BOAS DE SERVIÇO

Por Ronaldo Luiz O termo não é exatamente novo: servitização. Trata-se de um neologismo, que há


Edição 25 - 18.06.21

As inovações para o futuro da produção
As inovações para o futuro da produção

Por Ronaldo Luiz

O termo não é exatamente novo: servitização. Trata-se de um neologismo, que há pelo menos meia década se ouve em rodas de consultores e acadêmicos da administração. Demorou um pouco, mas chegou ao campo. É capaz que você ouça quando for comprar a sua próxima máquina agrícola. As concessionárias das principais marcas já abriram a porteira para essa tendência, transformada em novo modelo de negócios para o setor. Agora, vender apenas um produto físico, ainda que de grande valor e com muita tecnologia embarcada, não basta para que elas se mantenham competitivas no mercado. A nova ordem do mercado de máquinas 4.0 é, como o próprio nome diz, oferecer serviços ao agricultor.

Não significa que a venda de máquinas agrícolas esteja mal ou que deixará de ser o principal negócio para as fabricantes em um futuro próximo. Dados da Federação Nacional de Distribuidores de Veículos Automotores (Fenabrave) mostram o contrário. No acumulado do primeiro bimestre deste ano, a comercialização alcançou 6.691 unidades, avanço de 33,23% em relação a igual período do ano passado. Mas a servitização ganha cada vez mais espaço nas contas de fabricantes e revendedores.

Em linhas gerais, a servitização é a transição da produção de bens para oferta de soluções e serviços. Esmiuçando um pouco mais, é o movimento das empresas para agregar valor aos seus produtos, oferecendo serviços e soluções relacionados a eles. Ou seja: a empresa passa a fornecer soluções produto-serviço, em vez de comercializar exclusivamente aquele item.

As pioneiras na adoção do modelo foram as companhias de tecnologia da informação, especialmente as desenvolvedoras de softwares. Se antes um cliente adquiria um software e o instalava em sua própria infraestrutura de TI, com o decorrer do tempo os desenvolvedores passaram a vender somente licenças de uso periodicamente renováveis, operando como um aluguel da utilização do programa. O modelo se espalhou para outros segmentos da economia e agora ganha corpo na cadeia produtiva do agronegócio.

“A servitização é um processo de transformação de um produto para um serviço. É uma nova forma de enxergar a criação de valor, que, tradicionalmente, era centrada meramente no item”, afirma Everton Drohomeretski, professor da FAE Business School, que realiza programas de negócios junto a cooperativas agropecuárias do Paraná.

No agronegócio, segundo Drohomeretski, a pergunta-chave para se aplicar de maneira correta o conceito de servitização é: “Quais são as dores do produtor rural, o que ele precisa para melhorar o desempenho da sua lavoura, por exemplo?” Neste sentido, uma fabricante vai incorporar, ao oferecer uma máquina agrícola, serviços e soluções que tratem de melhorar as atividades de plantio, o uso inteligente de insumos, as tarefas de colheita, e assim por diante.

ESTRATÉGIAS

Computadores no comando de máquina da Jacto e a executiva Kelly Nakaura, da John Deere: novos modelos de negócios incorporam a servitização
Computadores no comando de máquina da Jacto e a executiva Kelly Nakaura, da John Deere: novos modelos de negócios incorporam a servitização

Com as ferramentas digitais cada vez mais incorporadas aos seus produtos, os fabricantes de máquinas têm conseguido dar impulso à oferta de serviços, independentemente do grau de maturidade em que esteja a proposta de valor da servitização. Os desafios de conectividade ainda existem no campo, mas a realidade também é que ano a ano a área de cobertura registra gradual expansão.

O mais recente Censo Agropecuário do IBGE, por exemplo, revela que o número de produtores rurais que acessam a internet cresceu incríveis 1.900% de 2006 para 2017. A pesquisa “Hábitos de Mídia do Produtor Rural”, da Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio (ABMRA), vai na mesma linha, destacando que a utilização da internet pelo homem do campo registrou alta de 7,7% de 2013 até 2017.

No processo de servitização, a estratégia combina digitalização e parcerias com startups, bem como o estímulo a hubs de inovação, que reúnem várias agtechs. “Temos investido forte em digitalização, seja em tecnologia embarcada nas máquinas, seja na disponibilização de serviços em torno dos produtos. Nesse sentido, mantemos parceria com a agtech de origem canadense, Farmers Edge, para entrega de soluções de agricultura de precisão digital aos nossos clientes, dentro de um modelo de negócios via concessionárias”, afirma Gerson Filippini, especialista de Marketing de Produto da Case IH.

A mudança do conceito de serviço para as montadoras tem sido rápida. Segundo Giovanno Pretto, gerente de Field Service Brasil da New Holland Agriculture, até pouco tempo atrás ele se resumia a “oferecer reparo e revisão do equipamento”. Hoje, acentua o executivo, é preciso entregar muito mais, acompanhar o dia a dia do uso da máquina para viabilizar o uso completo e eficiente do produto, ministrar treinamentos, entregar informações técnicas destinadas ao plantio e à colheita, até soluções de manutenção preditiva, por exemplo, que possam apontar, antecipadamente, quando o maquinário precisará de uma troca de peças.

Outras empresas, como a Jacto, investiram no desenvolvimento de uma plataforma própria de agricultura digital. Wanderson Tosta, diretor de Marketing da empresa paulista, conta que a empresa apostou em uma ferramenta on-

Tosta, da Jacto; Pretto, da New Holland; e Filippini, da Case IH: digitalização amplia possibilidades de serviços
Tosta, da Jacto; Pretto, da New Holland; e Filippini, da Case IH: digitalização amplia possibilidades de serviços

line que busca funcionar como um ecossistema digital para o produtor-cliente, trazendo desde softwares com dados agronômicos até ferramentas de gestão, espaço de negócios [financiamento e/ou venda do maquinário], por exemplo, entre outras funções, que dependendo do pacote são gratuitas ou necessitam de contratação à parte. Sob o guarda-chuva da servitização, o executivo ressalta o projeto-piloto, que combina equipamentos da Jacto com solução de controle biológico da Koppert, especializada na atividade. “É algo que podemos vir a oferecer futuramente em escala comercial.”

A americana John Deere, por sua vez, além de embarcar tecnologia nas máquinas, investiu na transformação de suas concessionárias em espécie de centrais digitais de controle de operações agrícolas, onde o cliente pode visualizar, com assistência dos técnicos da companhia, todos os recursos disponíveis com a análise dos dados obtidos pelos equipamentos. Kelly Nakaura, diretora de Tecnologia e Inovação da ABMRA da John Deere, pontua que o “business” da agricultura de precisão digital tem se tornado extremamente relevante para a operação por meio da oferta de serviços.

“O modelo de negócios caminha, sim, em direção à servitização, e acredito muito na expansão de um modelo de contratação por demanda.” Para a executiva, além de fortalecer a marca junto à clientela, a servitização também pode funcionar como um ímã para atração de investimentos. “Mostra que a empresa está se movimentando, criando, antenada, em um esforço que alavanca o seu potencial de rentabilidade futura.” Servitizar é verbo que não consta em dicionários, mas está na boca dos executivos do setor e dos consultores.

“Quando digo ‘eu servitizo’, significa que incorporo serviços a fim de criar uma experiência positiva para o cliente, a começar por ele ter a possibilidade de extrair o máximo do produto que ele adquiriu”, ressalta o professor Drohomeretski. “Em um processo bem estruturado de servitização, o serviço é percebido pelo cliente como inerente ao bem – e não como um penduricalho, um acessório ao produto. Servitização é investir na criação de uma proposta de valor que seja clara em termos de resultados positivos para o cliente.”

Criar condições favoráveis à recorrência de compra – e, assim, à continuidade de receita – é o principal retorno para a empresa que investe em servitização. “No agro, por exemplo, a servitização faz o fabricante de maquinário agrícola estar com o produtor rural o tempo todo por meio dos serviços, o que fortalece o vínculo, reforça a confiança – atributo extremamente valorizado no campo – em busca de fidelidade”, ressalta o professor. “Isso diminui a necessidade de a marca ter que ficar “correndo” atrás do cliente a todo instante, fazendo com que o gasto para viabilizar uma segunda, uma terceira venda seja menor para a empresa.”

REGISTRO FOTOGRAFICO PROFESSOR EVERTON DROHOMERETSKI

Para Camilo Adas, presidente do Conselho da SAE Brasil – associação que atua na difusão de conhecimento tecnológico e de novos modelos de negócios para a indústria, inclusive de máquinas agrícolas –, as características básicas dos maquinários para o campo, principalmente entre as maiores fabricantes, se tornaram cada vez mais parecidas, ficando de certo modo “commoditizadas”. “E este cenário faz com que a diferenciação de mercado esteja cada vez mais atrelada não apenas a tecnologias embarcadas, mas sobretudo às que envolvem serviços em torno do produto, que tenham como foco melhorar o dia a dia do produtor. E é isso que vem alavancando a servitização.”

A boa estratégia de servitização, segundo Adas, precisa considerar o encaixe entre produto-serviço-cultura. “Uma lógica de processo, uma experiência que possa fazer sentido para uma grande propriedade produtora de grãos no Centro-Oeste é bem provável que não tenha aderência em um negócio de agricultura familiar nos arredores de uma metrópole.”

Um bom exemplo de servitização, nesse aspecto, e que, em princípio, não tem nada a ver com uma grande inovação tecnológica, diz o dirigente, é uma fabricante ter uma oficina de maquinário agrícola locada na própria fazenda de um grande cliente.

“Dependendo, claro, de análise de custos, de viabilidade, entre outras variáveis, este posto avançado pode ser bem trabalhado como um atributo de adição de valor, dentro do conceito de servitização, funcionando na prática como uma ação de fidelização da marca junto ao produtor”, esclarece Adas. “Uma ampla rede de concessionárias é algo visto como serviço pelo produtor, que quer ter assistência rápida e confiável para o maquinário que adquiriu. Na prática, é critério de compra.”

Apenas vender produto como estratégia dominante de mercado não funciona mais. É por isso que a servitização vem crescendo”, concorda Matheus Cônsoli, sócio fundador da Markestrat, especialista em estratégias de negócios para o agro. Dentro desse raciocínio, Cônsoli traz ainda para a discussão dois outros modelos de serviços que vêm sendo empregados no universo de máquinas agrícolas. Primeiro, o da “uberização” – compartilhamento de maquinário. “Temos exemplos interessantes. Não servirá para todos os produtores, mas pensando no custo de aquisição de uma máquina agrícola, quanto maior for o investimento necessário, produtores pequenos e médios podem passar a optar mais pelo aluguel.”

Segundo Cônsoli, outro modelo que também avança é o da contratação do serviço completo – não apenas do maquinário, mas da execução da atividade também. “O produtor rural paga pelo serviço de um número X de máquinas trabalhando, por um determinado tempo, para a atividade Y. Cooperativas em São Paulo têm trabalhado com esta opção.”

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