Edição 27 - 22.11.21
Outubro é mês de colheita nas colinas áridas e ensolaradas da Palestina. Milhares de agricultores da região se juntam, em uma espécie de ritual, para percorrer longas fileiras plantadas com oliveiras. Juntos, eles as sacodem, fazendo cair os frutos de seus galhos sobre cestos ou pedaços de pano. As olivas que permanecem coladas à árvore são, então, colhidas à mão, com a ajuda de longas hastes.
São cenas que se repetem por muitas gerações, mas que estão cada vez mais ameaçadas de não se repetirem no próximo ano. Para muitos agricultores palestinos, manter ou até mesmo acessar seus pomares tem se tornado uma jornada complexa, dificultada pela conflituosa relação com Israel. Na disputa pelas terras da Cisjordânia, tropas israelenses impedem o livre trânsito de palestinos pela região e limitam o uso da água pelos produtores, impedindo-os de irrigar suas culturas.
Resilientes, as oliveiras tornaram-se um símbolo da resistência palestina. Em muitos pomares, que antes produziam também pêssesgos e damascos, apenas elas restaram. Hoje, 12 milhões de árvores voltadas para o cultivo de azeitonas ocupam quase metade da área agricultável da Cisjordânia. A cultura e a produção de óleo de oliva representam um quarto da renda na região. E são a única certeza que os agricultores ainda têm, já que nunca sabem ao certo se terão permissão para cultivar outras plantas e, principalmente, se haverá água disponível para irrigá-las.
A situação de agravou nas últimas duas décadas, com o recrudescimento das ações do exército israelense na região após o levante palestino do ano 2000, conhecido como a Segunda Intifada. Desde então, Israel vem derrubando milhares de árvores em territórios palestinos, sob o pretexto de que precisa de mais espaço para suas instalações militares. A reação dos agricultores foi replantá-las, com a ajuda de organizações não-governamentais como o Grupo Árabe para a Proteção da Natureza (AP Nature, na sigla em inglês). A entidade estima ter conseguido replantar cerca de 2,5 milhões de oliveiras.
O problema mais sério, porém, é mesmo o acesso à água. “Não somos autorizados a cavar poços ou procurar água em nossas cidades, pois trata-se de um recurso natural sob controle israelense”, afirmou o produtor Abbas Milhem à revista americana Modern Farmer. Esse controle ocorre desde 1967, quando uma ordem militar de Israel definiu que qualquer instalação associada ao uso da água precisa ser expressamente autorizada. Mesmo para o uso doméstico, o insumo precisa ser adquirido dos israelenses.
Mesmo os poucos Produtores que conseguem obter autorização e possuem recursos para fazer a irrigação de suas lavouras não estão livres de outros obstáculos. Desde 2002 Israel tem construído uma série de barreiras físicas para impedir o livre trânsito de palestinos na região. Não é raro que eles sejam parados em postos de controle e impedidos de seguir viagem, mesmo que o destino sejam suas próprias plantações. Para que possam prosseguir, precisam obter salvo-condutos específicos, que muitas vezes se resumem apenas a seus familiares diretos. Dessa forma, o manejo das plantações a as tradicionais colheitas coletivas costumam ser afetados. Não é raro, segundo Milhem, que o trabalho no campo seja feito sob a vista de soldados israelenses fortemente armados.
Diretor executivo da União dos Agricultores Palestinos, Milhem ainda assim se mantém otimista. Ele acredita que a pressão internacional em favor dos produtores locais pode ajudar a reduzir as restrições sobre seu trabalho, permitindo que a produção se desenvolva. “Os palestinos de vêem nas oliveiras”, afirma Rami Barhoush, vice-presidente da AP Nature. “São gentis e humildes por fora, mas muito difíceis de quebrar por dentro.”
ESTADOS UNIDOS
As marcas da agricultura regenerativa
Recuperar a vida do solo, evitar revolver a terra, fazer rotação de culturas, sequestrar carbono, usar mais insumos biológicos, plantar culturas de cobertura, fazer o manejo correto dos recursos hídricos. O conceito de agricultura regenerativa propõe a adoção cada vez mais intensa dessa e de boas práticas agrícolas na busca de uma agropecuária mais sustentável. E, a partir delas, ajudar a recuperar os ecossistemas e tornar os sistemas produtivos mais resilientes. Na última década, os programas de agricultura regenerativa ganharam os holofotes, inicialmente em iniciativas piloto e de pequena escala. Mais recentemente, entraram na agenda de grandes grupos e passaram a contar com orçamentos polpudos para ganhar musculatura e passar a englobar números crescentes de agricultores. Apenas este ano, corporações ligadas diretamente ao agronegócio – e até mesmo algumas sem um laço visível – anunciaram investimentos pesados para levar o conceito para a prática em suas cadeias de fornecimento. Boa parte dos anúncios aconteceu dias antes da realização da conferência da ONU que discutiu as cadeias alimentares, realizada no final de setembro. Confira:
Nestlé – o conglomerado suíço da área de alimentos vai aplicar US$ 1,29 bilhão para incentivar sua rede global com mais de 500 mil produtores e 150 mil empresas fornecedoras a acelerar a sua transição para a agricultura regenerativa. O programa lista práticas voltadas para biodiversidade, conservação do solo, recuperação de nascentes e cursos d’água, além da integração da produção pecuária.
Cargill – a trading americana lançou a plataforma RegenConnect, que se propõe a conectar produtores a merketplaces que os remuneram pela geração de créditos de carbono. O objetivo é de reunir mais de 4 milhões de hectares ao programa até 2030, inicialmente apenas na América do Norte.
Heineken – A fabricante holandesa de cervejas iniciou uma série de experimentos para desenvolver métodos de produção sustentável para sua demanda de cevada. Os primeiros pilotos acontecem no Reino Unido, em parceria com empresas como a Muntons Malt e a Future Foods Solutions.
PepsiCo – a companhia de bebidas e alimentos definiu ambiciosas metas globais para o que chama de “Agricultura Positiva”. O objetivo anunciado é atingir 100% de suas matérias-primas produzidas de forma sustentável até 2030 e ampliar para 2,83 milhões de hectares sua área de cultivo de safras e matérias-primas com práticas de agricultura regenerativa. Com isso, estima a redução de pelo menos 3 milhões de toneladas de emissões de GEE (gases do efeito estufa).
General Mills – Dona de marcas como Yoplait e Haagen Daas, a companhia americana anunciou o compromisso de levar práticas regenerativas para mais de 400 mil hectares até 2030, apenas na cadeia de laticínios. Com isso, espera reduzir suas emissões de GEE em 30%. A meta é ser net zero até 2050.
Amazon – A gigante do varejo eletrônico ingressou na Leaf Coalition, uma iniciativa público-privada para mobilizar pelo menos US$ 1 bilhão para proteger as florestas tropicais do mundo. Uma de suas ações é uma parcria com a ong The Nature Conservancy para o lançamento de uma aceleradora de projetos para agroflorestas e restauração de áreas nativas. O primeiro projeto pretende apoiar 3 mil pequenos produtores do Pará, ajudando-os a restaurar pastagens degradadas para florestas nativas através de técnicas de agricultura regenerativa e sistemas agroflorestais.