O ponto de encontro da inovação

A fórmula do Agtech Garage, de Piracicaba, para conectar grandes empresas e startups e se transform


Edição 29 - 30.05.22

A fórmula do Agtech Garage, de Piracicaba, para conectar grandes empresas e startups e se transformar no maior hub voltado para a tecnologia do agro na América Latina.

Há alguns motivos para Piracicaba (SP), a 200 km de São Paulo, ser considerada “o Vale do Silício caipira”. O principal é que, desde 1901, a cidade hospeda a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP), uma das principais instituições voltadas para as ciências agrárias do mundo e a universidade que, em 1994, lançou a primeira incubadora brasileira de startups do agronegócio. Mas não é só por isso. A cidade também é sede de uma série de empresas voltadas para a inovação do setor e tem a maior concentração de iniciativas de estímulo ao desenvolvimento de novas tecnologias voltadas para o campo. Estão lá, entre outros, a Esalqtec, que deu origem a todo esse movimento, o Pulse, criado pela gigante do setor sucroenergético Raízen, e o AnimalsHub, com foco na pecuária. Nenhum deles, entretanto, consegue congregar tantas marcas quanto o AgTech Garage, criado em 2016 e que, desde então, se tornou o grande ponto de encontro entre as grandes empresas do agro e aquelas que se propõem a mudar o futuro do setor.

O Garage é apontado hoje como o maior hub de atividade agropecuária na América Latina. Idealizado pelo engenheiro químico José Tomé e o empresário Marcelo Carvalho, ele nasceu como um pequeno coworking no centro de Piracicaba. Em apenas três anos ocupava um moderno prédio de 1,5 mil metros quadrados no Parque Tecnológico da cidade, junto à sede da Raízen e do Pulse.  “A evolução do hub está sendo fantástica, pensando que a gente está fisicamente no local há três anos, sendo que dois foram de pandemia”, afirma Carvalho. “Só no ano passado, a gente cresceu por volta de 130% e nesse ano devemos dobrar de tamanho, então o sucesso está sendo muito grande. O número de parceiros e startups mapeadas está crescendo todos os meses, então entendo que o hub está cumprindo o papel de ser um catalisador da inovação aberta no agro.”

A base de startups conectadas à comunidade virtual do Garage, de fato, mais que dobrou em 2021, de 400 para quase 900. Cerca de 100 delas são residentes ou residentes virtuais do hub, participando diariamente ou com frequência de atividades oferecidas ou interagindo com a rede de mentores e investidores. São potenciais prestadoras de serviço, sobretudo na área de tecnologia, à procura de clientes como agroindústrias, corporações e fazendeiros. Na outra ponta, a meta é chegar a 100 investidores neste ano – partindo de 58 em 2021, ante 30 em 2020.

Mais que números, porém, o que impressiona é o calibre das marcas que buscam ali essa conexão com a inovação. Bayer, Bunge, John Deere, Koppert, Sicredi, Suzano, Cargill… A lista cresce a todo momento, em diferentes formatos de associação. John Deere e Bayer, por exemplo, estão entre os chamados Innovation Partners, aquelas que investiram para desenvolver, dentro do Garage, seus próprios hubs, com maior engajamento em programas de inovação desenvolvidos sob medida para suas necessidades, de forma mais estratégica. Nessa categoria há apenas uma empresa por vertical de negócios – são sete atualmente.

Já a categoria Ecossystem Partners, que hoje conta com 45 empresas, sem exclusividade por vertical é voltada para aquelas que buscam interação com o ambiente do hub e ao contato com as startups em busca de parceiros e agilidade para desenvolver inovação. Existe ainda uma terceira categoria, a Membership Bayer, criada sob demanda da fabricante de insumos, que tem como objetivo proporcionar a experiência do hub para cooperativas e revendas estratégicas para seu negócio. O acesso e as entregas são semelhantes ao que é oferecido aos Ecossystm Partners, mas financiado pela Bayer. “É um ganha-ganha”, diz Tomé, CEO do Garage. “Por um lado, a cooperativa ou a revenda recebem uma oportunidade de ter contato com o ambiente de inovação. De outro, a Bayer as ajuda a estar mais preparada para receber as inovações da empresa.”

Essa flexibilidade para encontrar modelos customizados é um dos trunfos do hub. “A gente usa o hub pra fazer conexões com startups e as startups como fornecedoras de serviços e tecnologias”, conta a líder de Inovação Aberta da Suzano, Beatriz Souza. Com mais de 1 milhão de hectares de florestas de eucaliptos no Brasil, a fabricante de papel e celulose trabalha com cerca de 50 startups em diversas áreas. Sete delas foram contratadas na AgTech Garage, de dois anos para cá.

Foi graças a uma delas, a SciCrop – especializada em monitoramento e análise de lavouras –, que a Suzano identificou uma taxa de reflorestamento natural estimada em 17% das terras mapeadas, dispensando o manejo. Outra parceria na área de silvicultura gerou um ganho de 3,5% na eficiência operacional. Além das florestas, a cliente tem 11 fábricas e produz mais de 3 milhões de toneladas de celulose por ano. Agora, está prospectando outras duas startups para contrato no hub de Piracicaba.

“A gente tem nossas ‘dores’ internas. Nosso sonho é sempre ganhar produtividade. Uma das questões é reduzir o consumo de diesel”, conta Beatriz, adiantando qual deverá ser a próxima parceria e explicando que essa fase de procura se chama “screaming”. “É quando convidamos as startups para resolver os nossos problemas. O hub serve muito para isso: conexão. Esse foi o diferencial de procurar o AgTech Garage. Se eu fosse buscar sozinha uma startup para reduzir o uso de diesel, seria muito mais moroso do que pedindo ajuda para um hub”, diz.

Já a empresa de soluções biológicas para a agricultura Koppert identificou no Garage o parceiro para desenvolver um projeto próprio, o Gazebo, primeiro hubvoltado para o desenvolvimento de tecnologias para o controle biológico. O objetivo é promover parcerias, seja com startups, empresas ou instituições de pesquisa, que desenvolvam soluções aplicadas aos bioinsumos e serviços relacionados, com foco em inovação e sustentabilidade.

Ambiente fértil

“A gente está conseguindo colocar em contato startups e corporações, academia e stakeholders, gerando relacionamentos e levando conhecimento, informação e tecnologia em gestão e inovação para essa comunidade. Tem muito ainda a ser construído, mas o que a gente já fez até agora é muito relevante”, afirma Carvalho. Dedicado à pesquisa, desenvolvimento e inovação do agronegócio, José Tomé, o CEO, é responsável pelas parcerias firmadas no âmbito do AgTech Garage. Ele mesmo teve uma startup em 2011 e em 2013 abriu o primeiro coworking do agronegócio, voltado para a cana-de-açúcar, que predomina em Piracicaba. Dois anos depois, foi procurado por fundos de investimento e pela Esalqtec, com a qual realizou o primeiro censo das startups agropecuárias no Brasil, lançado em 2016.

“O estudo fez a gente entender qual seria o nosso papel: seríamos o player que traria as pequenas empresas para o jogo. De 2017 pra cá, evoluímos muito. A inovação aberta não é só startups, são projetos também. O ecossistema amadureceu”, observa Tomé. Segundo ele, o País está na liderança mundial das práticas de inovação aberta, como as promovidas pelo hub, que vê como um “ambiente fértil” para negócios cada vez mais diversificados.

“Existe uma diferença grande entre um hub e uma incubadora. O hub é um ambiente plural, com iniciativas que dependem de público e acesso a investidor”, diz o empresário. “O hub atrai investidores. O investidor-anjo está mudando, com uma diversificação maior, inclusive produtores que estão investindo em startups. Profissionais que eram investidores-anjo, cinco anos atrás, hoje são fundos de investimento. Toda essa rede está conectada ao hub e pode ser acessada pelos empreendedores”, acrescenta.

Tomé observa que empreendedores “de garagem”, sozinhos, perderam a competitividade. A missão do AgTech Garage é promover parcerias que evitem o prejuízo. Os interessados podem, segundo ele, ater-se a um relacionamento virtual ou se tornarem residentes, com seus funcionários acompanhados por gestores. “As empresas mais preparadas sabem se relacionar com startups sem perder tempo”, afirma o executivo. “São partners choices, que atraem os melhores, gerando serviços de forma mais competitiva”, defende.

“Trabalhar nesse ramo é estar na fronteira, o que é desafiador porque são negócios que se encontram num limiar. A gente faz um trabalho muito forte de RH para atrair empresas de diferentes áreas e mudar o ambiente de negócios. Se bem explorado, o RH pode se beneficiar, o marketing também”, comenta Tomé. “Estamos ganhando muita força em relacionamento. O hub é um ambiente fértil para isso”, ele diz. O executivo vê com otimismo o ambiente de negócios no Brasil atual – no caso do hub, os negócios foram de alguma forma beneficiados pela pandemia – e acredita que, “de norte a sul”, há gente e empresas qualificadas tal qual se vê em São Paulo ou Piracicaba.

Caderno de campo

Segunda maior instituição financeira do agronegócio no Brasil, o Sicredi é um dos innovation partners e cofundadores do AgTech Garage. Com uma carteira de crédito rural que atualmente supera os R$ 50 bilhões, a instituição financeira cooperativa firmou, por meio do hub, uma parceria com a Elysios Agricultura Inteligente. Especializada em serviços de sensoriamento e automação de lavouras, a startup viu sua base de clientes aumentar exponencialmente após fechar negócio com o Sicredi.

“Hoje, essa parceria já beneficia mais de 600 produtores ligados a diferentes cooperativas do Sicredi. Além disso, a Elysios tem a possibilidade de desenvolver em paralelo projetos mais ambiciosos junto às cooperativas, personalizando o atendimento para oferecer serviços de acordo com a singularidade de cada uma”, conta a líder de Inovação do Sicredi, Jéssica Tambalo.

Presente em 17 estados, a Elysios realiza o sensoriamento remoto de 100 mil hectares de área plantada, em 2,6 mil propriedades rurais, com foco em fruticultura. Para apresentar o resultado aos produtores, a startup tem um aplicativo chamado Caderno de Campo, no qual informações sobre o plantio ficam disponíveis no celular, facilitando o trabalho nas fazendas. O foco da empresa gaúcha é, portanto, a digitalização do setor.

“O nosso trabalho é desenvolver sistemas de sensoriamento e automação para cultivos protegidos. Hoje, a gente atende a cultivos abertos e desenvolvemos um braço de software que atende desde pequenos produtores até a agroindústria”, resume o diretor financeiro da Elysios, Frederico Brito. Ele lembra que o projeto com o Sicredi, por meio do AgTech Garage, começou com 30 produtores gaudérios, em Flores da Cunha, Bom Princípio e Farroupilha (RS). Rapidamente, chegou a centenas de membros de sete cooperativas que fazem parte do grupo de crédito agrícola.

“Tivemos um ótimo sucesso”, afirma Brito. “Estamos estudando como crescer ainda mais com essa ferramenta. O legal do hub é justamente quando ele é o facilitador, claramente empregando uma metodologia de inovação aberta e fazendo que seus grandes parceiros encontrem as startups, que são mais ágeis e conseguem ajudar – e, nesse sentido, já está colhendo frutos”, observa.