Edição 28 - 11.03.22
“Cabe ao mundo rural cuidar da vegetação nativa sob sua responsabilidade e, ao mesmo tempo, evitar qualquer forma de desmatamento ilegal ou ações passíveis de causar degradação ambiental”
O mundo rural brasileiro é complexo, dinâmico e de grande dimensão. Para conhecer e atualizar a efetiva contribuição dos produtores rurais para a preservação da vegetação nativa, a Embrapa Territorial analisou, por geoprocessamento, dois bancos de dados públicos e oficiais: o Cadastro Ambiental Rural (CAR), com 5.953.139 imóveis rurais registrados até fevereiro de 2021, e o Censo Agropecuário 2017 do IBGE, com 5.063.771 estabelecimentos agropecuários.
Essa análise indica 2.828.589 km² de áreas dedicadas à preservação da vegetação nativa em imóveis rurais ou estabelecimentos agropecuários, o que representa 33,2% do território nacional. Ou seja, o mundo rural preserva um terço do Brasil. Caso único no planeta, o agricultor brasileiro utiliza, em média, 50,6% de suas terras. O restante é dedicado à preservação ambiental.
Os conceitos de estabelecimento agropecuário do IBGE e de imóvel rural do CAR são diferentes, mas convergentes. No estudo realizado pela Embrapa Territorial, o CAR foi a fonte de dados principal – a área ali mapeada pelos agricultores revela 2.274.156 km² de áreas dedicadas à preservação da vegetação nativa, majoritariamente em áreas de preservação permanente (APP), áreas de reserva legal e excedente de vegetação nativa.
Por procedimentos de geoprocessamento, a Embrapa Territorial identificou 1.809.626 estabelecimentos agropecuários levantados pelo Censo Agropecuário 2017, ainda sem registro no CAR e não localizados em áreas protegidas. As razões do não cadastramento no CAR foram analisadas em seus vínculos com territórios em que a expansão do capitalismo agrário é ainda incipiente. A estimativa do adicional de vegetação nativa existente ou dedicada à preservação nesses estabelecimentos agropecuários totalizou 554.432 km².
A combinação de métodos, procedimentos e bancos de dados do IBGE, do CAR e de outras instituições (Ministério do Meio Ambiente, Funai…) permitiu expandir o entendimento sobre o tamanho e a complexidade desse mundo rural em suas diversas dimensões, sendo a ambiental uma delas.
Em terras públicas, fora do mundo rural, as áreas protegidas do País – unidades de conservação integral (parques nacionais, estações ecológicas etc.) e terras indígenas – compõem um mosaico ambiental relevante. Ele está em sinergia com o mosaico das áreas dedicadas à preservação da vegetação nativa pelo mundo rural brasileiro, preservadas, em sua maioria, em terras privadas.
Resultantes de decretos e instrumentos legais de atribuição territorial, federais, estaduais e municipais, os limites geográficos das 1.689 unidades de conservação integral são conhecidos de forma circunstanciada. Elas protegem 9,4% do território nacional. Também situadas em terras de domínio público, as 614 terras indígenas ocupam 13,8% do território nacional. O total das 2.303 áreas protegidas, descontadas eventuais sobreposições geográficas, representam 1.974.400 km² e 23,2% do Brasil.
As áreas protegidas em terras públicas e as preservadas pelo mundo rural em terras privadas totalizam 4.802.988 km² ou 56,4% do Brasil. Ainda restam muitos locais com vegetação nativa não contidos em terras protegidas ou preservadas. No Amazonas e no Pará, por exemplo, há grandes vazios com vegetação nativa não mapeada, associados a terras devolutas ou não atribuídas e a áreas militares, como a do Cachimbo, no sul do Pará.
Quando se agregam as áreas protegidas e preservadas às de vegetação nativa em terras devolutas, áreas militares e imóveis rurais ainda não cadastrados ou disponíveis no CAR, chega-se ao total de 5.642.359 km² ou 66,3% do território nacional. Hoje, dois terços do Brasil estão dedicados à proteção, preservação e conservação da vegetação nativa.
As vegetações nativas incluem uma profusão de formações florestais. Os biomas Pampa e Pantanal são constituídos, sobretudo, por vegetações não florestais. O mesmo ocorre majoritariamente no bioma Cerrado. E até no bioma Amazônia e Mata Atlântica existem áreas de vegetação não florestal. Na Amazônia, por exemplo, há mais de 20 tipos de florestas diferentes, além de vegetações não florestais (campos nativos, lavrados, cerrados, apicuns, vegetações rupestres, lacustres, palustres etc.).
Os resultados dessa pesquisa destacam duas realidades essenciais: o enorme desafio técnico e financeiro de gestão territorial associado à grande dimensão das áreas dedicadas à proteção, à preservação e à conservação da vegetação nativa no Brasil (66,3% do território) e o papel decisivo dos agricultores na preservação ambiental ao destinar à vegetação nativa, em terras privadas, uma área equivalente a 33,2% do País.
Cabe ao mundo rural cuidar da vegetação nativa sob sua responsabilidade e, ao mesmo tempo, evitar qualquer forma de desmatamento ilegal ou ações passíveis de causar degradação ambiental. Um desafio público estratégico quanto ao equilíbrio entre produção e preservação, cujas metas devem ser baseadas na sustentabilidade ambiental, social e econômica, sem abrir mão da competitividade dos produtores rurais brasileiros.
O detalhamento dos métodos e procedimentos utilizados e dos resultados alcançados estão disponíveis no sitehttp://www.cnpm.embrapa.br/projetos/car/rural2021.