O fórum dos desafios

O Fórum dos desafios   Na maior edição da sua história, GAF debate segurança alimentar, su


21.10.22

O Fórum dos desafios

 

Na maior edição da sua história, GAF debate segurança alimentar, sustentabilidade e mudanças climáticas na retomada pós-Covid e com o mundo em tensão geopolítica 

 

 

Por Ronaldo Luiz

Em um mundo que busca se reorganizar dos desarranjos provocados pela pandemia da Covid-19 em meio a uma guerra no Leste Europeu e a uma escalada de tensões entre grandes potências na Ásia, a busca pela segurança alimentar e energética global ganhou novos contornos, sobrepujando momentaneamente, por exemplo, preocupações ambientais em uma conjuntura geopolítica marcada ainda por tendências de menor integração e maior isolacionismo. Foi com este pano de fundo que ocorreu, nos dias 25 e 26 de julho, em São Paulo (SP), a 5ª edição do Global Agribusiness Forum (GAF), que teve como mote debater o desafio mundial da segurança alimentar, sustentabilidade e mudanças climáticas. 

 

Promovido, em conjunto, pela Sociedade Rural Brasileira (SRB), Associação dos Produtores de Milho do Brasil (Abramilho), Aliança Internacional do Milho (Maizall), Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), Associação Brasileira dos Produtores Exportadores de Frutas e Derivados (Abrafrutas), o Fórum Nacional Sucroenergético, União Nacional do Etanol de Milho (Unem), Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) e a Datagro, o GAF 2022 reuniu 135 palestrantes de diferentes países em 32 painéis, com um público presencial de mais de 2,5 mil pessoas e 10 mil acessos on-line.

 

“Mais do que um evento, o GAF é um movimento em favor do desenvolvimento sustentável, e que neste ano tem como maior proposta discutir, de maneira urgente, os desafios e as oportunidades globais relacionados à segurança alimentar, sustentabilidade e mudanças climáticas”, disse o presidente do Conselho do GAF, Sérgio Bortolozzo, na abertura do evento. “O Brasil tem sido internacionalmente reconhecido como protagonista da segurança alimentar mundial e da geração de energia limpa e renovável, graças, em particular, ao desenvolvimento de um modelo único de agricultura tropical”, acrescentou. 


Com a presença do presidente da República, Jair Bolsonaro, a solenidade de abertura do GAF contou ainda com a participação dos ministros Ciro Nogueira (Casa Civil), Marcos Montes (Agricultura), Joaquim leite (Meio Ambiente), Paulo Guedes (Economia), Luiz Eduardo Ramos (secretaria-geral da Presidência), Fábio Faria (Comunicações), entre outras autoridades do primeiro escalão do Executivo federal, bem como de ministros de outros países, embaixadores, parlamentares, dirigentes setoriais, produtores e empresários.

 

“Sem o Brasil, o mundo passa fome”, afirmou Bolsonaro em seu discurso. Ele citou a declaração recente da diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, durante visita ao País e lembrou que o agronegócio brasileiro garante segurança alimentar para mais de 1 bilhão de pessoas em todo o mundo. Ainda na cerimônia de abertura, o presidente da Datagro, Plinio Nastari, elencou as mais recentes ações do Executivo federal em favor do agro, ressaltando, em especial, as áreas de infraestrutura logística, a implantação do RenovaBio e os esforços diplomáticos para a garantia do abastecimento de fertilizantes. “Um dos grandes diferenciais do agro brasileiro é exatamente a integração das cadeias produtivas na transformação de matérias-primas em produtos de maior valor agregado e a intensificação da produção”, acentuou.

 

Já o ministro da Agricultura, Marcos Montes, enfatizou os recursos do novo Plano Safra, destinado ao ciclo 2022/23 e o potencial de transformação de 60 a 70 milhões de hectares de pastagens degradadas em áreas produtivas. Joaquim Leite (Meio Ambiente) frisou a busca por “soluções ambientais criativas”, que tenham como premissa remunerar a proteção e preservação ambiental, indo além da agenda de comando e controle, bem como pontuou a relevância dos biocombustíveis, e Ciro Nogueira (Casa Civil) mencionou que o Brasil tem tudo para se tornar a Arábia Saudita dos alimentos, em alusão à nação do Oriente Médio rica em petróleo.

 

Ao longo de dois dias, uma sucessão de painéis simultâneos movimentou os diversos palcos montados no Golden Hall do World Trade Center, em São Paulo. Confira a seguir os principais destaques da programação.

 

Sistema global de produção de alimentos está sob pressão, diz embaixador Roberto Azevêdo

 

O sistema global de produção de alimentos está sob pressão sob o ponto de vista de oferta, distribuição, acesso à comida e emissões de gases de efeito estufa, alertou o embaixador Roberto Azevêdo, ex-diretor-geral da OMC e atual chefe de assuntos corporativos da PepsiCo.

Segundo Azevêdo, a pressão decorre de fatores conjunturais, entre os quais desarranjos logísticos, em razão da pandemia, sanções econômicas pré e pós-guerra da Ucrânia, eclosão do conflito do Leste Europeu, entre outros. Já entre os estruturais, Azevêdo chamou a atenção para os impactos das mudanças climáticas para a produção agrícola. Diante desse cenário, Azevêdo citou dado da FAO/ONU, que projeta aumento superior a 20% no preço dos alimentos sobre uma base atual já elevada. 

 

No que diz respeito ao desafio ambiental, Azevêdo salientou que a agricultura responde por cerca de 1/3 das emissões globais, mas que o setor, por meio do sequestro de carbono, é parte da solução para mitigar as mudanças climáticas. “Um dos caminhos é a agricultura regenerativa, que precisa de incentivos para se expandir.”

 

Diretor da divisão de commodities da OMC defende mudanças nas regras do comércio agrícola internacional 

 

O diretor da divisão de commodities agrícolas da Organização Mundial do Comércio (OMC), Edwini Kessie, afirmou que a organização defende e vem trabalhando para viabilizar reformas nas regras do comércio agrícola internacional.

 

“É preciso modernizar, atualizar as regras que têm mais de 30 anos. O mundo mudou, temos o agravamento das mudanças climáticas, alterações no protagonismo na produção global de alimentos, entre outros pontos, que demandam uma nova agenda, que possa diminuir assimetrias e distorções em favor de um comércio agrícola mais justo. O que temos hoje não reflete a realidade atual.”

 

O ponto central da fala do dirigente da OMC residiu nos impactos negativos que a estrutura protecionista de países desenvolvidos provoca no comércio agrícola global. São mecanismos de subsídios à produção, à exportação e barreiras tarifárias e não tarifárias, que distorcem os fluxos comerciais. “A competição natural não pode estar atrelada ao Tesouro dos países.”

 

Nas palavras de Kessie, Brasil, Argentina e Austrália, por exemplo, são altamente competitivos sem fornecer elevados subsídios aos seus agricultores, diferentemente de países e blocos econômicos como Estados Unidos, Japão e União Europeia. “Para dar andamento às reformas, queremos também maior participação do setor privado – não apenas dos governos.”

 

Também presente no mesmo painel, o presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, Marcos Troyjo, endossou a necessidade de reformas nas regras do comércio agrícola internacional no âmbito da OMC, acrescentando que o Brasil também deve investir em acordos bilaterais. 

 

Já o pesquisador sênior em agronegócio do Insper, Marcos Sawaya Jank, criticou medidas de taxação às exportações de alimentos. “Pelo contrário, só se fortalece a segurança alimentar com comércio livre.”

 

Embrapa investe no desenvolvimento da soja de baixo carbono

 

A Embrapa vem ampliando os investimentos em pesquisa e desenvolvimento para tornar a soja brasileira cada vez mais de baixo carbono. Foi o que destacou o presidente da empresa pública de pesquisa agropecuária, Celso Moretti. “O cultivo com plantio direto na palha, a tecnologia de fixação biológica de nitrogênio e os avanços do controle biológico são trunfos da produção nacional da oleaginosa sob o ponto de vista de sustentabilidade.”

 

Em sua fala, Moretti pontuou algumas tendências para o agro, tendo como norte 2050. Segundo ele, como não poderia deixar de ser, as questões relativas à sustentabilidade, adaptação às mudanças climáticas e menos emissões vão guiar as decisões. Além disso, bioinsumos, bioeconomia, agricultura regenerativa, ferramentas digitais no campo e edição genômica serão questões cada vez mais presentes no dia a dia da produção de alimentos, fibras e energia a partir de base agrícola. 

 

 

Ademais, o presidente da Embrapa também ressaltou o diferencial do agro brasileiro relacionado aos sistemas integrados de produção, citou a oportunidade que há para incorporação de áreas de pastagens degradadas na matriz de produção e o avanço do plantio do trigo para regiões tropicais, como o Cerrado, Norte e Nordeste. 

 

IGC assegura volume satisfatório de estoques globais de grãos 

 

O diretor-executivo do Conselho Internacional de Grãos (IGC, na sigla em inglês), Arnaud Petit, disse que o mundo tem estoques de grãos suficientes para cerca de um ano e meio de consumo, descartando, por ora, riscos à oferta.

 

Por outro lado, Petit alertou para questões relacionadas à distribuição, devido aos desarranjos logísticos provocados pela pandemia e também pela guerra no Leste Europeu. Diante deste quadro, o diretor do IGC pontuou que os preços dos grãos estão elevados, em particular as cotações do trigo, já que Ucrânia e Rússia, que estão em guerra, são grandes produtores do cereal. “Temos uma fragilidade no comércio global.”

 

Já o economista-chefe do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês), Seth Meyer, endossou a conjuntura altista dos grãos, mas lembrou que uma eventual recessão mundial pode derrubar as cotações. Meyer acentuou que em relação aos fertilizantes, existe a expectativa de que os preços recuem, mas não aos níveis pré-conflito no Leste Europeu. 

 

Desmatamento obscurece robusto pacote de ativos ambientais que o Brasil tem

 

O desmatamento, sobretudo, claro, o ilegal, obscurece junto à sociedade brasileira e à comunidade internacional o robusto pacote de ativos ambientais que o Brasil tem, inclusive os do agronegócio, como as boas práticas agrícolas, e reservas de mata dentro de propriedades rurais. Foi o que destacou o diretor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Bruno Barcelos Lucchi. “O agro brasileiro é sustentável, conseguimos produzir e preservar, mas não conseguimos ainda transmitir esta mensagem.”

 

Segundo Lucchi, atrasos em relação à implantação do Código Florestal, bem como metodologias internacionais de medição de emissões, que desconsideram retenção e sequestro de carbono promovidos pelas boas práticas do agro nacional são fatores que contribuem para a percepção negativa acerca da sustentabilidade do setor além de suas fronteiras institucionais. 

 

“De fato, não há como negar que se trata de um problema complexo, que passa, por exemplo, na Amazônia pela necessidade de regularização fundiária, e de maneira geral pela combinação de políticas de comando e controle, com outras de estímulo financeiro à proteção e preservação, como o pagamento por serviços ambientais.”

 

Representantes da indústria automobilística destacam etanol como melhor opção para mobilidade sustentável 

 

Executivos das subsidiárias nacionais da indústria automobilística destacaram o potencial do etanol como a melhor e mais viável alternativa para mobilidade sustentável no Brasil na comparação com o carro elétrico, tanto do ponto de vista ambiental quanto social e econômico. 

 

Segundo representantes da Volkswagen, Toyota, Nissan e Stellantis [Fiat e PSA Group], o inimigo-alvo é o gás carbônico e não a tecnologia, e o etanol na matriz brasileira de transportes de veículos leves cumpre o papel ambiental [de reduzir emissões], social [de gerar empregos] e, claro, econômico [de proporcionar desenvolvimento da cadeia produtiva da cana-de-açúcar, arrecadação de impostos etc.], além de já ter uma estrutura de distribuição ao consumidor consolidada, o que o qualifica como opção já escalável. 

 

Pablo Di Si, executivo-chefe da Volkswagen na América Latina, foi categórico: “Na perspectiva ambiental, o etanol já reduz em 90% as emissões de carbono na comparação com os combustíveis fósseis, e particularmente, no Brasil, não precisamos eletrificar”. 

 

Rafael Chang, presidente da Toyota Brasil, lembrou que na lógica da descarbonização é preciso considerar, sempre, o ciclo de vida de origem, fabricação, distribuição e uso do combustível em si, contexto em que o etanol leva vantagem em relação à eletrificação pura e simples. Isso porque a energia elétrica utilizada para abastecer um veículo pode ser proveniente, por exemplo, de uma fonte suja, como uma usina termoelétrica, o que não acontece com o biocombustível. “O objetivo maior é o ciclo de carbono neutro, e é o que estamos buscando com a célula biocombustível de etanol, já que acreditamos muito na eletrificação com o uso de biocombustíveis”, salientou o gerente sênior da Nissan do Brasil, Ricardo Abe. “O etanol é a oportunidade mais competitiva para o consumidor brasileiro”, acentuou Antonio Filosa, presidente da Stellantis do Brasil.

 

Europa quer 25% da área agrícola com orgânicos até 2030

 

Representantes da Comissão Europeia, braço executivo da União Europeia, afirmaram que o bloco tem como meta cultivar 25% da área agrícola local com produção orgânica até 2030. “Não vamos acabar com a agricultura convencional, mas acreditamos que investir em orgânicos é um passo a mais em direção a uma agricultura mais sustentável”, disse Joaquim Ordeig Vila, um dos representantes. 

 

Cyrille Laplacette, o outro representante, ressaltou que o acordo verde europeu, da fazenda ao prato, preconiza, além da redução do uso de agroquímicos, a economia circular, a remoção de carbono, a remuneração justa aos produtores, entre outros pontos. 

 

Parlamentares e dirigentes setoriais criticam medidas desfavoráveis aos biocombustíveis 

 

Em painéis subsequentes no Global Agribusiness Forum 2022, parlamentares e dirigentes setoriais criticaram recentes medidas do Executivo federal, consideradas por eles, negativas para expansão dos biocombustíveis no País. Entre elas, constam a redução da mistura de biodiesel no diesel e o adiamento das metas de compra de créditos de descarbonização (CBios) por parte das distribuidoras de combustíveis, peça-chave do RenovaBio. 

 

Mário Campos, presidente da Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais (Siamig) e do Fórum Nacional do Setor Sucroenergético, afirmou que essas decisões corroem a previsibilidade das normativas de regulação, o que acaba sendo ruim para toda a cadeia produtiva, para o consumidor, para a sociedade em geral. Já o deputado federal Arnaldo Jardim, também presidente da Frente Parlamentar pela Valorização do Setor Sucroenergético, disse que é preciso preservar as políticas em favor dos biocombustíveis, com foco na perenidade dos resultados. “Não se pode rasgar contratos.”

 

Neste contexto, Marco Fujihara, coordenador executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, alertou que o Brasil precisa, de fato, investir em regulações relacionadas à emissão de gases de efeito estufa que possam ser reconhecidas pela comunidade internacional, a fim de evitar possíveis taxações no comércio mundial. Caso contrário, acentuou, eles [estrangeiros] farão isso por nós, com metodologias que podem, por exemplo, não contemplar características positivas de nossos sistemas produtivos relacionadas à proteção e preservação ambiental, bem como de remoção e sequestro de carbono.