Edição 29 - 27.05.22
Projetos de agricultura vertical em ambientes fechados conquistam investidores e recebem bilhões para alavancar a produção.
Em um galpão alugado na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo, a Pink Farms colhe os frutos, ou melhor, as hortaliças de uma inovação na agricultura: a fazenda vertical urbana. Trata-se de um dos primeiros negócios do tipo no Brasil. Todos os dias, às 7 horas, a engenheira agrônoma Luana Borges chega ao trabalho e, com dez trabalhadores “rurais”, cuida de uma produção mensal de 3 toneladas de alface e até 150 quilos de folhosas altamente nutritivas, os microgreens.
Fazendas verticais continuam sendo uma novidade no País. Lançada em 2017 por três sócios, a Pink Farms tem pelo menos uma concorrente, a 100% Livre, capaz de produzir mensalmente 13 toneladas de hortaliças de alto valor agregado no Ipiranga, zona sul paulistana. Porém, em razão do sucesso em outros países, investidores do agronegócio não descartam o modelo dentre suas opções. Em cinco anos, a unidade visitada pela PLANT PROJECT recebeu R$ 8 milhões em aportes, realizados por meio de crowdfunding, anjos e fundos de investimento.
Nos Estados Unidos, Japão e Europa, o segmento tem recebido aportes generosos e já formou seus primeiros unicórnios. Grandes investidores de risco têm feito cheques gordos para startups especializadas na produção indoor: a Google Ventures investiu US$ 90 milhões na Bowery Farming, a sueca Ikea se comprometeu a injetar US$ 115 milhões da AeroFarms e o Softbank, fundo gigante de origem japonesa, reservou US$ 200 milhões para a Plenty, todas americanas. Na Europa, a holandesa Infarm também levantou US$ 200 milhões em uma rodada de captações, tornando-se a primeira do continente a ser avaliada acima de US$ 1 bilhão. Segundo a revista americana Forbes, o mercado global de agricultura vertical deve atingir US$ 40,25 bilhões este ano, o que justificaria tamanho frenesi.
Os recursos têm financiado a implantação de novas “lavouras” em edifícios em vários países. A líder AeroFarms, por exemplo, inaugurou um prédio de 6,5 mil m² em Nova Jersey (EUA), e a dinamarquesa Nordic Harvest possui uma instalação de 7 mil m² em Copenhague. Os próximos projetos, anunciados em janeiro, incluem uma nova fazenda da americana Upward Farms na Pensilvânia, com 23,2 mil m² para entrar em operação em 2023, e uma aposta de US$ 400 milhões do Walmart na startup Plenty, já famosa no ramo, para abastecer a rede de supermercados na Califórnia.
SOB CONTROLE
Se a agricultura sempre foi definida como uma indústria a céu aberto, sujeita a variáveis como pragas e clima, os bilhões despejados nas fazendas verticais se propõem justamente a promover uma era da produção sob controle total. “A grande diferença é o sistema hidropônico, que não usa nada de terra. Também é uma lavoura fechada, indoor, então não há nenhum fator climático que atrapalhe o crescimento das plantas”, descreve Luana, da Pink Farms. “É um ambiente perfeito em termos de controle de temperatura, fitossanidade e umidade. As plantas ficam mais bonitas, com produtividade maior e qualidade excepcional”, acrescenta ela.
Para entrar na área produtiva, é preciso colocar avental, uma touca e cobrir os sapatos. Às 8 horas de uma terça-feira, início de fevereiro, na antessala da fazenda, os funcionários finalizam as alfaces já prontas, cortando as partes murchas antes de embalá-las para serem remetidas a uma série de supermercados, restaurantes e food service. A produção é feita sob demanda e a oferta ainda é inferior à procura, com o Pão de Açúcar, Carrefour e hotel Hilton na carteira de clientes.
Aos sábados, eventualmente, há visitas guiadas no local. Num futuro próximo, os visitantes poderão conhecer uma nova unidade, onde devem produzir um volume 40 vezes maior de alface e brotos de hortaliças, com acesso especialmente desenvolvido para eles (uma ponte no interior da fazenda para que possam passear pelas instalações sem ter contato direto com o “chão de fábrica”, segundo Luana). O projeto está previsto para 2023, em Jundiaí (SP), e como o dinheiro para torná-lo possível ainda está sendo captado, a Pink Farms não revela o montante. No ano passado, a empresa dobrou de faturamento.
Procurada pela reportagem, a 100% Livre não se manifestou até o fechamento desta edição. Mas sabe-se que o negócio é resultado de um contrato de dois anos, firmado em setembro de 2020 com a Embrapa Hortaliças (DF). A empresa informa em seu site que produz alface, rúcula, tomate, pimentão, manjericão, coentro, salsa, sálvia, brotos, microgreens e morango. Tem 150 clientes. De resto, assemelha-se à concorrência em termos de instalações, economizando 90% de água e 70% de adubos na produção, se comparada a uma lavoura tradicional.
“A ideia das fazendas urbanas verticais é trazer a agricultura de volta para os centros urbanos através da tecnologia, criando um processo de cultivo mais produtivo, eficiente e sustentável. E através desse tipo de cultivo, oferecemos um alimento mais saudável, de melhor qualidade, com maior tempo de validade e sem a necessidade de utilizar agrotóxicos”, explica o CEO da Pink Farms, Geraldo Maia.
Numa sala contígua do galpão na Vila Leopoldina, prateleiras dão suporte a bandejas com mudas de hortaliças diversas. Entre os chamados microgreens, produz-se alecrim, tomilho, alho-poró, cenoura, repolho, rabanete, mostarda e rúcula. “São as plantas pequenininhas ainda, ficam prontas em até 15 dias, com uma carga de nutrientes maior que as adultas – até 400% mais”, explica Luana. “Não é exclusividade de fazendas urbanas, dá para plantar em casa e na terra. Era bastante usado para a decoração de pratos. Há uns anos, o consumo aumentou nos restaurantes e o portfólio foi ampliado”, acrescenta, pontuando que a demanda caiu na pandemia.
A COR DO FUTURO
A produção de alface se concentra numa área mais ampla, em duas torres iluminadas pela luz LED rosa que deu origem ao nome da empresa. Cada estrutura tem 7 metros de altura e dez longos patamares repletos de plantas em germinação, mudas e folhas prontas para a colheita. No sistema hidropônico, cuja água é constantemente reaproveitada, as alfaces são cultivadas em esponjas especiais e acabam sendo 170 vezes mais produtivas do que as convencionais. Os produtores injetam adubos próprios nas raízes das plantas e dispensam o uso de defensivos. O ciclo até a colheita dura 40 dias. A Pink Farms trabalha com cinco tipos de verdura.
Típico do vertical farming, o uso de lâmpadas LED em prédios comerciais deve crescer a uma taxa anual de 6,9% até 2028 – índice que pode chegar a 32% entre produtores de alimentos –, segundo um estudo de 2019 da consultoria americana Navigant Research, de Colorado. Erik Runkle, cientista de plantas industriais da Universidade de Michigan (EUA), estima que há 40 ou mais fazendas verticais no país. Um dos maiores negócios, a AeroFarms, com sede em Newark, arrecadou US$ 40 milhões no ano passado. A Plenty, baseada em São Francisco, levantou US$ 200 milhões em 2017 para uma rede global de negócios do tipo – um dos patrocinadores é uma empresa de capital de risco criada pelo fundador da Amazon, Jeff Bezos.
Um dos grandes motivos para o sucesso desses empreendimentos é a procura por novas formas de se fazer agricultura, e mais produtivas, sem expansão de área no campo, de acordo com Maia, o CEO da Pink Farms. “Nos últimos anos, a quantidade de terra utilizável diminuiu muito devido a vários fatores, como crescimento populacional, erosão do solo, contaminação de rios e nascentes, queimadas etc.”, explica. “E, se pensarmos, a maior parte do planeta Terra é de oceanos. Então, o espaço para se produzir os alimentos é reduzido”, ele diz.
Segundo a FAO-ONU, 200 milhões de pessoas no mundo produzem vegetais no meio urbano, gerando alimentos para 800 milhões de pessoas em hortas nas cidades, produção doméstica, criação de animais, além de lavouras cultivadas na cobertura de prédios, mais comuns em Nova York. Sem falar em fazendas verticais. Considerado o maior projeto nesse modelo até hoje, a nova unidade da Upward Farms prevê para suas torres o uso da aquaponia, uma simbiose entre o cultivo hidropônico de folhosas e tanques para a criação de peixes.
O sistema de produção vertical é, sobretudo, sustentável. Luana, da Pink Farms, lista uma série de motivos. “As fazendas verticais são sustentáveis, pois usam menos fertilizantes (cerca de 60% a menos comparado ao campo), otimizam o espaço de área de luz, reduzem o uso de água em 95%, e podem utilizar painéis solares para a energia”, ela diz.
Outra razão, acrescenta a engenheira agrônoma, está no delivery oferecido aos clientes, além do aproveitamento, essencialmente, de espaços urbanos subutilizados. “Pelo fato de nossas entregas serem feitas num raio pequeno, emitimos menos carbono no meio ambiente. Também temos a possibilidade de utilizar espaços impróprios para moradia, mas úteis para a produção de alimentos”, observa. Para completar, a próxima fazenda da Pink Farms deve contar com um sistema mecanizado de colheita, revela Luana.