África do Sul: Nem tudo são flores

Caçadores ilegais de conos, rara planta ornamental do deserto, ameaçam a sobrevivência da espéci


Edição 30 - 15.06.22

Caçadores ilegais de conos, rara planta ornamental do deserto, ameaçam a sobrevivência da espécie e fazem surgir um novo tipo de crime internacional.

Todos os anos, a estação das flores em Namaqualândia, uma região árida na província do Cabo Setentrional, na África do Sul, atrai uma legião de turistas que vão em busca de um espetáculo encantador. Entre agosto e outubro, plantas raras desabrocham e tingem de variadas cores a vegetação seca do deserto sul-africano. Uma espécie, contudo, é ainda mais especial. Trata-se da furtiva Conophytum, ou simplesmente cono, um minúsculo exemplar de planta ornamental em formato de cone que floresce em períodos curtos e é tão difícil de ser encontrado que se tornou um dos grandes patrimônios nacionais, assim como os rinocerontes e os históricos sítios arqueológicos de hominídeos. Como são raros, os conos tornaram-se valiosos – e isso, é óbvio, acabaria despertando a cobiça de caçadores ilegais. Pior ainda: com eles, vieram o contrabando, a violência e o crime internacional.

A maior parte das cerca de 100 espécies de Conophytum espalhadas pela África do Sul está ameaçada de extinção. Algumas estão escondidas em uma única encosta ou em meio a agrupamentos rochosos. Uma espécie premiada cresce apenas em um complexo de mineração de zinco e outra é exclusiva de uma fazenda de ovelhas. Elas estariam protegidas da ganância humana se não fosse um fenômeno impossível de ser contido nesta nova era tecnológica: as redes sociais.

Nos últimos anos, turistas que visitaram a região começaram a publicar nas mídias digitais fotos dos belíssimos conos, e a história de espalhou. Em algum momento, um admirador estrangeiro de plantas ornamentais encomendou exemplares genuínos da África do Sul. Depois vieram outras encomendas. E mais outras, e assim por diante. Na lógica do mercado, os vendedores subiram seus preços, até que o negócio passou a ser bastante rentável. Com os valores nas alturas – algumas plantas são vendidas por milhares de dólares, “mais do que heroína”, conforme disseram as autoridades locais –, os caçadores entraram em cena. Agora perseguidos e caçados, os conos correm o sério risco de desaparecer.

Na África do Sul, desde 1974 é ilegal tirar Conophytum da natureza. Durante anos, a planta manteve certo anonimato, mas os roubos dispararam durante a pandemia, quando colecionadores estrangeiros não puderam viajar para a África do Sul por causa das restrições sanitárias. Ao mesmo tempo, as lindas fotos da espécie viralizaram nas redes sociais, e formou-se então o cenário perfeito para que o contrabando avançasse.

Os criminosos são arrojados. Armados com fuzis, eles invadem as fazendas locais, ameaçam proprietários e arrancam do solo todo os conos que encontrarem pela frente. Em 2017, a polícia prendeu cinco caçadores da planta. Em 2020, foram 55. No ano passado, mais de 100 e em 2022 o número certamente será maior. Segundo as investigações, compradores e vendedores usam plataformas como Facebook e WeChat para fazer encomendas e negociar preços. Os principais destinos das plantas são China, Japão e Coreia do Sul, mas há registros de contrabando para os Estados Unidos e a Europa.

Oficialmente, os infratores estão sujeitos a multas pesadas ou até dez anos de prisão. Mas são raríssimas as condenações de moradores locais que caçam e vendem conos. Em geral, eles passam poucos dias presos e acabam liberados para responder aos processos em liberdade. Segundo ambientalistas, o sistema é tão corrupto que policiais e autoridades judiciários poderiam estar envolvidos, seja fazendo vistas grossas aos crimes ou até mesmo os estimulando.

Um aspecto preocupante é que a maioria das pessoas parece não se preocupar com a possível extinção da Conophytum. “Os juízes não pensam em crimes contra plantas da mesma forma que pensam sobre a caça ilegal de animais como rinocerontes”, disse à revista National Geographic o detetive Karel du Toit, que lidera uma equipe que investiga crimes contra a vida selvagem na região. “Um animal respira, tem olhos e faz som. Temos uma ligação emocional com isso, mas não temos o mesmo apego com uma planta, e isso é um problema em um processo judicial”, disse à mesma publicação o botânico Pieter Van Wyk, que dirige um parque nacional no Cabo Setentrional.

É uma pena que o problema esteja longe de ser resolvido. As plantas crescem muito lentamente – um cono de 50 anos pode não ser maior que uma noz, dependendo da espécie –, e vê-las na natureza é um espetáculo único e inesquecível. Certas espécies podem ser listradas e, na primavera, algumas produzem flores rosa, vermelhas ou brancas. Se a caça ilegal continuar, tal exuberância desaparecerá por completo.