História vivida e bebida

  Comemoramos no último dia 6 de junho o Dia do Vinho Brasileiro. A data me fez refletir um po


Edição 25 - 14.06.21

 

Irineu Guarnier Filho é jornalista especializado em agronegócio, cobrindo este setor há três décadas. Metade deste período foi repórter especial, apresentador e colunista dos veículos do Grupo RBS, no Rio Grande do Sul. É Sommelier Internacional pela Fisar italiana, recebeu o Troféu Vitis, da Associação Brasileira de Enologia (ABE), atua como jurado em concursos internacionais de vinhos e edita o blog Cave Guarnier. Ocupa o cargo de Chefe de Gabinete na Assembleia Legislativa do Rio

Comemoramos no último dia 6 de junho o Dia do Vinho Brasileiro. A data me fez refletir um pouco sobre a história mais recente de nossos vinhos – que se mistura com a minha nos últimos 30 anos. Não sou um sujeito muito nostálgico. Convivo bem com o meu tempo. Mas, à medida que a idade avança, não há como não lembrar com alguma saudade das boas coisas da vida que experimentamos e que de alguma forma marcaram nossas vivências. Vinhos, por exemplo.

Depois de algumas experiências desastrosas com vinhos comuns de garrafão na adolescência, só viria a me reconciliar com a bebida de Baco depois dos 20 anos – por influência de amigos jornalistas mais velhos, com quem convivi na primeira metade da década de 1980 (alguns, com passagem pela Europa).

Foram eles que me apresentaram aos primeiros vinhos finos que bebi. Quase todos nacionais, da Serra Gaúcha, ou da Campanha. Porque vinho importado, naquela época, era um luxo a que poucos privilegiados podiam ter acesso (rótulos estrangeiros a preços acessíveis só chegariam ao mercado brasileiro a partir do início da década de 1990, com a liberação das importações promovida pelo governo Collor).

E o que se bebia, então? Basicamente os modestos vinhos de umas poucas grandes (para a época) vinícolas locais ou multinacionais instaladas no Rio Grande do Sul: Aurora, Rio-Grandense, Garibaldi, Salton, Peterlongo, Château La Cave, Martini e Rossi, Chandon, Almadén…

Os rótulos, de um modo geral, exibiam nomes estrangeiros, títulos de nobreza, brasões medievais, nomes de regiões demarcadas europeias (Champagne, Chablis, Chianti) e quase sempre aludiam à longa tradição vinícola do Velho Mundo: Conde de Foucald, Baron de Lantier, Clos de Nobles, Merlot Raschiatti, Forestier, Liebfraulmilch, Katz Wein, Costebel, Château Duvalier… Rosés, brancos, suaves e vinhos em garrafas azuis faziam muito sucesso então.

Registro fotográfico Cabernet Sauvignon.
Cabernet Sauvignon.

Por influência da indústria vinícola norte-americana, que desde o famoso Julgamento de Paris, em 1976, vinha se impondo mundialmente, os vinhos brasileiros já começavam a identificar com destaque em seus rótulos as variedades de uvas com as quais eram elaborados. Cabernet Franc e Riesling (Itálico) eram as cepas viníferas tintas e brancas mais populares então (Cabernet Sauvignon, Merlot e Chardonnay só se tornariam mais conhecidas por aqui a partir da década de 1990). Havia também vinhos feitos com outras castas menos conhecidas, como Ugni Blanc, Semillon ou Barbera, mas isso era pouco comum.

Afinamento de vinhos em barricas bordalesas de carvalho era coisa rara. Usavam-se grandes pipas de madeiras brasileiras para a estocagem dos vinhos (substituídas mais tarde por tanques de inox), mas esse material não tinha nenhuma influência sobre a personalidade dos vinhos. As pipas eram apenas recipientes. Lembro-me do primeiro vinho nacional com passagem por barrica de carvalho que provei. Era o Marcus James, que a Aurora exportava para os Estados Unidos nos anos 1980. Estranhei bastante o aroma e o sabor – mas gostei. Os vinhedos da Serra Gaúcha eram quase todos fechados (sistema latada), muito menos eficientes do que os cultivados hoje em sistema de espaldeira.

Don Lairindo – Merlot – Vinho fino tinto seco

De lá para cá, a indústria brasileira de vinhos evoluiu muito. Hoje, temos vinhos de todos os tipos premiados no mundo inteiro. Nos últimos anos, foram mais de duas mil medalhas conquistadas em concursos internacionais. Uma nova geração de enólogos, com formação no exterior, e enormes investimentos privados em tecnologia de ponta, trouxeram qualidade aos vinhos verde-amarelos. Nossos espumantes estão entre os melhores do mundo – e são, sem dúvida, os melhores do Novo Mundo. Mas também temos ótimos brancos e tintos – leves, frutados, muito agradáveis. Só o esnobismo e a ignorância de alguns ainda explicam alguma resistência aos vinhos brasileiros.

Para mim, que acompanhei esta história de perto nas últimas três décadas, cada conquista do vinho brasileiro me emociona e me enche de orgulho. Sobretudo quando abro algum dos vinhos nacionais dos anos 1980 e 1990 e descubro que eles ainda estão muito vivos (mais um preconceito que cai: o de que vinhos brasileiros não resistiriam aos tempo). Se os vinhos elaborados em uma época em que as técnicas de viticultura e vinificação eram incipientes ainda estão íntegros, imagine por quanto tempo os vinhos de guarda elaborados nas boas condições de hoje estarão aptos ao consumo.

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