A evolução está no ar

A batida final do martelo no leilão da tecnologia 5G deu a largada para uma nova corrida de transfo


Edição 28 - 25.03.22

A batida final do martelo no leilão da tecnologia 5G deu a largada para uma nova corrida de transformação digital no agronegócio brasileiro. Mas é preciso ter um pouco de paciência antes de acelerar de vez.

O leilão era de telecomunicações, mas para o agronegócio brasileiro o arremate gerou foi luz para as expectativas de acelerar a evolução digital. Mais do que isso, o pregão da tecnologia do 5G, realizado no início de novembro, criou a oportunidade para uma considerável valorização do setor. Diz o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) que se a conexão no campo via internet aumentar 25%, o valor bruto da produção agropecuária (VBP) pode crescer 6,3%. Ou seja, pode passar dos atuais R$ 1,119 trilhão para R$ 1,189 trilhão. Sim, estamos falando de R$ 70 bilhões a mais. E é provável que esse ganho todo nem venha diretamente da quinta geração de internet móvel, pois a expansão do 4G, ao qual já estamos acostumados e que vem como parte da negociação recém-fechada, pode dar conta do recado. “O 4G já atende muito bem as aplicações de hoje e de muitos anos à frente, com a possibilidade de uma migração para o 5G de forma gradual, mais sólida e mais tranquila. A estrutura já vai estar lá”, diz Gregory Riordan, diretor de Tecnologias Digitais da CNH Industrial para a América do Sul e presidente da ConectarAgro, iniciativa formada por diversas empresas e que nasceu exatamente para promover a adoção de soluções abertas, começando pela utilização da rede 4G.

Na última batida do martelo, o leilão do 5G registrou arrecadação de R$ 47,2 bilhões, valor um pouco abaixo da previsão inicial do governo federal (R$ 50 bilhões), mas considerado positivo pela Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), pois 25% do que foi ofertado não chegou a ser arrematado. “Nosso país tem uma escassez muito grande de internet, tem um deserto digital enorme, e pela primeira vez teremos a garantia e a certeza de que todos os valores arrecadados nesse leilão iremos converter em benfeitorias para a população”, comentou o ministro das Comunicações, Fábio Faria. O sinal de quinta geração da internet deve chegar ao Distrito Federal e às capitais brasileiras antes de 31 de julho de 2022, com implementação nos demais municípios até 2029.

A concorrência envolveu quatro faixas de frequência: 700 MHz; 2,3 GHz; 3,5 GHz; e 26 GHz (veja descrição do uso de cada uma delas no quadro). O lote mais concorrido foi o de 3,5 GHz, exatamente por ser a faixa mais utilizada no mundo e que oferece a melhor qualidade no sinal e maior velocidade, e ficou com as operadoras Claro, Vivo e TIM. Mas, neste momento, o fato de maior impacto no agronegócio, sobretudo para os produtores rurais, é que ao levar o 5G, em qualquer uma das faixas de frequência, as empresas têm o compromisso de investir também na tecnologia 4G, ou superior, para áreas ainda sem cobertura, como pequenas localidades e rodovias federais. “Precisamos lembrar que 80% da nossa área rural ainda é ‘zero G’. Então temos de avançar muito, para o 4G no mínimo”, afirma Riordan, lembrando que esse caminho pode tranquilamente ser feito pela faixa de 700 MHz, arrematada pela Winity II Telecom. “É uma faixa muito interessante para o meio rural, traz a conectividade adequada e as torres cobrem bem.”

Fonte: Agência Brasil

Vantagens operacionais

O presidente da ConectarAgro destaca que, enquanto a internet avançou de forma expressiva nas áreas urbanas, o mesmo não aconteceu no meio rural. “O modelo que é utilizado hoje leva as operadoras a buscar usuários, por isso a Avenida Paulista é muito mais interessante para elas do que o município de Cáceres, em Mato Grosso”, comenta Riordan. “Tanto é que cerca de 98% das áreas urbanas já têm cobertura 4G.”

O executivo usa a Pirâmide de Maslow [conceito criado pelo psicólogo Abraham Maslow para mostrar a hierarquia das necessidades] como exemplo para descrever como a conectividade vai favorecer os produtores rurais. Segundo Riordan, o primeiro ponto, a base dessa pirâmide, é a mesma do meio urbano, a comunicação entre as pessoas. Alguém que está operando uma colheitadeira no meio da lavoura poderá falar ou trocar mensagens com quem está na base da operação, ou com a área de transbordo. O segundo fator, já mais avançado, é a telemetria. “O piloto automático é bastante utilizado e tem uma questão de correção de sinal”, diz. Depois vem o aprimoramento de outras aplicações, como o uso de drones em diversas atividades, informações que eram inseridas no computador de bordo das máquinas por pen drive passam a ser transmitidas pelo sinal de internet. “Há um grande ganho de velocidade na atualização dos dados e de eficiência na produção.”

A precisão no manejo das lavouras é outra vantagem operacional bastante significativa. Conforme explica Riordan, enquanto aguarda o crescimento das plantas após ter feito a semeadura, o agricultor precisa lidar com pragas, doenças fúngicas, plantas invasoras, e tomar a medida certa no momento exato define a redução de perdas de produtividade, que podem chegar a 45%. Ainda mais dependendo do tamanho da plantação, pois no caso dos insetos o produtor ainda depende do monitoramento feito por pragueiros, passando pelos talhões. O executivo calcula que em uma propriedade de 1,5 mil hectares, a partir da conectividade é possível economizar R$ 270 mil por safra com a redução de custos, de incidentes, uso de rádio e manutenção de máquinas. São cerca de R$ 170 a menos por hectare.

Hoje, há uma série de práticas de manejo que podem ser feitas por aplicativos, inclusive o reconhecimento de uma praga ou uma doença, basta uma foto tirada com a câmera do celular. “A gente faz download de aplicativo para resolver tudo quanto é problema, desde um nível para instalar uma prateleira até o acesso aos serviços bancários”, diz Riordan. A conectividade vai potencializar essas possibilidades e facilitar a rotina das fazendas. Dos 3 mil produtores entrevistados para a 8ª Pesquisa ABMRA Hábitos do Produtor Rural, divulgada pela Associação Brasileira de Marketing Rural no ano passado, 94% afirmaram utilizar smartphones. Na edição anterior do estudo, feita em 2017, esse índice era de 61%. “Isso abre espaço tanto para as startups quanto para as multinacionais”, acrescenta.

Transformação já começou

Por conta dos inúmeros benefícios que a conectividade traz para a produção agropecuária, muitas empresas rurais investiram por conta para ter sinal de internet nas propriedades. É o caso da SLC Agrícola, que já implementou a tecnologia 4G em 13 das suas 22 fazendas, e todas devem estar conectadas até o meio do ano que vem, expandindo a cobertura para os 668 mil hectares de área plantada. Isso tem permitido trabalhar com todas as máquinas conectadas, realizar todas as operações sincronizadas, fazer controle de pragas e doenças a partir de um tablet e aplicar os defensivos de forma precisa onde realmente é necessário. Para isso acontecer, a empresa providenciou a infraestrutura, com a instalação das antenas de transmissão, e depois buscou a operadora para fazer chegar o sinal. Enquanto o leilão 5G não acontecia, outras companhias do setor foram atrás de parcerias para estarem preparadas.

Em julho deste ano, a direção da Coopavel, a Cooperativa Agroindustrial de Cascavel (oeste paranaense), assinou um protocolo de intenções com a empresa Huawei Brasil e o Parque Tecnológico Itaipu (PTI-Brasil) para a utilização da tecnologia 5G. Esse projeto, com investimento inicial de cerca de R$ 6 milhões, prevê a instalação de uma moderna antena de transmissão para a quinta geração de sinal de internet, com um raio de abrangência de 5 km, na área do Show Rural Coopavel, uma das principais feiras de agronegócio do País. Além da melhoria na comunicação em toda o espaço do evento, a internet de alta performance tornará muito mais dinâmicas as demonstrações técnicas realizadas durante o período da feira, como monitoramento e transmissão em tempo real de imagens de alta definição das lavouras, funcionamento de maquinário, informações precisas sobre a alimentação e a saúde dos rebanhos e dados sobre as condições climáticas.

A John Deere, que investe US$ 4 milhões por dia em pesquisa e desenvolvimento, firmou um acordo de colaboração com a Ericsson voltado a novas aplicações utilizando a tecnologia 5G e gerando novas receitas para o agronegócio. A ideia é a partir da integração entre a conectividade e a internet das coisas (IoT) gerar soluções mais eficientes para problemas reais do setor. Para Rodrigo Bonato, diretor do Grupo de Soluções Inteligentes (ISG) da John Deere para América Latina, esse avanço é essencial porque a conectividade desbloqueia todo o potencial e a inovação disponível no campo, “beneficiando também outros setores da sociedade, desde telemedicina e educação à distância, por exemplo”.
A Case IH, marca da CNH Industrial, investiu em um campo de demonstração para apresentar todos os benefícios da internet em uma propriedade. Trata-se da Fazenda Conectada Case IH, com uma área de 3 mil hectares, localizada em Água Boa (MT). O sinal de internet é o 4G, na faixa de 700 MHz, fornecido pela TIM, operadora que integra a ConectarAgro e que por meio da iniciativa já levou conexão a cerca de 6,2 milhões de hectares. No local serão apresentadas, na prática, as vantagens da digitalização do campo, com a aplicação de tecnologias como Machine Learning, Big Data e Data Analytics. O projeto acabou beneficiando todo o entorno, pois foram instaladas duas antenas, uma na propriedade e outra no centro de Água Boa. Com isso, o sinal 4G chegou também para mais de 16 mil pessoas das comunidades ao redor, 93 outras fazendas, 21 escolas e 6 mil estudantes.

Fonte: Agência Brasil

Fonte: Agência Brasil

Como diz Gregory Riordan, a chegada da internet promove desenvolvimento tecnológico, econômico, social e ambiental, e ainda incentiva as novas gerações a permanecerem no campo. “É o que eu chamo de efeito colateral positivo”, brinca o executivo, acrescentando que agora é importante o setor estar preparado para os novos passos. “Temos que abraçar o 5G, é o futuro, devemos entender as aplicações. Estamos falando de uma estrada digital, e quando você implementa uma rodovia abre espaço para a chegada de mais desenvolvimento e de mais investimento.”