Crise, que crise? Apostando na Fazenda AgriTech!

Por Kieran Gartlan*   O índice S&P 500, uma referência para os mercados financeiros globa


05.01.23

Por Kieran Gartlan*

 

O índice S&P 500, uma referência para os mercados financeiros globais, caiu para o que o mercado chama de território de “urso” no início deste ano, com queda superior a 20% em relação às máximas do mercado, enquanto índices tecnológicos como o Nasdaq (queda de 25%) e ações blue chip como Meta (anteriormente Facebook), caíram até 50% no acumulado do ano. O movimento reflete as altas taxas de juros e a inflação mundial causadas em parte pela restrição no fornecimento de energia e de alimentos, como resultado da guerra na Ucrânia. E esse movimento de “baixo risco” teve um efeito cascata no Venture Capital, a classe de ativos mais arriscada de todas. 

Se considerarmos a classe de ativos Venture Capital em mercados de alto risco, como a América Latina, parece que o apetite dos investidores secou completamente. Essa falta de liquidez foi um dos principais pontos de discussão em uma recente reunião em São Paulo, realizada pela Lavca, a Associação Latino-Americana de Venture Capital, em que o principal conselho foi concentrar-se em escorar as empresas do portfólio atual, antes de assumir novos investimentos.

 

Refúgio da Tempestade

 

O Brasil não é alheio a crises financeiras. Lembro-me com muita clareza da minha primeira crise em 1998, coincidentemente causada pelo calote da dívida da Rússia, quando fui demitido do meu emprego em um banco de investimentos. No entanto, toda nuvem tem um lado positivo e, consequentemente, encontrei um caminho para os mercados de commodities agrícolas em rápido crescimento do Brasil. 

Como se viu naquela ocasião, e em muitas outras, uma crise financeira foi realmente muito boa para os agricultores brasileiros, principalmente os produtores de commodities, pois enfraqueceu a moeda local e os tornou muito mais competitivos no mercado internacional. Mesmo durante as crises financeiras, as pessoas precisam comer, vestir e consumir energia, o que impulsionou a expansão agrícola brasileira para regiões de fronteira que antes não eram competitivas. 

Voltando ainda mais no tempo, aos dias da hiperinflação brasileira, era comum os investidores locais comprarem terras e cabeças de gado como proteção natural contra o risco de mercado e a inflação. Descobri isso nas minhas primeiras consultas com médicos e dentistas em São Paulo, sempre muito interessados ​​em conhecer os mercados agrícolas, pois muitos possuíam terras e gado nas regiões de fronteira, adquiridos em crises anteriores do mercado financeiro.

 

Nova reviravolta, para uma velha história

 

Desde a década de 1990 continuei no Brasil, atuando próximo aos mercados agrícola e de commodities. Trabalhei para o CME Group, a maior bolsa de commodities do mundo e, atualmente, no The Yield Lab, uma rede global de fundos AgriTech Venture Capital. Mais uma vez, parece que a agricultura está se movendo em sentido contrário à direção geral dos mercados financeiros. 

Os preços das commodities estão em níveis recordes há vários anos. As empresas agrícolas tradicionais, incluindo produtores, e a cadeia de suprimentos, como empresas de sementes, fertilizantes e produtos químicos, não sofreram perdas nos mercados financeiros, ou mesmo nos mercados de criptomoedas mais arriscados. Atualmente, eles estão incrivelmente bem capitalizados e à procura de oportunidades. 

No passado, isso teria sido possível através da compra de mais terras ou cabeças de gado. Agora eles têm alternativas e que fazem muito sentido para eles – o mundo das agritechs – focados em trazer eficiência e inovação a um setor que ficou para trás em relação aos outros na adoção das mais recentes tecnologias digitais. Muitos dos investidores do nosso novo fundo agritech são investidores estratégicos ou inteligentes, como Jacto, Damha Agro, Ubyfol e outros, que veem o enorme potencial nesse mercado em que o Brasil tem uma vantagem natural tão forte.

 

Os “Soonicórnios” do Brasil na AgriTech

 

A primeira onda de agritechs nos Estados Unidos e na Europa representou uma decepção para o mundo do Venture Capital. O motivo é que as agritechs, focadas em atender agricultores diretamente com tecnologia, são um negócio difícil de escalar, principalmente em um setor no qual se espera um crescimento exponencial. No entanto, uma nova onda de agritechs, conhecida como

agrifintechs, especialmente adequada para os mercados agrícolas intensivos em capital da América Latina, vem chamando a atenção de fundos de Venture Capital locais e estrangeiros.  As fintechs são as favoritas do público de Venture Capital e produziram inúmeros unicórnios nos últimos anos. Ironicamente, a tendência das fintechs começou durante a crise financeira anterior de 2008, quando muitas das falhas dos bancos tradicionais foram expostas. As agrifintechs são duplamente atrativas, pois se concentram em um grande mercado – agricultura – e possuem todas as características de um modelo de negócios escalável e repetível – fintech. De fato, o primeiro investimento do The Yield Lab no Brasil, uma agrifintech chamada TerraMagna, foi um enorme sucesso, com crescimento de dez vezes nos últimos dois anos, atraindo a atenção do gigante investidor de capital de risco Softbank, marcando seu primeiro investimento em agritech em qualquer lugar do mundo. 

Acontece que as agrifintechs estão resolvendo um dos problemas mais críticos para os agricultores brasileiros, que os mantém acordados à noite, o acesso ao crédito. Se eles não puderem obter acesso oportuno ao crédito, não poderão comprar insumos e plantar suas colheitas durante a janela ideal de plantio. Mas não é apenas um problema dos agricultores. 

Nesta era de crescente preocupação dos consumidores com sustentabilidade, mudanças climáticas, fontes alternativas de energia, gestão da água, segurança alimentar e emissões de gases de efeito estufa, as agritechs estão envolvidas na solução de alguns dos problemas mais críticos que o planeta enfrenta. Por isso, em tempos de crise severa, a moda envolvendo startups e unicórnios desaparece mas não é surpresa que, nesse cenário, os fundos agritechs e agritech de Venture Capital estejam cada vez mais prosperando.  Kieran Gartlan é diretor do The Yield Lab Latam, que faz parte de uma rede global de fundos de Venture Capital focada em AagriFfood Techtech. Originalmente da Irlanda, ele cresceu em uma pequena fazenda leiteira, que desde então foi completamente transformada pela tecnologia. Possui mestrado em Economia pela UCD, na Irlanda, e MBA em Gestão de Riscos pela USP. Sua carreira profissional abrange mais de 25 anos, principalmente no Brasil, como fundador de startup, repórter de commodities, banqueiro de investimentos, Country Head do CME Group no Brasil e três anos em Chicago, no CME Ventures.