A peça-chave da descarbonização global

  Em sua maior edição, 22ª Conferência Internacional DATAGRO sobre Açúcar e Etanol destac


03.02.23

 

Em sua maior edição, 22ª Conferência Internacional DATAGRO sobre Açúcar e Etanol destaca o papel da bioenergia brasileira 

 

Ronaldo Luiz 

 

Nos dias 24 e 25 de outubro, mais de 1,2 mil pessoas se reuniram no hotel Grand Hyatt, na capital paulista, para conferir as mais recentes novidades – entre oportunidades e desafios – do setor sucroenergético, durante a 22ª Conferência Internacional DATAGRO sobre Açúcar e Etanol. Esta foi a maior edição da história do evento, que também contou com transmissão online, e teve como tema central “A Próxima Revolução da Bioenergia”.

 

A solenidade de abertura, com a presença de autoridades, dirigentes, empresários, executivos, produtores, entre outros representantes do segmento, destacou a constante evolução tecnológica do segmento da cana, que vem resultando na geração de novos produtos, sobretudo de caráter energético.  

 

Em sua exposição inicial, o presidente da DATAGRO, Plinio Nastari, enfatizou que no portfólio do setor sucroenergético somam-se agora ao açúcar, ao etanol e à bioenergia novidades, entre as quais o biogás/biometano, o carvão mineral advindo do bagaço da cana, a possibilidade do hidrogênio verde a partir do etanol etc. “Precisamos cada vez mais reconhecer as folhas da cana e do milho como painéis, que transformam energia solar em alimento, energia, entre outras aplicações”, ressaltou Nastari, acrescentando, ainda, que além da descarbonização da matriz rodoviária, os biocombustíveis avançam também no transporte aéreo e marítimo. 

 

Em participação por vídeo, o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Marcos Montes, pontuou que o produto mais sustentável do agronegócio brasileiro é a bioenergia, classificando os Créditos de Descarbonização (CBios), mecanismo central do RenovaBio (Política Nacional de Biocombustíveis), como o ativo descarbonizante pioneiro no Brasil. Montes disse que as discussões relativas à modernização do RenovaBio contam com o apoio do Mapa. O ministro finalizou reiterando a mensagem que o agro brasileiro produz com sustentabilidade. 

 

O deputado federal Arnaldo Jardim, presidente da Frente Parlamentar pela Valorização do Setor Sucroenergético, elencou pautas legislativas prioritárias para o setor, em particular as propostas de licenciamento ambiental, modernização da lei dos defensivos agrícolas e dispositivos fiscais que possam estimular os biocombustíveis ante fontes fósseis. 

 

A cerimônia de abertura da 22ª Conferência Internacional DATAGRO sobre Açúcar e Etanol contou ainda com a presença do Secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, Francisco Matturro; do deputado estadual e presidente da Frente Parlamentar da Agricultura do Estado de São Paulo, Itamar Borges; do deputado federal Zé Vitor; e dos dirigentes Mário Campos, presidente do Fórum Nacional Sucroenergético; Evandro Gussi, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica); Gustavo Rattes, presidente da Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil (Orplana); Pedro Robério de Melo Nogueira, presidente do Sindaçúcar-AL e Tereza Vendramini, presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB). 

 

A seguir, os principais destaques dos painéis da conferência: 

 

Etanol: solução pronta e disponível 

 

O Brasil tem uma matriz energética diversa, limpa e renovável sem comparação em nível mundial, o que coloca o País como peça-chave para descarbonização global, assinalou o presidente da Anfavea, Márcio de Lima Leite. O dirigente da indústria automobilística nacional ressaltou que o futuro da mobilidade sustentável no Brasil deverá contemplar variadas rotas tecnológicas [biocombustíveis, híbrido, elétrico puro etc.], exatamente pela riqueza de o País ser capaz de gerar energia a partir de diversas fontes. 

 

“O etanol será parte da jornada da eletrificação automotiva, porque já é uma opção descarbonizante, mais barata, eficiente e viável no território nacional”, salientou. “O futuro da mobilidade no Brasil é eclético, já que temos uma imensa riqueza de recursos para viabilizar diversas rotas tecnológicas com foco na descarbonização.” Leite frisou ainda que o Brasil não pode trabalhar somente com o que está sendo desenvolvido no exterior. “Não podemos ser reféns do que vem de fora, temos conhecimento para criar nossa própria realidade, que necessariamente passa pelo etanol e energia renovável a partir da biomassa.”

 

Segundo o diretor de Compliance de Produto da Stellantis América do Sul, João Irineu Medeiros, a busca pela mobilidade sustentável tem que considerar a possibilidade de acesso do consumidor às tecnologias de motorização. “O carro a etanol já é acessível, e sem ele o Brasil não cumprirá suas respectivas metas climáticas.” O executivo do conglomerado automotivo, que reúne os grupos Fiat e PSA, disse que a empresa vai investir em modelos híbridos [etanol e elétrico] no Brasil. 

 

“No que diz respeito à mobilidade sustentável, o veículo movido a etanol já promove a descarbonização de maneira acessível se comparado ao carro puramente elétrico”, afirmou Medeiros. “Quando falamos em mobilidade sustentável, precisamos considerar a questão do acesso à tecnologia, e o etanol já promove isso”, pontuou o executivo, acrescentando que: “Em se tratando de corte de emissões, a entrega ambiental do veículo a etanol equivale à do elétrico, com o diferencial de que o carro movido pelo biocombustível já é acessível do ponto de vista econômico”. Medeiros disse que sem o etanol a Stellantis não conseguirá cumprir sua meta de reduzir em 50% as emissões em 2030 e de zerar em 2050.

 

O processo de descarbonização também vem avançando na cadeia produtiva e no mercado de veículos pesados, enfatizou o CEO da Scania, Christopher Podgorski. A fabricante de caminhões vem investindo em modelos movidos a biogás, bem como usando esta fonte renovável no maquinário e equipamentos de sua unidade fabril. 

 

“A demanda por serviços de transporte irá dobrar até 2050 ao mesmo tempo que é preciso reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Assim novas soluções de mobilidade são urgentíssimas, e elas terão que ser necessariamente descarbonizantes.”

 

Citando levantamento feito pela Scania, o executivo disse que o transporte rodoviário responde por 8% das emissões do País, com 90% da matriz sendo baseada no uso do diesel. Na visão de Podgorski, todas as tecnologias de mobilidade irão conviver, inclusive a de combustão interna por meio de combustíveis renováveis. “Neste contexto, os resíduos agrícolas de passivo se tornam ativos energéticos renováveis.”


De acordo com o presidente do Conselho de Administração da Copersucar, Luis Roberto Pogetti, no Brasil, um veículo elétrico emitiria, proporcionalmente, a mesma quantidade de carbono que um carro movido a combustão e abastecido com etanol, já que a eletricidade gerada no País é, majoritariamente, originada em fontes renováveis. Já na Europa, onde a matriz energética não é tão limpa quanto a brasileira, a intensidade de carbono de um automóvel elétrico é o dobro do mesmo meio de transporte abastecido com o biocombustível.

 

Do ponto de vista de utilização energética e mitigação de emissões no Brasil, Pogetti chama a atenção para o fato de o etanol ser uma solução pronta e disponível, enquanto a adoção em larga escala do carro elétrico ainda depende de grandes desafios, como a competitividade de preço dos veículos, a longevidade, o custo e a reciclagem da bateria, além de uma relevante demanda de investimentos em infraestrutura de distribuição eficiente de energia elétrica, estimada entre R$ 1,1 trilhão e R$ 1,5 trilhão.

 

Com o etanol, o País já tem uma rede de revenda com postos adaptados e bombas exclusivas, um produto competitivo e disponível em todo o território, com baixa emissão de poluentes. O posicionamento é endossado pelo presidente da Unica, Evandro Gussi: “Quando falamos de mobilidade sustentável, devemos ter em nossas mãos todas as rotas tecnológicas possíveis e aplicá-las segundo as condições ambientais, sociais e econômicas. No Brasil, o etanol é uma rota tecnológica para a descarbonização bastante adequada para as nossas características agroclimáticas e dimensão continental”.


Nacionalizar e internacionalizar o etanol 

 

No painel que reuniu os representantes das principais entidades e grupos do setor sucroenergético, o desafio de nacionalizar o consumo do etanol, limitado hoje a cerca de quatro, cinco estados, foi mencionado como uma das prioridades, assim como a expansão internacional por meio de aliança estratégica com a indústria automobilística.


No que diz respeito à internacionalização do etanol, o presidente da DATAGRO, Plinio Nastari, discorreu sobre o que vem acontecendo na Índia. “Desde 2018, o país asiático vem implementando medidas que visam aumentar a produção e o uso do biocombustível, com o apoio do setor sucroenergético brasileiro. A internacionalização do uso do etanol está avançando, e acredito que a adoção de uma especificação comum é o caminho para facilitar o desenvolvimento de tecnologias automotivas, adaptáveis a cada região.”

 

Segundo Pogetti, da Copersucar, o modelo do Brasil se encaixa plenamente na Índia, o que inclui a implementação do carro flex. “Estamos proporcionando troca de tecnologia para fomentar este processo.” O know-how brasileiro na área é exportado para países interessados na tecnologia do etanol por meio de ações desenvolvidas pela Apex em parceria com o Arranjo Produtivo Local do Álcool (Apla), relatou o diretorexecutivo da iniciativa, Flávio Castellari. “Já fizemos mais de 120 missões ao exterior. O mercado internacional é muito grande, são mais de 60 países que fazem a mistura do etanol à gasolina.”

 

“Em 2021, o Reino Unido decidiu ampliar a mistura de etanol à gasolina de 5% para 10%, e a Índia pretende chegar a 2025 com 20% de mistura, meta antecipada em cinco anos”, acrescentou Gussi.

 

Em relação ao RenovaBio (Política Nacional de Biocombustíveis), as lideranças criticaram o adiamento do cumprimento das metas compulsórias anuais de comercialização dos Créditos de Descarbonização (CBios) na cadeia de biocombustíveis. A medida, tomada no âmbito do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), vinculado ao Ministério de Minas e Energia (MME), desobrigou as distribuidoras de combustíveis a trabalhar com o prazo de 31 de dezembro deste ano para o cumprimento das metas de aquisição dos CBios. 

 

Evandro Gussi e Guilherme Nolasco, respectivamente, presidentes da Unica e da União Nacional do Etanol de Milho (Unem), afirmaram que a alteração traz imprevisibilidade, gerando insegurança jurídica. Na avaliação de Nolasco, é um equívoco mexer em um programa estruturado como é o RenovaBio, tendo como objetivo o controle de preços dos combustíveis. “Uma decisão desta desencoraja investimentos. Precisamos preservar o RenovaBio, que é o grande programa de descarbonização do Brasil.” 

 

O encerramento deste painel foi marcado pela homenagem ao ex-diretor e atual consultor da Unica, Antônio de Pádua Rodrigues, em reconhecimento a sua trajetória de praticamente 50 anos de serviços prestados ao desenvolvimento do setor sucroenergético. Pádua foi homenageado com a entrega de placas comemorativas da DATAGRO, Unica e do Fórum Nacional do Setor Sucroenergético.

 

Hidrogênio verde a partir do etanol 

 

Daniel Lopes, diretor da Hytron, empresa do Grupo Neuman & Esser (NEA Group), falou sobre a tecnologia de produção de hidrogênio verde. “Trabalhamos com soluções que envolvem a produção de hidrogênio a partir da eletrólise da água ou da reforma de biocombustíveis como o etanol e o biometano”, disse. “Estamos usando o etanol como vetor para a produção de hidrogênio.”

 

Lopes adiantou que uma estação de abastecimento veicular de hidrogênio verde será instalada na Universidade de São Paulo (USP) em 2023. “Será a primeira estação veicular do mundo onde o hidrogênio é proveniente do etanol. Essa planta é passo inicial para podermos viabilizar a exportação por meio de navios, por exemplo.”

 

Déficit global de açúcar até meados do próximo ano 

 

Traders do mercado de açúcar estimaram tendência de oferta apertada e demanda aquecida para o mercado mundial do adoçante no médio prazo, ao menos até o meio do próximo ano. Participaram do painel que tratou do assunto: Jeremy Austin, diretor geral da Sucden Brasil; Mauricio Sacramento, head de açúcar da Cofco; e Michael McDougall, diretor-gerente da Paragon Global Markets. 

 

Segundo os executivos, o desempenho da safra brasileira 2022/23 do Centro-Sul, que tem seu fechamento atrelado às chuvas de verão, e a sempre imprevisível política de exportação de açúcar da Índia, são os fatores que podem elevar a produção e oferta global do adoçante e consequentemente antecipar eventual superávit mundial para antes de meados de 2023. 

 

De acordo com Austin, a Índia vem, de fato, se consolidando como um grande exportador, atingindo no ciclo 2021/22 aproximadamente 11,5 milhões de toneladas embarcadas. “Os estoques atuais se situam em torno de 5 milhões de toneladas.” Austin disse aguardar uma safra tailandesa 2022/23 boa, com potencial para alcançar 11,5 milhões de toneladas. Para a Europa, o executivo da Sucden alertou que o maior desafio no momento está vinculado ao custo da energia, em razão dos problemas de fornecimento de gás da Rússia, o que pode encarecer a produção no Velho Continente.

 

Na temporada 2022/23, o país comandado por Vladimir Putin deve produzir cerca de 6 milhões de toneladas, volume considerado suficiente para atender o consumo local. “Pelos próximos sete, oito meses a oferta mundial estará apertada, uma eventual mudança só a partir de julho do próximo ano”, finalizou. 

 

Pelo lado da demanda, Sacramento salientou que Indonésia e China, dois dos maiores importadores, devem continuar ativos no mercado. “São países que têm gargalos estruturais significativos para elevar a produção.” Segundo o executivo da Cofco, a Indonésia produz em torno de 2 milhões de toneladas, e consome cerca de 7 milhões por temporada. “Jacarta controla produção, preço e importações. É um mercado administrado. Já a China, produz aproximadamente 10 milhões de toneladas, consumindo volume próximo a 15 milhões por ciclo.” Ademais, no tocante à logística, McDougall alertou para risco de gargalo nos portos brasileiros com a chegada da safra de grãos, o que pode também interferir nos embarques de açúcar. 

 

OIA: Produção mundial de açúcar tem potencial para fechar o ciclo 2022/23 em 181,9 milhões de toneladas 

 

A produção mundial de açúcar tem potencial para fechar o ciclo 2022/23 em 181,9 milhões de toneladas, alta de 7,8 milhões [4,48%] em relação à temporada anterior, projetou, o diretor executivo da Organização Internacional do Açúcar (OIA), José Orive. Segundo os números da organização, da expectativa total de produção, 145,9 milhões de toneladas de açúcar deverão ser produzidas a partir da cana, e 36 milhões provenientes da beterraba. 

 

Já o consumo global, de acordo com a OIA, deverá alcançar 176,3 milhões de toneladas, crescimento de 0,51% na comparação com o ciclo passado. Desta forma, estima-se um superávit global [produção acima do consumo] de 5,57 milhões de toneladas no fechamento da safra 2022/23.

 

Segundo a organização, o Brasil deverá liderar as exportações mundiais, com o embarque de 25 milhões de toneladas, sendo seguido pela Tailândia e pela Índia. China e Índia deverão permanecer como os maiores importadores. 

 

DATAGRO estima safra de cana 2022/23 no Centro-Sul em 542 milhões de toneladas 

 

A DATAGRO prevê a produção de 600 milhões de toneladas de cana na safra brasileira 2022/23, sendo 542 milhões no Centro-Sul e 58 milhões no Norte/Nordeste. A produção de açúcar é projetada em 36,900 milhões de toneladas: 33,250 milhões no Centro-Sul e 3,650 milhões no Norte/Nordeste. Para o etanol, a estimativa é de 31,363 bilhões de litros, sendo 29,271 bilhões no Centro-Sul e 2,092 bilhões no Norte/Nordeste. Para a temporada 2023/24, previsões iniciais indicam uma produção entre 575 e 590 milhões de toneladas de cana.