Qual é o cheiro da inovação? As flores e o aroma das novidades

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Edição 29 - 04.05.22

Num simples vaso de flor, onde se vê um arranjo decorativo ou uma muda que está sendo cultivada, há muito mais do que a gente possa imaginar. Como parte de uma cadeia produtiva altamente tecnificada, pétala por pétala, as flores trazem ao nosso dia a dia uma riqueza de cores e aromas que contribuem para o bem-estar, seja por evocar emoções em momentos especiais ou pela beleza estética ao decorar e dar vida ao ambiente em que vivemos.

O segmento das flores é dinâmico e conectado ao nosso cotidiano, sendo sensível a qualquer variação de mercado puxada por tendências e hábitos dos consumidores, colocando os demais agentes do setor em atenção ao cheiro do que é novo para continuar produzindo, inovando e encantando.

Segundo o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, existem no País cerca de 8 mil produtores responsáveis por cultivar mais de 2,5 mil espécies e 17,5 mil variedades de flores e de plantas ornamentais. São flores de corte – as utilizadas para arranjos e decoração de eventos sociais como os casamentos –, flores e plantas de vaso, assim como produtos para paisagismo à venda em garden centers, floriculturas, redes de varejo e e-commerce.

O setor gera mais de 200 mil empregos e movimentou R$ 9,5 bilhões em 2020, de acordo com o Ibraflor – Instituto Brasileiro de Floricultura. O estado de São Paulo mantém uma liderança no ranking nacional da produção (só a região de Holambra concentra 45% do volume produzido no País), que também conta com a participação de produtores de Minas Gerais, Ceará, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

Composto em grande parte por pequenas propriedades familiares, mesmo com as dificuldades impostas pela Covid-19 o segmento manteve sua essência inovadora para continuar desenvolvendo novas variedades e produzindo em estufas com estruturas de cultivo protegido, sistemas de climatização e irrigação, práticas de controle biológicos de pragas e logística refrigerada para manter a qualidade dos produtos finais.

Home office mais colorido e diverso

Ricardo Campo é coordenador de inovação da Raízen e gestor do Pulse hub. É técnico em artes gráficas pelo Senai Fundação Zerrenner, graduado em Propaganda e Marketing pela Universidade Mackenzie, especialista em Marketing de Varejo pelo Senac e possui MBA em Marketing pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Admira a coragem dos empreendedores rurais e sua trajetória no agro também inclui a atuação nos times de marketing da DSM/Tortuga e do Rabobank Brasil.

No âmbito mundial, as exportações de flores são lideradas, respectivamente, pela Holanda, Colômbia, Equador, Quênia e Etiópia, como mostra o relatório “A Mixed Bouquet of Developments in Floriculture: World Floriculture Map 2021”, publicado em janeiro de 2022 pelo Rabobank em cooperação com a Royal Flora Holland, maior cooperativa holandesa de flores.

O Brasil é um grande produtor e figura entre os 15 maiores do mundo, mas a exportação acaba não se mostrando muito atraente frente aos custos logísticos, alta do câmbio e um mercado interno que acaba suportando a oferta apesar de ainda haver espaço para aumento do consumo per capita – na média de R$ 42,00 (Ibraflor), o que chega a ser quatro a cinco vezes menor do que o consumo nos Estados Unidos.

Parece, no entanto, que durante a pandemia isso já começou a mudar. Com os modelos híbridos de trabalho, onde home office e anywhere office passaram a ser considerados pelas empresas, houve um aumento de consumo de flores e plantas por pessoas que não as consumiam e que, ao passarem mais tempo confinadas, buscaram uma conexão com algo mais natural e orgânico dentro de sua residência ou novos locais de atuação.

Com o fechamento do comércio e o isolamento social, o setor passou por dificuldades a ponto de alguns produtores mudarem para outras culturas como legumes e vegetais. Porém, como a necessidade é a mãe da invenção (obrigado pela dica, Platão!), o segmento precisou se reinventar e conseguiu manter o fôlego com a virada para as vendas on-line e a ampliação dos serviços de delivery para atender aos consumidores com novos hábitos e que demandam produtos frescos e com maior frequência.

As flores também ganharam mais espaço nos supermercados, mas, como indica a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), 40% do faturamento anual do setor ainda é gerado no primeiro semestre, com as vendas para o dia das mães e dia dos namorados. Se ainda considerarmos que, no Brasil, popularmente o mês de maio é conhecido como o mês das noivas, essa concentração das vendas na primeira metade do ano pode ser ainda maior.

Essa sazonalidade é importante e relevante, mas pode representar um risco como o que se viu nos últimos dois anos, com a redução de eventos sociais e baixa atuação de decoradores e paisagistas. Nesse ponto, investir em ações de marketing para mudança de comportamento e a ampliação da percepção de que as flores podem ser uma opção para diversas ocasiões – independentemente da orientação de gênero, religião e idade – pode ser a chave para manter o ritmo das vendas ao longo de todo o ano.

Campanhas do Ibraflor e da Cooperativa Veiling Holambra já dão o tom de como as flores são opção múltipla para diversos momentos e públicos

Nossa sociedade está evoluindo bastante em relação à diversidade e em estabelecer um lugar seguro para a expressão dos sentimentos. Entretanto, como em toda mudança cultural, é preciso sensibilidade para reduzir as barreiras de comportamento e favorecer um reconhecimento coletivo das diferenças. Essa é uma semente que provavelmente só irá florescer no longo prazo, mas quem a cultivar certamente terá um buquê de oportunidades nas mãos.

Em nome da rosa

Apesar do bom desempenho dos crisântemos, astromélias, lírios e lisianthus, pelo que informa a CNA, a rosa é a flor de corte mais cultivada e consumida no País. Não é de se estranhar que a rosa tenha se tornado um símbolo e isso fica nítido com a sua presença nas artes plásticas, música, literatura e cinema.

Das pinturas e penteados de Frida Kahlo ao som de Cartola com As Rosas Não Falam, a Vinícius de Moraes com A Rosa de Hiroshima, folheando páginas com Umberto Eco em O Nome da Rosa até chegar às telas com Woody Allen e A Rosa Púrpura do Cairo.

A rosa é uma das personagens emblemáticas do O Pequeno Príncipe, de Saint-Exupéry, mas é de outra fábula, A Bela e a Fera, escrita por Madame Leprince de Beaumont, que veio a inspiração para o case de marketing que mostra o quanto um conceito é capaz de inovar e aumentar o valor de um produto agrícola.

Precursora do comércio eletrônico de flores no País, a Giuliana Flores pegou carona no lançamento da segunda versão live action do filme da Bela que se apaixona pela Fera, em 2017, para lançar a “Rosa Encantada”, produto que apresenta um botão de rosa colombiana preservada em redoma de acrílico e que, graças a uma técnica com aplicação química, pode durar até dois anos.

E a história teve um final feliz. Tanto que a empresa iniciou um modelo de venda física com quiosques em shoppings e esse produto, sozinho, chegou a representar 25% do faturamento da companhia em 2019. Hoje há uma variação de cores e tamanhos, além de kits com itens complementares que podem fazer um ticketvariar de R$ 160 para um único botão de rosa até R$ 500 para uma versão “Jardim”, com dois botões.

Um jardim no metaverso

A flor é um produto rural e que requer sensibilidade no trato. Além de mãos cuidadosas, entram em cena a tecnologia e a inovação para contribuir com a qualidade e produtividade do setor. E aqui vale citar o desenvolvimento de insumos e substratos como sementes e bulbos, micro e biofertilizantes, além de sistemas e dispositivos para controle do clima em estufas e melhor uso de recursos naturais como o solo e a água.

Dado que é um produto perecível, a logística também é um ponto crítico e, a depender do destino, hoje já se utilizam caminhões ou aviões climatizados para garantir o frescor dos produtos. Rastreabilidade e otimização das entregas também fazem a diferença e isso fica evidente no exemplo da Cooperflora (Holambra-SP), que utiliza um sistema patenteado com radiofrequência para controlar 130 mil cestos que circulam em suas entregas aos clientes.

Outra inovação de nome curioso e no mínimo engraçado é a “Bosta em Lata”, empresa de adubos e substratos orgânicos que segue o conceito da economia circular para desenvolver uma linha de produtos à base de esterco animal, casca de árvores, cama de aviários e cinzas.

A empresa se posiciona como uma alternativa sustentável para quem quer cuidar de suas plantas, oferece um produto que é pet friendly e espera faturar R$ 10 milhões em 2022. Merda acontece e nesse caso aconteceu. Tanto que o negócio chamou a atenção do Grupo Holandês Ter Steege Internacional, que produz vasos para plantas e passou a deter 66,7% da empresa de adubos em outubro de 2021.

Ainda no campo das invenções está a “Flower Machine”, vending machine de flores com sistema de telemetria para controle remoto da operação e estoque. Desenvolvida pela Esalllabs, startup do grupo de floriculturas Esalflores (Curitiba-PR), a máquina possui sistema de refrigeração e umidificação para que os botões de rosa e outros arranjos florais vendidos durem por mais tempo.

A influencer virtual “Lu do Magalu” promovendo a “Bosta em lata” e o detalhe do perfum.AR, da Natura e startup Noar

Se todas essas inovações já dão um cheiro do que está rolando no setor, o que podemos aguardar para as novas fronteiras de mercado que se abrem com as experiências digitais e o tão falado metaverso? Se depender da startup Noar e de sua tecnologia inovadora, esse jardim já está em desenvolvimento.

Startup brasileira fundada pela engenheira Claudia Galvão, a empresa cria formas de experimentação olfativa 100% digital como o MultiScent 20, produto que parece um tablet e permite interação com catálogos on-line de perfumes e teste de fragrâncias. Com cartuchos inseridos no aparelho, é possível testar até 20 fragrâncias com refis que fazem até 100 disparos, sem gotículas, em alternativa a catálogos impressos e mostruários físicos.

A Natura apostou nessa tecnologia e já a utiliza em sua rede de lojas com o “Natura perfum.AR”, desenvolvido em parceria com a startup, para oferecer uma experiência multissensorial, em que, além de sentir a fragrância, o usuário pode ainda navegar pelo conceito e pela imagem do produto.

Os jogos em 4D e aplicações no metaverso já estão na mira da Noar. Se alguns perfumes e cosméticos são capazes de sintetizar os aromas de flores e elementos da natureza, parece que o “cheiro digital” poderá ser uma forma das flores seguirem vivas e perfumadas nos ambientes de realidade virtual.

O futuro é logo ali e sempre será bem desafiador. Mas, indiferente ao meio, se físico ou digital, desejo que você continue comprando e enviando flores para tocar o coração de alguém e apoiar o setor!