Crise hídrica: a alternativa bioenergética

Crise hídrica ressalta importância da geração distribuída de energia de biomassa e resíduos O


Edição 26 - 21.10.21

CPFL Soluções
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Crise hídrica ressalta importância da geração distribuída de energia de biomassa e resíduos

O suprimento de energia é a base da economia e, por isso, é fundamental que esteja disponível com custo competitivo e qualidade para garantir o desenvolvimento econômico e a própria vida da população. A preocupação surge pelo forte indício de que o suprimento de energia elétrica no Brasil deve ser desafiador em 2021. A elevada participação da geração hidroelétrica, que é uma grande vantagem ambiental, traz vulnerabilidade em períodos de estiagem. Desde 2020, o Brasil tem sofrido o efeito da anomalia climática La Niña, que reduz a precipitação nas regiões Sul e Sudeste, onde estão localizados os maiores reservatórios e a maior capacidade de geração.

Nossa principal bacia hidrográfica, a do Rio Paraná, está no pior nível em décadas de Energia Natural Afluente (ENA), que representa a energia capaz de ser produzida pelo volume armazenado nos reservatórios. Em junho, esse nível atingiu 60,1% da Média de Longo Termo (MLT), enquanto o normal seria estar em 100,28% nesse período.

Com o fim do período de chuvas, aumenta a preocupação em relação à perda de controle hídrico. Isso fez com que o governo tomasse medidas para preservar o nível dos reservatórios, sendo a primeira adotada em 28 de maio pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), ao autorizar a flexibilização das restrições hídricas das usinas de Jupiá, Porto Primavera, Ilha Solteira, Três Irmãos, Xingó, Furnas e Mascarenhas de Moraes. Essas medidas visam garantir a governabilidade das cascatas hidráulicas, preservando o uso da água. Além disso, o CMSE recomendou à Agência Nacional de Águas (ANA) o reconhecimento de escassez hídrica na bacia do Rio Paraná.

Com esse cenário, cresce a necessidade de serem ligadas termoelétricas movidas a energia fóssil, muitas vezes a um custo de mais de R$ 1.000 por MWh, encarecendo o Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), que é referência para o mercado à vista, e a conta de luz nos segmentos residencial, comercial e industrial.

Essa situação é um alerta para nos mostrar que estamos atrasados no desenvolvimento da geração térmica a partir de biomassa e de resíduos, que, ao contrário das térmicas fósseis, é renovável e, quase sempre, mais econômica.

Um bom exemplo é a geração de bioeletricidade a partir de resíduos da cana-de-açúcar. A cana é a segunda fonte primaria de energia em nossa matriz, respondendo por 18% do total, atrás apenas do petróleo e derivados, com 33,4%, e à frente da energia hidráulica (12,5%) e do gás natural (12%).

Mas o uso dos resíduos da cana para a geração elétrica ainda pode avançar mais. Na safra 2020/21, operaram 326 usinas de cana no País, sendo 267 no Centro-Sul e 59 no Norte-Nordeste. Desse total, apenas 179 usinas exportaram energia para o Sistema Interligado Nacional, sendo 156 no Centro-Sul e 23 no Norte-Nordeste. Combinadas, possuem uma capacidade de geração de 10.078,8 MW.

Em 2020, as usinas de cana foram responsáveis por suprir 30,59 mil gigawatts-hora (GWh), ou 4% de toda a geração de energia do País, sendo a quarta maior fonte de energia. As hidrelétricas geraram 518,47 mil GWh, ou 68% do total, seguidas por termoelétricas a energia fóssil (carvão, gás, óleo combustível e óleo diesel), com 96,41 mil GWh (12,6%), e energia eólica, com 75,04 mil GWh (9,8%). Além disso, a geração potencial a partir de resíduos, dada a nossa pujante base agroindustrial, é enorme e estimada em mais de 140 mil GWh.

A vantagem das térmicas movidas a biomassa e resíduos é que geram energia de base, e não intermitente. A eletricidade de biomassa, em particular na região Centro-Sul, é gerada durante os meses de inverno quando os reservatórios estão no seu período mais crítico. Dessa forma, compensam a queda sazonal na geração hidroelétrica aumentando a base do sistema sem a necessidade de ampliação de sua capacidade e a construção de mais reservatórios.

A geração é distribuída, próxima ao consumo das cidades, diminuindo a necessidade de investimentos e as perdas com transmissão, estimadas em 12 a 14%. Seu custo tem sido estimado em cerca de R$ 400 por MWh, bem menor do que o das térmicas movidas a energia fóssil. Embora menos competitiva do que a energia eólica, a geração térmica de biomassa e resíduos viabiliza a geração de energia hidroelétrica muito mais barata nos períodos de abundância hídrica, evitando que seja desperdiçada água nos vertedouros, além de reduzir o custo com o tratamento de efluentes e resíduos urbanos e industriais com importante impacto de sustentabilidade.

O reconhecimento dos atributos diferenciados de cada fonte de energia é fundamental para o adequado direcionamento do planejamento de expansão da geração elétrica. A energia mais cara é a que não temos. Nesse sentido, a geração térmica renovável de biomassa – cana, madeira e resíduos – é a galinha dos ovos de ouro que precisa ser devidamente reconhecida e estimulada.

Plinio Nastari é presidente da Datagro e do Instituto Brasileiro de Bioenergia e Bioeconomia (Ibio). No período de nov/16 a ago/20 foi o representante da sociedade civil no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).

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