Edição 24 - 05.04.21
Em um cenário de grandes transformações, as cooperativas agrícolas lançam inovações feitas sob medida para fomentar a digitalização dos associados e atender às necessidades de produtores que, muitas vezes, ficam à margem das mudanças tecnológicas.
O ano de 2020 mostrou a importância da inovação e da digitalização em todos os setores da economia, inclusive no agro. As tradicionais feiras migraram para as plataformas virtuais, os produtores passaram a recorrer mais aos marketplaces na internet para comprar insumos e startups viram a procura por suas soluções de gestão disparar. Todos estes temas estiveram presentes nas reportagens da PLANT. As cooperativas agrícolas também fizeram parte desse cenário de disrupção – termo que vem sendo bastante utilizado para se referir às transformações que acontecem diariamente. A inovação entrou no foco de suas ações, com a busca, na tecnologia, de novas soluções feitas sob medida para seus associados.
Cooperar, assim, ganhou sua versão digital. Em fevereiro, Frísia, Castrolanda e Capal – três das mais importantes cooperativas agroindustriais do País – lançaram uma grande iniciativa de cooperação, a CoopMode, com o objetivo de fomentar a inovação. A estratégia foi construída a partir de três linhas de ação. A primeira será a cultura da inovação, com cursos de capacitação, palestras e outros conteúdos, que vai engajar lideranças e cooperados na necessidade da transformação digital. A segunda é o desenvolvimento de projetos conjuntos de inovação para resolver dores dos cooperados, como a falta de acesso à internet em algumas regiões. E a terceira será a conexão com ecossistemas de inovação. Isso será feito por meio de desafios de inovação aberta, editais e encontros. O objetivo é justamente fazer a ponte entre os produtores e cooperados e os hubs de inovação do agro, que vêm ganhando força nos últimos anos.
Em Minas Gerais, a abordagem da Minasul, cooperativa de Varginha, foi diferente. Ela criou uma moeda virtual para seus cooperados. A Coffee Coin, que conta com o Dynamics, plataforma de gestão da Microsoft, permite que os produtores troquem parte de sua produção por produtos da loja da Minasul. Cada Coffee Coin equivale a um quilo de café verde no padrão comoditizado. Com isso, o valor está sempre atualizado. Por enquanto, a tecnologia está sendo aplicada em fase de testes e a quantidade de negociações feitas ainda é pequena. Mas o objetivo é popularizar a moeda digital e, no futuro, transformá-la em um criptoativo com lastro no próprio café produzido pelos cooperados. Com isso, abrem-se possibilidades de usar os recursos para vendas futuras ou transações com investidores.
A Cooperativa Agroindustrial Holambra, do interior do estado de São Paulo, vai aproveitar o bom desempenho em 2020 para acelerar o planejamento estratégico com foco em inovação. No ano passado, a cooperativa bateu a marca de R$ 1 bilhão em vendas líquidas. Com 150 cooperados e 62 mil hectares de área explorada, a Holambra quer se tornar um player de destaque na produção de grãos. E essa consolidação acontecerá por meio da digitalização. “Queremos desenvolver novas capacidades que tragam benefícios aos nossos cooperados, aumentando a produtividade, em um sentido amplo, não apenas no campo, vantagem competitiva e gestão mais profissionalizada”, afirma Allan de Aveiro dos Santos, superintendente de TI da cooperativa. Um dos pilares que serão trabalhados é o acesso à informação. Para 2021, a cooperativa também quer definir um modelo para os serviços que serão prestados em agricultura digital.
Associações de menor porte também têm adotado tecnologias capazes de facilitar a produção e acelerar a digitalização dos cooperados, reduzindo a distância deles em relação a produtores de maior porte. É o caso da Cooperativa Mista de Agricultores Familiares de Itati, Terra de Areia e Três Forquilhas (Coomafitt), no litoral norte do Rio Grande do Sul. Com apenas 273 associados, a entidade abastece escolas públicas, dentro do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). As chamadas públicas, no entanto, exigem a rastreabilidade das frutas. A Coomafitt adotou, então, uma plataforma digital de gestão desenvolvida pela startup Elysios.
“Conseguimos reverter o que era uma exigência, uma lei a cumprir, em algo que agregou valor ao trabalho dos produtores”, afirma Bruno Engel Justin, presidente da cooperativa. Por meio da gestão da propriedade, do controle de insumos, da colheita, do manejo e da adubação, os cooperados estão criando um histórico de cada produção. “Essas informações sobre a capacidade produtiva de cada associado facilitam também na comercialização”, diz Bruno. Hoje, quase 100% dos associados da Coomafitt têm suas produções mapeadas. O desafio, agora, é incentivar o uso da ferramenta de forma permanente.
Nesse contexto, fica claro o papel que as cooperativas exercem em levar a tecnologia para produtores que, muitas vezes, ficam à margem das inovações, seja por falta de recursos para se atualizarem, seja por outras barreiras, como o já velho problema da falta de conectividade. “Queremos cada vez mais criar essa cultura. Queremos que esse processo de inclusão tecnológica seja sempre inclusivo. É preciso cada vez mais criar essa cultura, entendendo as necessidades, a perspectiva de cada agricultor, e adaptando esse processo da maneira que for possível”, afirma Bruno.
Engana-se, no entanto, quem acha que apenas os pequenos produtores recorrem às cooperativas nessa busca por digitalização. Em entrevista publicada na edição número 21 da PLANT, Fernando Degobbi, diretor-presidente da Coopercitrus, afirmou que mesmo grandes produtores estão vendo as vantagens de contar com as cooperativas. “Temos grandes cooperados que têm abandonado projetos próprios, que exigiam muito tempo e recursos próprios, para usar serviços de tecnologia agrícola da cooperativa”, disse Degobbi. Uma das maiores cooperativas do País, com 38 mil cooperados, a Coopercitrus foi pioneira na criação de um departamento de tecnologia agrícola e no uso de drones para pulverização. No ano passado, em meio à pandemia, também levou sua tradicional feira para o ambiente digital, batendo recordes de audiência.
CAMINHO LONGO
Os investimentos em inovação, no entanto, ainda não são suficientes. Uma pesquisa feita pela Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e divulgada no final de fevereiro indica que 84% das 474 cooperativas entrevistadas veem a área de inovação como muito importante, mas 71% delas não têm um plano definido. Esses dados incluem 4% que definitivamente não vão investir em inovação, 25% que não têm um planejamento específico e outros 42% que dependem da disponibilidade de recursos.
A OCB tem 1.223 cooperativas e 992,1 mil cooperados, e o agronegócio é representado por 22% desse total. Os desafios apontados são a falta de dinheiro ou financiamento (40%), falta de organização, ideias e projetos (42%) e falta de capacitação da equipe (29%). Para tentar mudar esse cenário, a OCB lançou uma plataforma, Inova Coop, que compartilha cases de inovação no cooperativismo que deram resultados positivos e oferece cursos específicos sobre o tema. Já são cinco cursos disponíveis, e outros nove devem ser lançados ao longo de 2021.
De todos os gargalos, um dos mais difíceis de resolver é justamente a falta de mão de obra especializada. Faltam profissionais capacitados para trabalhar com tecnologia em todos os setores. Faltam cursos de formação e capacitação com foco no uso de ferramentas modernas. E, à medida que a adoção de inteligência artificial (IA), machine learning e outras tecnologias de análise de dados avança, a competição acontece com todos os outros setores, dos bancos e fintechs aos aplicativos de comida. Uma pesquisa sobre o setor de IA no Brasil feita pela consultoria Everis, em parceria com a Endeavor, mostra que a falta de talentos em áreas como ciência de dados e estatística é um problema grave – e sem solução fácil.
Allan de Aveiro dos Santos, da Holambra, identifica ainda a necessidade de engajamento da liderança nessa busca por inovação, e a mudança de cultura da própria cooperativa. “Essa parece ser uma ‘desculpa da moda’ e todo mundo acaba colocando a culpa na cultura, o que não é certo. Mas a cultura é realmente um habilitador importantíssimo para a transformação digital”, afirma Allan. E o papel da liderança é determinante em incentivar a própria cooperativa e seus cooperados da importância da inovação. De acordo com a pesquisa da OCB, 77% dos entrevistados responderam que a diretoria ou a presidência são os responsáveis pelas decisões em relação às estratégias inovadoras. Ou seja, se os líderes não apostarem na inovação, todos ficam para trás.
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