BABILÔNIA 4.0 E OS JARDINS SUSPENSOS DA SUA PRÓXIMA SALADA

Por RICARDO CAMPO*       Às margens do Rio Eufrates, na região que hoje é conhecid


Edição 35 - 09.05.23

Por RICARDO CAMPO*

 

 

 

Às margens do Rio Eufrates, na região que hoje é conhecida como Iraque, ficava uma das sete maravilhas do mundo antigo, os Jardins Suspensos da Babilônia. Com relatos históricos que datam de 600 a.C., foi um jardim exótico construído nas alturas e de magnitude impressionante, com sistema de irrigação e engenharia muito à frente daquele tempo.

 

Se é verdade ou não, é um empreendimento que segue vivo no imaginário do presente em passagens bíblicas, em letra de música pop da Rita Lee e como inspiração para instalações futuristas de algumas startups.

 

Dando um salto temporal, saindo dos andares verdes do Oriente Médio e chegando ao frescor dos ecossistemas de inovação, também é possível abrir o cardápio e discutir uma salada de ideias sobre a agricultura vertical.

 

Em construções que mais lembram cenários de ficção científica, pela alta tecnificação e ambientes geralmente iluminados pelas luzes coloridas dos leds, as fazendas verticais despontaram nos ambientes urbanos e estão colocando à prova a atuação de agfoodtechs, o paladar de consumidores e o apetite de investidores.

 

 

Neste contexto de agricultura de ambiente controlado, também conhecida como agricultura indoor, startups e grandes grupos econômicos estão fazendo as suas apostas com a produção de hortaliças, vegetais e frutas dentro de prédios e outras edificações, em experimentações que podem mudar o futuro da alimentação.

 

Num segmento que aproveita o bom momento de maior atenção para vida e alimentação saudáveis, em tendência alavancada pela pandemia e pelos cuidados com a saúde e o bem-estar, como destacou o relatório “A Fresh Start?” da Fruit Logistica, as cifras impressionam e colocam um tempero nas expectativas de quem está fincando raízes no setor.

 

É o caso da Bowery Farming de Nova York, que, de acordo com dados da Crunchbase, já levantou mais de US$ 640 milhões em nove rodadas de investimento e da paulista Pink Farms, que acabou de fechar captação de R$ 15 milhões contando com a participação da SLC Ventures, braço de investimentos de um dos maiores grupos rurais do País, a SLC Agrícola.

 

Aparentemente mais palatáveis na aceitação do público do que a carne de laboratório, que ainda sofre com o ceticismo do mercado e dos consumidores, parece que os produtos cultivados nos centros de inovação em andares têm ganhado um bom espaço nas gôndolas de varejistas e nas participações de fundos de investimento de risco. Mas, como toda inovação, há um custo de consolidação e validação do modelo desse negócio que está em maturação e que ainda poderá render um bom prato.

 

Alface nas alturas

 

Apesar do hype ao redor do modelo de produção vertical, recentemente algumas startups desse segmento precisaram apagar as suas luzes no exterior, mesmo tendo recebido volumes consideráveis de investimento. Isso gerou um ponto de atenção para uma equação importante em relação ao potencial de mercado versus o capital necessário para manter operações com sistemas de iluminação, climatização, ventilação, inteligência artificial para controle das condições e um alto consumo de energia elétrica.

 

As usinas de energia solar são uma possível alternativa para melhorar esse custo e aumentar a escala. Porém, outro fator relevante são os consumidores e a sua real disposição a pagar por produtos com valor agregado. Isso porque as fazendas verticais são direcionadas para nichos e têm como diferenciais a sua produção com menor uso de água, menos insumos para fertilização e zero aplicação de defensivos contra pragas, por não haver insetos nos ambientes fechados, algo que também colabora com uma quaFo lidade estética e de higiene para o que é produzido. Apesar do dilema custo versus demanda das vertical farms, alguns exemplos já mostram como esse negócio está decolando, literalmente.

 

Como a joint venture Emirates Crop One, formada entre a Emirates Flight Catering (EKFC) e a startup Crop One, para a criação do complexo de produção vertical Bustanica, de 30 mil m2 em Dubai, para servir aos passageiros da companhia aérea Emirates e de outras companhias atendidas pela EKFC.

 

Reconhecida como uma das maiores fazendas desse tipo no mundo, essa receita de inovação na prática também apoia o branding da Emirates, com acesso à matéria-prima diferenciada para refeições aéreas e reforço de sua oferta de valor com hortaliças que, segundo a JV, requerem 95% menos de água do que na agricultura convencional. Saladas e cloud kitchens O que antes ficava restrito aos polos de produção agrícolas tradicionais, como o Cinturão Verde em Mogi Mirim (SP), agora habita os ambientes das metrópoles com as fazendas de produção indoor e reforçam a tendência do fornecimento hiperlocal, que, segundo o relatório “Food&Tech Trends 2022”, da consultoria Galunion, atende às demandas do comércio eletrônico e ajuda a fornecer produtos mais sustentáveis, que chegam ao consumidor de forma rápida e conveniente, com disponibilidade e qualidade durante o ano inteiro. Agricultura urbana e com pegada ambiental com startups aproveitando espaços em galpões, shoppings e coberturas de prédios. São exemplos desse ecossistema a 100% Livre, que possui parceria com Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para a produção de morangos e tomates; a Fazenda Cubo, que produz mixes de folhosas, brotos e flores comestíveis; e a BeGreen, que mantém fazenda na sede do iFood, em Osasco (SP), com programa de doação para a comunidade do entorno.

 

Outro aspecto relevante dessa nova agricultura na paisagem das cidades é a contribuição na revitalização de áreas abandonadas em centros urbanos, que passa a atrair uma comunidade de consumidores engajados e trazem a reboque a oportunidade de valorização cultural e econômica para a região com instalação de restaurantes e bistrôs ao redor desses “oásis orgânicos”.

 

Tendência puxada pela startup portuguesa Raiz, que pretende utilizar espaços urbanos inutilizados para conversão em polos descentralizados de agricultura com o modelo de “Flagship Farm” construída em contêineres com uso híbrido de leds e luz solar. Sobre a comercialização do que é produzido nas fazendas da “Babilônia 4.0”, além da venda direta pelo serviço de assinatura ou comercialização nas redes de varejo, as hortaliças também podem chegar aos lares dos consumidores pela oferta de startups de refeições saudáveis com saladas preparadas nas dark ou cloud kitchens, como são chamadas as cozinhas para atendimento exclusivo de delivery de aplicativos ou plataformas online. É o que acontece na Liv Up, com seu portfólio do Salad Stories, e nas variadas opções da Olga Ri, que tem entre seus investidores o fundo Kaszek Ventures e o cineasta Fernando Meirelles.

 

Quem está no vermelho não pensa no verde

 

Depois desse menu degustação do que há de mais fresco nas novas formas de plantio nas cidades, é hora de falar de uma verdade que, para alguns, pode ser um pouco mais indigesta. A tecnologia das fazendas verticais e outros agentes de inovação estão acelerando a cultura da alimentação saudável nas metrópoles, com alimentos funcionais, orgânicos e de alta qualidade.

 

Mas como ficam os moradores de regiões periféricas, com menor poder aquisitivo e que costumam “plantar na janta o que sobrou do almoço”? Da mesma forma, com novas bolhas de produção e consumo, como viabilizar o acesso ao mercado para produtores tradicionais e com modelo de pequena escala, alguns em situação de subsistência, dependendo de intermediários (para não dizer atravessadores) que condicionam o acesso aos canais de venda e ao consumo final? Quem planta colhe e faz a diferença quem compartilha.

 

De acordo com a Sampa+Rural – plataforma da prefeitura de São Paulo, financiada pela Bloomberg Philanthropies, que reúne iniciativas de agricultura, turismo e alimentação saudável –, há cerca de 105 hortas urbanas na cidade, sendo parte desse contingente iniciativas coletivas e de livre acesso. Como a Horta na Laje, projeto desenvolvido pela Associação de Moradores de Paraisópolis com suporte do Instituto Stop Hunger, que aplica oficinas de cultivo de hortaliças na maior favela de São Paulo, com 120 mil habitantes. Em outra frente, olhando para a questão da produção rural, a startup Raízs conecta mais de 800 pequenos produtores de orgânicos à mesa dos grandes centros urbanos em modelo que elimina intermediários, barateia o preço na ponta e aumenta a renda dos produtores.

 

A empresa atende a mais de 60 mil clientes e utiliza tecnologia para previsão de demanda, roteirização de entregas e aprendizado de máquina para definir oferta customizada. Se as startups nascem, em sua essência, com fome de revolucionar mercados e democratizar o acesso a novas tecnologias, por que não fazer isso para gerar impacto com empoderamento de agricultores e acesso a alimentos diferenciados àqueles que mais necessitam? Empreender no ecossistema de inovação não é uma receita fácil. Mas talvez seja o momento de semear uma nova ideia de inclusão, que resulte em notas e folhas verdes, nos bolsos e nos pratos de quem pode e para quem precisa. Os ingredientes estão aí. É começar o preparo e servir!

 

* Ricardo Campo é coordenador de inovação digital da Raízen e gestor do Pulse Hub. Especialista
em Marketing e Inovação do Agronegócio, ajuda a conectar o campo à cidade, aproximando
startups e produtores rurais. É graduado em Propaganda e Marketing pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie, especialista em Marketing de Varejo pelo Centro Universitário Senac,
com MBA em Marketing pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestrando em Administração pela
Esalq-USP. Atuou nos times de marketing da DSM/Tortuga e do Rabobank Brasil.