Quem planta ciência, colhe lucros

  Quem planta ciência colhe lucros   Balanços sociais das principais instituições de pesq


17.08.22

 

Quem planta ciência colhe lucros

 

Balanços sociais das principais instituições de pesquisa agropecuária mostram que cada real investido pode gerar um retorno 20 vezes maior para a sociedade

 

Por Evanildo da Silveira

 

Investir em pesquisa agropecuária é um bom negócio. Alguns levantamentos mostram que o retorno pode variar de R$ 16 a R$ 24 para cada real investido. E o melhor, todo mundo ganha: o produtor, que aumenta seu lucro; a sociedade, com a melhoria da qualidade e o menor preço dos alimentos; o meio ambiente, que é menos degradado; e o governo, com maior arrecadação tributária.

Um exemplo são as pesquisas realizadas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), tanto com recursos públicos como privados. Desde 1997, ela realiza e divulga um balanço social anualmente, que calcula, entre outros dados, o retorno de seus investimentos para a sociedade. “Desde sua criação, a metodologia tem passado por um processo constante de aprimoramento, porque a evolução dos cálculos está diretamente vinculada ao número de dimensões de avaliação de impacto, como as ações sociais desenvolvidas pela empresa, resultados econômicos das soluções tecnológicas e lucro social”, explica seu presidente, Celso Moretti.

Ao longo desse tempo, foram agregadas informações como os impactos sociais e ambientais, a geração de empregos, as premiações e o reconhecimento da sociedade e mais os casos de sucesso e a análise das contribuições da Embrapa no ambiente da comunidade científica. Também foram incluídas informações sobre as ações de equidade de gênero e raça realizadas pela instituição. 

De acordo com ele, são avaliadas mais de 100 soluções tecnológicas já adotadas pela agropecuária nacional. As análises são feitas por meio da metodologia Ambitec-Agro, que apresenta estrutura multicritério, pela qual observações de campo são pontuadas indicadores de desempenho socioambiental. “Nesse caso, a avaliação é realizada com base em 16 critérios sociais e 11 de campo, em uma amostra de, no mínimo, 10 usuários de cada inovação tecnológica”, explica Moretti. “Além disso, são usados oito critérios institucionais, levantados a partir da consulta aos desenvolvedores da solução tecnológica.”

 

Essa metodologia também é usada pela Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, para a realização do seu próprio balanço social. O mais recente, o quarto já realizado, avaliou, em conjunto, 59 tecnologias desenvolvidas pelos seus seis Institutos e 18 Polos Regionais de pesquisa e transferidas ao setor produtivo no período de 2018 a 2021. 

 

Na avaliação, foram estimadas a sua participação e a taxa de adoção, expressas em hectares, toneladas, cabeças e outras unidades, e observados os benefícios. “Estes foram mensurados a partir dos incrementos na renda em diferentes etapas da produção agroindustrial, considerando ganhos em produtividades, redução de custos, expansão da produção e agregação de valor”, conta Renata Martins Sampaio, assessora técnica da APTA.

 

 Na sequência, o total dos valores investidos nas atividades da agência durante o período considerado foi aplicado para indicar a rentabilidade e o lucro social. “Para os impactos sociais foram analisadas as inserções das tecnologias, considerando o foco na pequena produção, criação e qualidade do emprego e geração de renda”, diz Renata. “Já para os ambientais foram consideradas a redução do uso de defensivos agrícolas, economia de recursos hídricos e contribuição para o meio ambiente.”

 

Os resultados dos balanços sociais da Embrapa e APTA mostram em números o retorno dos investimentos em pesquisas agropecuárias para a sociedade. No caso da Agência Paulista, foram investidos, no período de 2018 a 2021, R$ 1,23 bilhão nas suas atividades entre recursos do governo do estado, do setor privado e de agências de fomento estadual e federais, que originou um retorno social de R$ 19,90 bilhões. “Ou seja, cerca de 16 vezes o valor investido”, contabiliza Renata. “Isso significa que, para cada real aplicado, em torno de RS 16 foram revertidos para a sociedade.”

 

Em 2021, o retorno das pesquisas da Embrapa foi cerca de 50% maior do que o da APTA. “Em um ano difícil, em que o Brasil ainda enfrentava o desafio de uma crise sanitária sem precedentes, a Empresa registrou um lucro social de R$ 81,56 bilhões, por conta do impacto de uma amostra de 169 tecnologias e cerca de 220 cultivares”, informa Moretti. “O que significa que cada real aplicado gerou R$ 23,38 para a sociedade brasileira. Além disso, foram contabilizados 48.163 novos empregos e 794 ações de relevante interesse social.”

 

De acordo com ele, nos 25 anos de realização do Balanço Social, a soma do lucro social gerado pela Embrapa é de R$ 1,2 trilhão, valor consolidado de aproximadamente 3 mil estudos de avaliação de ganhos econômicos, estimativas de impactos das cultivares desenvolvidas pela Empresa e indicadores sociais e laborais atualizados pelo Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-DI/FGV), de dezembro de 2021. 

 

Ainda segundo Moretti, nesse período, para cada real aplicado na pesquisa, a sociedade recebeu de volta R$ 12, ou seja, um retorno 12 vezes maior do que o total investido. “Além disso, 1.656.023 novos empregos foram criados entre 2003 e 2021 a partir do uso de tecnologias da Embrapa, um indicador que reforça o alto retorno social da pesquisa”, diz. “Foram mais de 17,2 mil ações de relevante interesse social, resultado do envolvimento na busca por soluções para os problemas brasileiros.” 

Ele destaca algumas das tecnologias mais significativas desenvolvidas pela Empresa, que foram avaliadas por uma amostra de cerca de 50 estudos de impactos, realizados desde que o Balanço Social começou a ser elaborado. Entre elas, está a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), que gerou uma renda para o produtor rural no valor de R$ 9 bilhões a partir do ano de 2005, além de ter contribuído com o sequestro de 39,76 milhões de megagramas de dióxido de carbono equivalente (Mg CO2-eq), no período de 2010 a 2020, que representam 185% do compromisso de mitigação, estabelecido como meta original do Plano ABC (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono), criado pelo governo brasileiro em 2009, por ocasião da 15ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas.

 

A Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN) é outra tecnologia que trouxe retorno significativo. “Adotada em mais de 38,5 milhões de hectares, respondeu sozinha por uma economia de cerca de R$ 36 bilhões para os produtores de soja”, diz Moretti. “Além disso, ela contribuiu para a mitigação de gases de efeito estufa com a redução de 21,56 milhões de (Mg CO2-eq), possibilitando atingir 216% da meta de mitigação proposta no Plano ABC.”

 

Mais recentemente, em 2021, foram selecionadas como tecnologias que resultaram em casos de sucesso, a coinoculação de duas bactérias do bem, Bradyrhizobium e Azospirillum, em sementes de soja. “Elas proporcionaram um ganho médio de 2,7% na produtividade dessa leguminosa, em relação à semente não inoculada”, diz o presidente da Embrapa. “Essa tecnologia foi usada em mais de 10 milhões de hectares em 2020, com impacto econômico de R$ 2,8 bilhões.” 

 

Moretti cita ainda a validação de um conjunto de soluções de manejo, que estimulou as exportações do trigo brasileiro para a Ásia e África; o Programa Balde Cheio; o reconhecimento da Indicação Geográfica Matas de Rondônia para cafés Robustas Amazônicos; e a estação de tratamento que garante água limpa para irrigação de hortaliças.

 

Além dessas, ele destaca outras tecnologias campeãs de impacto econômico, como o sistema sulco/camalhão em terras baixas, uma técnica de irrigação e drenagem, indicada para áreas de relevo com pouco declive e de solo de baixa permeabilidade. Também entram nessa categoria várias cultivares de gergelim, de capim-marandu e de capim-mombaça, de açaí e feijão-guandu. 

 

Por fim, estão na lista o Zoneamento Agrícola, que analisa as características de clima, solo e ciclo de cultivares, para indicar datas com menor risco para plantio de 40 diferentes culturas por município, que proporcionou um impacto que superou R$ 8,7 bilhões, e a infraestrutura de dados espaciais na Embrapa (GeoInfo), que gerou uma economia de mais de R$ 102, 5 milhões. 

 

O economista e mestre em Economia Rural Francisco Lopes Cançado, professor aposentado da PUC-Minas, diz que diversos estudos têm mostrado que o investimento em pesquisa é um excelente negócio, tanto do ponto de vista público como privado. “A pesquisa agropecuária vem desempenhando um papel relevante na evolução da agricultura brasileira e mineira nas últimas décadas”, diz. “Prova disso são, por exemplo, os ganhos em produtividade para as diversas culturas e criações, a intensa ocupação da região sob vegetação de cerrado e a recente expansão da agricultura nas regiões Amazônica e do semiárido.”

 

Ele próprio realizou um estudo, entre 1974 e 1986, que resultou na sua dissertação de mestrado, apresentada em 1998. Na época, Cançado era pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig) e no seu levantamento ele analisou as inovações tecnológicas em nove produtos agrícolas do estado. “A taxa interna de retorno então encontrada para os investimentos em pesquisa realizados pela empresa foi de 31,8%”, revela. “Isso indica que, para cada unidade monetária investida em pesquisa, a sociedade obteve um retorno de 1,32 unidade monetária.”

 

Cançado lembra que esse valor está bem acima das taxas de juros reais vigentes no mercado financeiro internacional, que variam de 6 a 12% ao ano, equiparando-se, na verdade, às praticadas no mercado financeiro nacional. “Essas, convém lembrar, situam-se entre as mais altas do mundo”, diz. “Isso significa que os retornos das atividades de pesquisa desenvolvidas pela Epamig são, no mínimo, tão elevados quanto os obtidos no setor financeiro nacional, com a diferença de que os primeiros têm um caráter social.”

 

Para Renata, da APTA, os investimentos em pesquisa são instrumentos importantes no desenvolvimento socioeconômico e suas interações socioambientais. “A pesquisa agropecuária gera conhecimentos capazes de integrar diferentes aspectos da realidade de produção e comercialização agroindustrial”, diz. “Ela constrói tecnologias apropriadas aos desafios atuais pautados por demandas da sociedade em seus múltiplos recortes coletivos e territoriais.”

 

Moretti, da Embrapa, concorda. “A ciência sempre será a resposta às demandas, frente aos desafios e à sustentabilidade, sejam eles quais forem”, assegura. “Quando a pauta envolve pesquisa agropecuária – em que estão em jogo a segurança alimentar, a produtividade, questões ambientais, econômicas e sociais de um país inteiro –, torna-se ainda mais prioritária, porque se relaciona com o principal pilar para o equilíbrio interno de um país, que é a paz social.”