O mapa da insegurança alimentar

Junte uma pandemia global, uma crise climática no horizonte e uma guerra envolvendo um dos maiores


19.12.22

Junte uma pandemia global, uma crise climática no horizonte e uma guerra envolvendo um dos maiores produtores de commodities agrícolas do mundo e você terá uma receita explosiva. Com esses ingredientes, elabora-se um cenário de desorganização das cadeias mundiais de fornecimento, resultando em inflação, desabastecimento e, consequentemente, insegurança alimentar.

É a partir dessa conjuntura potencialmente catastrófico que o site americano Business Insider destacou sua rede de jornalistas em cinco continentes para fazer um levantamento sobre as áreas mais afetadas pela dificuldade de se comprar comida – seja pela escassez, seja pelos preços acima do poder de compra de suas populações. Secas extremas, falta de insumos como fertilizantes e a dificuldade de importar commodities se refletem no cotidiano em diferentes regiões. Confira como, segundo o levantamento, foi o impacto alguns mercados ao redor do mundo:

 

Laranjas – Flórida (EUA):

A pandemia aumentou a demanda por fontes de vitamina C – e isso foi uma boa notícia para produtores de laranja em várias regiões do mundo. Mas no estado americano da Flórida não houve tempo para comemorar. Nos últimos anos, a região  sofreu com o greening, principal doença que afeta a cultura, e com quatro furacões, que causaram graves estragos em seus pomares. Em 2022, a expectativa era de produção em alta e recuperação de parte das perdas. Mas o furacão Ian, em setembro, voltou a devastar as fazendas.

 

Carnes – Califórnia (EUA):

Nos ranchos do estado que mais produz alimentos no país, também a oportunidade de lucrar com as boas cotações do gado neste ano. Por conta da ausência de chuvas nos níveis necessários, que se prolonga por anos, e da alta dos preços dos grãos, muitos pecuaristas da região chegaram ao seu limite e concluíram que era mais negócio liquidar seus rebanhos do que alimentá-los. O resultado foi a desorganização do mercado, com recorde de abates no começo do ano e uma perspectiva de que faltará carne já a partir do fim de 2022, pois não haverá o que ofertar aos frigoríficos. O departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) estima que, mesmo que os pecuaristas decidam reinvestir em seus rebanhos, levará pelo menos três anos para a situação voltar ao normal.

 

Salmão – Japão:

Iguaria mais conhecida da gastronomia japonesa, o sushi está em risco. Uma tempestade perfeita afetou a oferta de salmão, peixe mais consumido pelos restaurantes japoneses, reduzindo estoques e elevando preços. O setor já vinha sofrendo com a redução da população dos peixes provocada por alterações no ambiente marinho em função das mudanças climáticas. Desde fevereiro, a guerra na Ucrânia se refletiu também aqui, desde que a Rússia impôs restrições para voos em seu espaço aéreo, interrompendo a principal rota de transporte do salmão importado da Noruega. Em um ano, o preço do pescado nos mercados de Tokio subiu mais de 30%.

 

Cerveja – Alemanha:

Além de ucranianos e russos, é possível dizer que os alemães são os mais afetados pelo conflito no Leste Europeu. Até sua bebida favorita foi gravemente atingida, por várias frentes, e está custando bem mais caro nos bares e supermercados. A inflação da cerveja tem diversas origens: o preço do malte, em parte produzido na Ucrânia, subiu cerca de 70% no último ano; o preço da energia elétrica, que movimenta os equipamentos das cervejarias, disparou com os cortes de fornecimento de gás russo ao país; outros combustíveis, como gasolina e diesel, também subiram, fazendo o transporte da bebida custar mais. A alta, no último ano, acumula quase 10%.

  

Tapas – Espanha:

Óleo de cozinha: 96%; queijos: 15%; farinha: 21%; ovos: 60%. Esses ingredientes, quase que obrigatoriamente, fazem parte do preparo dos tapas, os tradicionais petiscos que os espanhóis consomem com frequência – e que encantam os turistas na noite de cidades como Madrid e Barcelona. As percentagens indicam a alta dos produtos nos últimos 12 meses. Abalados pela ausência de visitantes durante a pandemia, os restaurantes espanhóis agora têm dificuldade e manter a freguesia em função dos preços em alta e de restrições no fornecimento de alguns desses itens.

 

Comida de rua – Singapura:

Situação semelhante à dos espanhóis é vivida pelos proprietários de barracas e trailers de comida de rua em Singapura. A tradição de comer bem e barato nessas bancas atrais milhares de moradores e visitantes diariamente. O movimento voltou depois da pandemia, mas os lucros caíram à medida em que muitos dos comerciantes têm ignorado os aumentos de matérias primas como óleo de cozinha e ovos e mantido os preços. O quilo do frango, carne mais popular no país, subiu 80% em um ano.

 

Abacates – México:

O México é o maior produtor de abacates do mundo. Os frutos rendem mais de US$ 3 bilhões ao ano para a economia local. Mas eles estão se tornando artigo raro na mesa dos mexicanos, depois de os preços subirem 250%¨em dois anos. A responsabilidade pelas altas é da convergência nefasta de pandemia, crise climática e até mesmo a guerra na Ucrânia. Por conta do conflito, as altas nos preços de combustíveis elevaram custos dos produtores. A inflação no país atingiu o índice mais alto dos últimos anos.

 

Queijos – Holanda:

Cada cidadão holandês consumiu, em média, 26 quilos de queijos em 2020. Em 2022, a expectativa é que essa média fique menor. Apenas nos primeiros quatro meses o consumo caiu 6%, possível reflexo da alta dos preços do produto, que ficou nos mesmos 6%. Os motivos são os mesmos verificados em outras cadeias ao redor do mundo: alta na energia e outros insumos após a invasão da Ucrânia. Mas há uma razão adicional: produtores de leite e governo holandês vivem uma queda de braços em torno de restrições ambientais, o que afetou a oferta da principal matéria-prima da indústria queijeira.

 

Arroz jollof – Nigéria:

Arroz, tomates, pimentas, vegetais e frango, carne ou peixe. De maneira geral, é essa a receita do arroz jollof, prato cotidiano na mesa dos nigerianos. O prato é tão popular que existe um índice Jollof para medir a inflação de alimentos no país baseado em seu preparo. No segundo trimestre deste ano, o índice registrou alta de 8,3%, segundo a consultoria SBM Intelligence, de Lagos. Os índices oficiais, que incluem outros alimentos e custos, são ainda mais alarmantes. O instituo nacional de estatísticas da Nigéria estimou em 19,5% a inflação de maio.