50 anos do Proálcool: lições de uma política de Estado

Edição: 50
17 de outubro de 2025

Por Plinio Nastari, presidente da DATAGRO

O Programa Nacional do Álcool (Proálcool), criado em 1975, completa meio século de existência. Ao longo desse período, consolidou-se como uma das políticas públicas mais relevantes da história do Brasil, transformando a cana-de-açúcar em vetor estratégico para a segurança energética, para a diversificação da matriz e para o fortalecimento da agroindústria.

O Proálcool nasceu em um contexto de grande incerteza. O presidente Ernesto Geisel compreendia a vulnerabilidade do país diante da dependência externa de petróleo e antevia os riscos da volatilidade dos preços do açúcar no mercado internacional, que já havia oscilado de US$ 0,05 para US$ 0,50 por libra-peso em função de medidas protecionistas e eventos geopolíticos, como o embargo a Cuba. Foi essa visão estratégica que impulsionou a decisão de estimular a produção de álcool combustível como alternativa complementar à gasolina.

A trajetória do programa não foi linear. O período de crises entre 1989 e 1990 é lembrado por acusações de que usinas teriam retido álcool para priorizar a produção de açúcar. Na realidade, as cotas definidas pelo Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) eram rigorosamente cumpridas pelas usinas, e o desabastecimento resultou de falhas de gestão e coordenação estatal. Todas as crises do Proálcool, como a experiência demonstrou, foram fabricadas.

O setor sucroenergético, por sua vez, demonstrou enorme resiliência. A cada momento de retração, a indústria respondeu com eficiência, tecnologia e capacidade de adaptação. Foi assim que, a partir da década de 2000, o Brasil consolidou-se como o maior produtor mundial de açúcar e o segundo maior produtor de etanol, exportando tecnologia e know-how em biocombustíveis.

Nos anos iniciais do Proálcool, a produção de etanol combustível era modesta, pouco acima de 600 milhões de litros. Hoje, essa marca foi multiplicada por mais de cinquenta vezes. Na safra 2025/26, a moagem de cana para uso industrial deve atingir 664 milhões de toneladas de cana, produzindo estimados 44,85 milhões de toneladas de açúcar e 36,2 bilhões de litros de etanol, dos quais 26,0 bilhões de litros de etanol de cana e 10,2 bilhões de litros de etanol de milho. Essa escala expressiva, construída em cinco décadas, demonstra o salto tecnológico e produtivo proporcionado pelo programa.

Esse avanço reflete também a impressionante produtividade da cana-de-açúcar, que no Brasil atinge rendimentos acima de 70 toneladas por hectare. A integração agrícola-industrial entre a cana e o milho, e a diversificação crescente da produção gerando co-produtos como a bioeletricidade, o biogás e biometano, as leveduras, o etanol de segunda geração, o DDG/DDGS na cadeia do etanol de milho, e a captura de CO2 biogenico fazem da cadeia sucroenergética uma das mais eficientes do mundo.

No cenário internacional, o Brasil responde por cerca de 50% do açúcar exportado globalmente e figura entre os maiores exportadores de etanol, consolidando-se como referência em biocombustíveis. Esses resultados reforçam a importância do Proálcool como base de uma estratégia de longo prazo que alia competitividade e sustentabilidade. A cana de açúcar se consolidou como a fonte de energia mais importante da oferta interna de energia, com 16,7% do total, que em 2024 atingou 50% de renováveis. No primeiro semestre de 2025, o etanol combustível substituiu 45,6% de toda a gasolina consumida no Brasil, uma marca inigualada em todo o mundo, e que serve de modelo para muitos outros países como os EUA, India, Tailandia, Indonesia, Paraguay, Argentina, e Bolivia, dentre outros.  

Os benefícios ambientais também são significativos. O etanol brasileiro reduz em até 90% as emissões de gases de efeito estufa em relação à gasolina, e o uso do combustível já evitou a emissão de centenas de milhões de toneladas de CO? ao longo de sua trajetória. Trata-se, portanto, de um exemplo de política pública que antecipa soluções para a agenda climática contemporânea.

A experiência do Proálcool, iniciada há 50 anos, permitiu a criação de um arcabouço institucional robusto, que sustenta a política de biocombustíveis até hoje e serviu de base para programas subsequentes, como o RenovaBio, a Lei Combustível do Futuro, o Programa de Aceleração da Transição Energética, e o Programa Mover.

Celebrar os 50 anos do Proálcool é reconhecer a importância de políticas de Estado que transcendem governos, que criam condições para a inovação e que projetam o Brasil como referência mundial em energia renovável. Mais do que um capítulo da nossa história, o Proálcool permanece como uma bússola para o futuro: mostra que é possível, com visão estratégica, transformar vulnerabilidades em oportunidades e construir caminhos de sustentabilidade e segurança energética.

E é justamente com esse espírito de celebração que os 50 anos do Proálcool serão celebrados na 25ª Conferência Internacional DATAGRO sobre Açúcar e Etanol, a ser realizada nos dias 20 e 21 de outubro, em São Paulo. O evento reunirá lideranças do setor, autoridades e especialistas para discutir o legado do programa e projetar os próximos passos da transição energética.

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