Vinícolas Urbanas

O conceito de vinícola urbana ganha força em metrópoles pelo mundo afora. Cidades como Nova York,


14.08.20

Irineu Guarnier Filho é jornalista especializado em agronegócio, cobrindo este setor há três décadas. Metade deste período foi repórter especial, apresentador e colunista dos veículos do Grupo RBS, no Rio Grande do Sul. É Sommelier Internacional pela Fisar italiana, recebeu o Troféu Vitis, da Associação Brasileira de Enologia (ABE), atua como jurado em concursos internacionais de vinhos e edita o blog Cave Guarnier. Ocupa o cargo de Chefe de Gabinete na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, prestando consultoria sobre agronegócio.

O conceito de vinícola urbana ganha força em metrópoles pelo mundo afora. Cidades como Nova York, Londres e Paris já possuem vinícolas incrustadas em seus perímetros urbanos. Como em qualquer agroindústria, a matéria-prima pode vir do campo, mas a elaboração do produto ocorre em áreas comerciais ou até residenciais. Rótulos de vinícolas como Queens County Farm Museum Winery, de NY, ou Quantum Leap Winery, de Orlando, na Flórida, começam a chamar a atenção não apenas de moradores locais (que podem viver a experiência de degustar diretamente das barricas sem sair do seu bairro) como também de enófilos de passagem pela cidade.

Com seus sobrados de classe média, ruas tranquilas e pracinhas bucólicas, o bairro Chácara das Pedras, na Zona Norte de Porto Alegre, abriga uma autêntica vinícola urbana – a apenas nove quilômetros do centro da capital gaúcha. A Bodega Ruiz Gastaldo, instalada há três anos sob a residência do jovem engenheiro Eduardo Gastaldo, elabora pequenos lotes de vinhos com os nomes dos filhos e sobrinhos do proprietário. As uvas são trazidas de vinhedos localizados a mais de cem quilômetros de distância, na Serra Gaúcha, nos Campos de Cima da Serra e na Serra do Sudeste, em caminhões frigoríficos, para chegarem íntegras à prensagem.

Gastaldo é bisneto do empreendedor italiano Januário Greco, que veio para o Brasil no final do século 19. Na primeira década do século 20, Greco negociava banha, produzida em São Paulo pelo amigo Francesco Matarazzo. Foi dono do Cine Apolo. E introduziu na capital gaúcha, em 1906, o primeiro automóvel – um moderníssimo De Dion Bouton, importado da França. O sogro de Gastaldo, o empresário de origem argentina Rodrigo Ruiz, é colecionador de automóveis. Assim, sempre que organiza algum evento na Bodega (suspensos agora por causa da pandemia), Eduardo recepciona seus convidados com um veículo antigo – uma forma de homenagear o bisavô ilustre, que também fazia vinho em sua mansão na Avenida Independência.

Curioso, logo que começou a beber vinho – por influência do sogro -, Gastaldo se interessou pelo processo de elaboração. Daí para a compra dos primeiros equipamentos e para a construção da bodega foi um salto. A primeira safra foi elaborada com uvas esmagadas por um viticultor de Bento Gonçalves e transportadas num tanque preso à caçamba de uma picape. “Descemos a Serra com o vinho fermentando”, recorda o vinhateiro urbano. O vinho fez sucesso entre os amigos, e a Bodega Ruiz Gastaldo começou a expandir seu portfólio. No ano passado, a empresa conquistou o registro no Ministério da Agricultura, habilitando-se a comercializar seus rótulos em lojas e restaurantes.

O enólogo autodidata esclarece que vistoria de perto a produção de seus fornecedores. “Agora, já estou envolvido com a safra 2021. Visito os vinhedos, acompanho a poda, porque isso vai se refletir no resultado lá na frente”, diz. “Além disso, como moro em cima da vinícola, vigio a evolução dos meus vinhos diariamente, para saber o melhor momento das intervenções”. Sobre estilo enológico, Gastaldo revela que se identifica com a “escola clássica do Velho Mundo”. De fato, seus vinhos têm graduação alcoólica moderada, entre 12% e 13%, equilíbrio entre acidez e taninos, fazem uso comedido da madeira, e denotam potencial para a evolução na garrafa e o envelhecimento.