra vantagem, segundo Judice, é a redução de custos de operações agrícolas, por permitirem a diminuição de aplicações de fertilizantes, que consomem horas de equipe, máquinas e combustíveis. “Com isso, contribuímos para a redução do impacto ambiental da cadeia em várias frentes: com a reciclagem dos resíduos orgânicos, menos emissões com queima de combustível e também com a liberação de gases provenientes dos fertilizantes nitrogenados.

“Além da agenda ESG, a solução é viável economicamente”, afirma Judice. “Não adiantaria resolver um problema e criar outro. A conta para o produtor é muita positiva.” De acordo com estudos realizados na Universidade Federal de Uberlândia, cidade onde fica a sede da Agrion, com o uso dos organominerais seria possível reduzir o uso de fertilizantes em 58% sem perder produtividade. “Mas nosso objetivo é aumentar a produtividade. Nossa estimativa é de que com 30% a 40% menos NPK é possível ter um ganho de produtividade de 10% nas lavouras de cana.”

Novo negócio

Se os resultados são tão favoráveis, o que fez com que Judice não tenha conseguido acelerar antes? O empresário afirma que, até dois anos atrás, o modelo de negócios estava equivocado. Ele previa a instalação de grandes fábricas centralizadas para processar a torta de filtro, incorporar o NPK e, então, distribuir o fertilizante organomineral. “A matéria-prima tem pouco valor agregado e o custo logístico para transportá-la, em grandes volumes e distâncias, inviabilizava a operação”, diz. Ao se desligar da Geocon, Judice se dedicou a desenvolver um modelo de fábricas menores, descentralizadas, instaladas ao lado de usinas. Assim, a um passo delas estaria não apenas a torta de filtro, mas as próprias lavouras que usariam o seu produto. “A própria usina consome de 30% a 50% da produção em seus canaviais e já viabiliza o investimento”, explica. “O restante vendemos no mercado, na própria região.”

A primeira unidade com esse modelo já está contratada junto a uma usina da região do Triângulo Mineiro e está em fase de estruturação financeira para sua implantação. O investimento fica na casa de R$ 20 milhões e deve estar operando no primeiro trimestre de 2023. Uma segunda está prevista para o Nordeste e há outros dez memorandos de intenção assinados com usinas em outras regiões. Os modelos de negócios são feitos sob medida para cada parceira. A usina pode apenas atuar como fornecedora da matéria-prima e, ao final do processo, comprar o fertilizante, em um contrato de longo prazo, ou entrar como sócia no negócio, tendo acesso ao produto com custo bem menor que o de mercado. “Outro benefício, além dos ganhos econômicos e de produtividade, é que com a redução da pegada de carbono pode haver a geração de CBios”, diz o empresário.

Uma fábrica de porte médio, com capacidade de produção de 30 mil toneladas, fornece o necessário para fertilizar em torno de 45 mil hectares. Isso cobre com sobras as necessidades de uma usina e abre a possibilidade de comercialização para outros produtores, inclusive em diferentes culturas. A flexibilidade do modelo permite adaptar a consistência da matéria orgânica para que ela se dissolva no ritmo adequado a cada uma delas. A cana, como cultura mais perene, exige que a liberação do fertilizante seja mais gradual. Em culturas de crescimento mais rápido, como a soja, a resistência da “cápsula” de torta de filtro pode ser menor, permitindo uma liberação também mais rápida.

A Agrion patenteou o processo de produção, que pode ser replicado junto a outras atividades que geram grande quantidade de resíduos de matéria orgânica, como a indústria de celulose ou mesmo a suinocultura. Nesse momento, no entanto, o foco está totalmente voltado para o potencial do setor sucroenergético. Há mais de 400 usinas em atividade no País, a maioria em condições de ter uma fábrica de fertilizantes ao seu lado. É uma estrada aberta para quem gosta de acelerar.